Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 043/2020
PROPONENTE : Ver.ª Fernanda Garcia
     
PARECER : Nº 120/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Torna obrigatória disponibilização de cadeiras adaptadas em estabelecimentos de ensino no âmbito do Município de Guaíba e dá providências correlatas"

1. Relatório:

Veio ao exame desta Procuradoria o Projeto de Lei nº 043/2020, apresentado pela Vereadora Fernanda Garcia (PTB), o qual “Torna obrigatória disponibilização de cadeiras adaptadas em estabelecimentos de ensino no âmbito do Município de Guaíba e dá providências correlatas”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. MÉRITO:

Preliminarmente, constata-se que a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativo do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente, e no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

 IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

O E. Supremo Tribunal Federal precisou que as competências legislativas do município caracterizam-se pelo princípio da predominância do interesse local e ressaltou ser salutar que a interpretação constitucional de normas dessa natureza seja mais favorável à autonomia legislativa dos Municípios, haja vista ter sido essa a intenção do constituinte ao elevar os Municípios ao status de ente federativo na Constituição Cidadã de 1988.[1] Nessa perspectiva, a doutrina de Alexandre de Moraes leciona que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)". (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740).

Para o STF, essa autonomia revela-se fundamentalmente quando o Município exerce, de forma plena, sua competência legislativa em matéria de interesse da municipalidade, como previsto no art. 30, I, da CF.[2] Por esse ângulo, a matéria normativa constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 043/2020, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), visa regular matéria relativa à promoção do direito à educação em âmbito local e ainda à efetivação dos direitos das pessoas com deficiência, especificamente com a previsão de instituição de disponibilização de cadeiras adaptadas em estabelecimentos de ensino.

A própria Constituição Federal garante tal prerrogativa aos entes municipais, tratando a educação, conforme estabelece seu art. 205, como direito de todos e dever do Estado e da família e será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Nesse sentido o E. STF definiu em sede de controle concentrado de constitucionalidade que “É legítima e adequada a atuação do Estado sobre o domínio econômico que visa garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto, nos termos da Constituição Federal. [ADI 2.163, rel. p/ o ac. min. Ricardo Lewandowski, j. 12-4-2018, P, DJE de 1º-8-2019.]”

A educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos, sendo dever constitucional do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício, dever imposto a todos os entes federados pelo preceito veiculado pelo art. 205 da Constituição do Brasil, com a promoção da sociedade.

No presente caso, a medida não configura invasão de competência privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, estabelecida no art. 60 da CERS, já que não trata de criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

A propositura desse projeto de lei de autoria parlamentar encontra respaldo, sobretudo, no recente julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5139, em que, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o número de cadeiras adaptadas nos estabelecimentos de ensino das redes públicas e privadas do Estado de Alagoas deve ser, no mínimo, igual à quantidade de alunos com deficiência física ou mobilidade reduzida regularmente matriculados em cada sala.

O entendimento do STF no que diz respeito à inclusão social, na medida em que reforça a obrigação constitucional do Poder Público de cuidar da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência e estabelecer uma política pública de isonomia, evidenciada pelo julgamento da ADI 5139 contra dispositivo da Lei estadual 7.508/2013, de Alagoas, somente impondo a obrigatoriedade de que o número de cadeiras adaptadas seja, no mínimo, igual ao número de alunos portadores de deficiência regularmente matriculados em cada sala de aula.

Em seu voto, a relatora da ação, ministra Cármen Lúcia, destacou inicialmente a constitucionalidade da iniciativa do Legislativo alagoano ao editar medidas de inclusão social das pessoas com deficiência. No caso, entretanto, a relatora ressaltou que a interpretação de que o dispositivo teria determinado o fornecimento de cadeiras adaptadas a todos os alunos de cada sala é incompatível com o princípio da proporcionalidade. A lei estadual objetivou assegurar acessibilidade aos alunos com deficiência. Assim, ela concluiu que a imposição aos estabelecimentos de ensino da obrigação de disponibilizarem cadeiras adaptadas apenas a esses estudantes é suficiente para atingir a finalidade pretendida pela lei. A relatora votou pela procedência parcial da ADI, para que se entenda que a expressão “número de alunos regularmente matriculados em cada sala”, prevista do parágrafo único do artigo 2º da Lei estadual 7.508/2013, se refere à quantidade de alunos com deficiência física ou mobilidade reduzida regularmente matriculados em cada sala.

A jurisprudência colacionada a seguir ampara a constitucionalidade da proposição em análise, valendo a pena trazer à tona trechos do acórdão referido do STF na ADI nº 5139, os quais ressaltam a inexistência de violação à separação entre os poderes:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DA LEI N. 7.508/2013 DE ALAGOAS. DIREITO DE ACESSIBILIDADE DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: LEI PELA QUAL SE OBRIGA A DISPONIBILIZAÇÃO DE CADEIRAS ADAPTADAS PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA OU MOBILIDADE REDUZIDA. PROPORCIONALIDADE DO NÚMERO DE CADEIRAS A SER DISPONIBILIZADO. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AÇÃO DIRETA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. Constitucional a iniciativa do legislador alagoano para editar a Lei estadual n. 7.508/2013, pela qual se determina que os estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior, públicos e privados, e cursos de extensão disponibilizem “cadeiras adaptadas para alunos portadores de deficiência física ou mobilidade reduzida” (art. 1º). 2. Desproporcionalidade da definição normativa do número de cadeiras a ser disponibilizado: interpretação conforme ao parágrafo único do art. 2º da Lei estadual n. 7.508/2013 para se entender que a expressão “número de alunos regularmente matriculados em cada sala” se refere à quantidade de alunos com deficiência física ou mobilidade reduzida. 3. Ação direta parcialmente procedente para dar interpretação conforme à Constituição da República. Sessão Virtual de 4.10.2019 a 10.10.2019. Brasília, 11 de outubro de 2019. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora.

Ademais, a proposta vai no sentido da norma insculpida no art. 208, VII, da Carta Magna, que busca atender os educandos sob diversos aspectos positivos:

                Art. 208. (...)

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

O direito à acessibilidade é definido pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência como "possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida" (art. 3º, inciso I, da Lei Federal nº 13.146, de 6 de julho de 2015, destaques nossos).

Tal previsão do Estatuto da Pessoa com Deficiência está em consonância com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007 e internalizado pelo Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, cujo artigo 9, item1, prevê a necessidade de tomada de medidas apropriadas por parte do Poder Público para assegurar a acessibilidade às pessoas com deficiência, incluindo a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade em edifícios e residências. Referida Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional na forma do § 3º do art. 5º da Constituição Federal, gozando de força normativa constitucional, o que demonstra a higidez e a compatibilidade desta propositura com nossa Carta Magna.

[1] RE 1.151.237; RE 1.052.719.

[2] RE 610.221 RG

3. Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos e consoante a jurisprudência do E. STF quanto à matéria na ADI 5139/AL, a Procuradoria opina pela constitucionalidade, legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei nº 043/2020, de autoria da Vereadora Fernanda Garcia (PTB), por inexistirem óbices de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 30 de julho de 2020.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136



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