Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Veto Parcial n.º 009/2020
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 127/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Veto Total ao Projeto de Lei n.º 009/2020"

1. Relatório

O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei nº 009/2020 à Câmara Municipal, objetivando obrigar os proprietários de cães a colocarem placas com os dizeres “CUIDADO CÃO BRAVO” ou “CUIDADO COM O CÃO” em suas residências. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. Após a apresentação de substitutivo e com os pareceres das comissões permanentes, a proposta foi aprovada em sessão plenária, a qual, porém, recebeu veto total pelo Chefe do Executivo, remetido para análise jurídica deste órgão.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

3.1 DAS ESPÉCIES DE VETO

A Constituição Federal de 1988, a partir do art. 59 até o art. 69, estabelece normas relativas ao processo de criação legislativa, as quais, segundo interpretação do Supremo Tribunal Federal, são de reprodução/repetição obrigatória pelos entes federados:

Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitucional. Representação de inconstitucionalidade de lei municipal em face de Constituição Estadual. Processo legislativo. Normas de reprodução obrigatória. Criação de órgãos públicos. Competência do Chefe do Poder Executivo. Iniciativa parlamentar. Inconstitucionalidade formal. Precedentes. 1. A orientação deste Tribunal é de que as normas que regem o processo legislativo previstas na Constituição Federal são de reprodução obrigatória pelas Constituições dos Estados-membros, que a elas devem obediência, sob pena de incorrerem em vício insanável de inconstitucionalidade. [...] (RE 505476 AgR, Relator:  Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 21/08/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 05-09-2012 PUBLIC 06-09-2012).

No art. 66, § 1º, da Constituição Federal de 1988, há regramento acerca do poder de veto pelo Chefe do Poder Executivo, nos seguintes termos:

Art. 66. (...)

§ 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.

Como se nota, o dispositivo constitucional menciona a possibilidade de o Chefe do Poder Executivo vetar as proposições legislativas por razões jurídicas ou por falta de interesse público. No primeiro caso, o veto se fundamenta em possível inconstitucionalidade de natureza formal ou material, que pode prejudicar o projeto de lei na sua integralidade ou apenas parcialmente. O veto parcial, na dicção do § 2º do art. 66 da CF/88, abrange texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. No segundo caso, o veto fundamenta-se em inconveniência ao interesse público, pelo fato de a proposta não representar, efetivamente, as legítimas expectativas e interesses da coletividade.

Dessa forma, exsurgem, da Constituição Federal de 1988, os vetos jurídico e político, sendo o primeiro relacionado a inconstitucionalidades formais ou materiais e o segundo relacionado à falta de interesse público. Nesses termos, considerando o disposto no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/2018, compete a esta Procuradoria Jurídica orientar os vereadores apenas quanto aos aspectos jurídicos das proposições, de modo que o presente parecer jurídico se circunscreverá aos elementos que justifiquem o veto jurídico

3.2 DO VETO AO PROJETO DE LEI Nº 009/2020

O veto jurídico apresentado pelo Chefe do Poder Executivo fundamenta-se na possível violação ao princípio da proporcionalidade pela regra que prevê a instalação de placas em todas as residências que possuam cães, independentemente de serem agressivos ou não, além da impertinência da criação da outra regra (placas indicando a existência de cães bravos) por já existir norma estadual disciplinando as obrigações dos proprietários (Capítulo VI da Lei Estadual nº 15.363/2019).

No parecer jurídico elaborado pela Procuradoria da Câmara por ocasião da primeira análise da proposição, consta claramente a argumentação no sentido de que “a atual redação, como disposta na proposta original, acaba por obrigar todos os proprietários de cães a afixarem a placa, o que nos parece desproporcional, visto que nem todos os proprietários possuem cão bravo.” Ficou recomendada, assim, a redação da obrigação somente aos proprietários de cães bravos, visto que, do contrário, haveria possível afronta ao princípio da proporcionalidade. A sugestão não foi recebida pelo proponente, que no substitutivo novamente dispôs sobre a obrigação de o proprietário de qualquer cão fixar a placa indicativa.

A respeito da vigência de lei estadual que já disciplina as obrigações de proprietários de cães bravos em todo o território gaúcho, realmente o Capítulo VI da Lei Estadual nº 15.363/2019 dispõe sobre as regras envolvendo o assunto, assim reproduzidas:

Art. 24. São obrigatórios, para o exercício regular da posse de cães das raças American Pit Bull Terrier, Fila, Rottweiler, Dobermann, Bull Terrier, Dog Argentino e demais raças afins, o registro do animal em órgão competente e a comprovação de seu adestramento e vacinação.

Parágrafo único. Os proprietários dos cães referidos no "caput" devem efetuar o registro de seus animais.

Art. 25. Os cães especificados nesta Lei somente poderão circular em logradouros públicos ou vias de circulação interna de condomínios se conduzidos por pessoas capazes e com guia curta - máximo 1,5 metros - munida de enforcador de aço e focinheira, que permita a normal respiração e transpiração do animal.

§ 1º É vedada a permanência dos referidos animais em praças, jardins e parques públicos, e nas proximidades de unidades de ensino públicas e particulares.

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica aos cães pertencentes a órgãos oficiais, nem aos que estejam participando de exposições ou feiras licenciadas pelo Poder Público.

Art. 26. O não cumprimento do disposto nesta Lei acarretará ao infrator, proprietário e/ou condutor dos animais nela referidos, sanções que vierem a ser fixadas pelo órgão competente.

Parágrafo único. Constatada a inobservância de dispositivo desta Lei, qualquer pessoa poderá requisitar intervenção de força policial, sujeitando-se o infrator aos desígnios legais.

Art. 27. Para exercer a posse de outros cães considerados perigosos por sua força e agressividade, conforme vier a ser estabelecido em regulamento, deve-se observar o disposto nesta Lei.

Art. 28. Todo cão que agredir uma pessoa será imediatamente enviado para avaliação de médico veterinário, a quem incumbirá elaborar laudo sobre a periculosidade do animal.

Art. 29. As residências e quaisquer estabelecimentos onde houver cães de guarda perigosos deverão ser guarnecidos com muros, grades de ferro, cercas e portões de segurança para garantir a tranquila circulação de pedestres, e sinalizados com placas indicativas, fixadas em local visível e de fácil leitura, para alertar da presença dos animais.

Com efeito, já existe disciplina legal sobre o assunto em âmbito estadual, o que, se por um lado não impede a atividade legislativa municipal, por outro a condiciona a balizar-se segundo as regras do Estado do Rio Grande do Sul. Dessa forma, cabe ao Município de Guaíba unicamente suplementar a aplicação das regras com vistas a satisfazer o interesse local (art. 30, inciso I, da CF/88), respeitando-se a disciplina estadual em vigor.

Nesse passo, a proposta legislativa municipal não suplementa a legislação estadual sobre o assunto, pois traz disciplina mais abrangente que acaba por transbordar da mera complementação, indo além da regra estadual ao buscar obrigar todos os proprietários de cães, independentemente da sua agressividade, a instalarem placas indicativas nas residências, medida já afirmada como desproporcional.

Portanto, sem ingressar no mérito da proposição, pelo fato de ter sido criada uma obrigação desproporcional para os proprietários de cães “não bravos”, bem assim por já existir uma disciplina estadual quanto aos cães bravos (Lei Estadual nº 15.363, de 2019), sem que o objetivo da proposição municipal seja de suplementá-la, entende-se juridicamente adequado o veto do Prefeito de Guaíba.

4. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pelo acolhimento do veto total ao Projeto de Lei nº 009/2020.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 11 de agosto de 2020.

 

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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