PARECER JURÍDICO |
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"Autoriza o Município de Guaíba a proceder a Desafetação de Área Pública e a Permutá-la com Marco Aurelio Silva Qualisoni e Magda Duarte Qualisoni, Roma Maria Qualisoni Bardini e Marino Bardini, Italo Eleonardo Silva Qualisoni e Gloria Maria Lobato Qualisoni" 1. RelatórioO Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 032/2020 à Câmara Municipal, que autoriza o Município de Guaíba a proceder à desafetação de área pública e permutá-la com Marco Aurelio Silva Qualisoni e Magda Duarte Qualisoni, Roma Maria Qualisoni Bardini e Marino Bardini, Italo Eleonardo Silva Qualisoni e Gloria Maria Lobato Qualisoni. A proposição veio acompanhada de exposição de motivos (fls. 02-03), minuta do termo de permuta (fls. 07-09), certidões de matrícula dos imóveis (fls. 10-10v.; 12-13), planta de situação da área privada (fl. 11) e laudos de avaliação dos bens com a ART do responsável (fls. 14-61). A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno. 2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICAA Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante. Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”. Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico. 3. MÉRITOPreliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). 3.1 Da competência legislativa e da iniciativa do processo legislativo Quanto à competência legislativa, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o art. 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o art. 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”. A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe gerar autorização legislativa para a permuta de bens imóveis, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 59 da Constituição Estadual:
Na Lei Orgânica Municipal, constam regras sobre a competência privativa do Prefeito para administrar bens municipais e sobre a exigência específica de autorização legislativa para a aquisição de bens imóveis por permuta, do que se conclui que, além do necessário processo legislativo, há reserva de iniciativa ao Chefe do Executivo:
3.2 Dos requisitos para a permuta de imóveis da Administração Pública Como justificativa para a permuta, o Poder Executivo alega, na exposição de motivos, que a permuta viabilizará a implementação de projeto de revitalização da orla do Guaíba pela empresa CMPC Celulose Riograndense S.A., com a remoção de cerca de 31 famílias que habitam a propriedade para um local adequado, entrega da área ao Município de Guaíba e valorização do espaço de elevado potencial turístico e paisagístico e de grande importância histórica para o Estado do Rio Grande do Sul. O art. 17 da Lei Federal nº 8.666/93 (Lei de Licitações) estabelece a possibilidade de que os bens da Administração Pública sejam alienados, trazendo requisitos para tanto: 1) existência de interesse público devidamente justificado; 2) avaliação prévia; 3) quando imóveis, a prévia autorização legislativa; 4) em regra, licitação na modalidade concorrência, estando esta dispensada, entre outras causas, na permuta por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei (art. 17, I, “c”). No que tange, especificamente, à hipótese de licitação dispensada pela permuta por outro imóvel que atenda aos requisitos do art. 24, X, da Lei Federal nº 8.666/93, o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 927-3, concedeu medida cautelar para suspender parcialmente, quanto aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, os efeitos do art. 17, I, “c”, porque a competência legislativa da União se limita a estabelecer normas gerais, razão pela qual a restrição “por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei” teria extrapolado os limites de competência legislativa federal. Assim, por decisão do STF, ficou suspenso o trecho que restringe permutas por parte de Estados, DF e Municípios a imóveis que se enquadrem no art. 24, X, da Lei Federal nº 8.666/93, tornando-se possível, portanto, como regra, quaisquer permutas, desde que atendidos os demais requisitos do art. 17. Para tornar mais clara e fundamentada a argumentação, veja-se parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (MPTC/6457/2009), referente à matéria[1]:
Do mesmo modo, cabe trazer, ainda, a lição doutrinária de Marçal Justen Filho, na obra “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, 16. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 330-331:
Suspensa, então, a aplicabilidade da restrição prevista na alínea “c” do inciso I do art. 17 da Lei Federal nº 8.666/93 quanto aos Estados, Distrito Federal e Municípios, os requisitos básicos para toda e qualquer permuta de imóveis da Administração Pública são: (i) interesse público devidamente justificado; (ii) autorização legislativa prévia; (iii) avaliação dos bens a serem permutados. Soma-se a esses requisitos o que consta no art. 101 do Código Civil: “Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.” Só estão sujeitos à alienação, assim, os bens de natureza dominical, isto é, aqueles bens que apenas compõem o patrimônio da Administração Pública, mas que não estão destinados a uma finalidade pública específica. Para a retirada da finalidade pública de um bem, a desafetação é o meio próprio, já que o subtrai da qualidade de bem de uso comum do povo ou de uso especial e o coloca sob o regime dos bens dominicais, viabilizando-se a alienação. Nesses termos, mencionam os autores Ricardo Alexandre e João de Deus na obra “Direito Administrativo”, 3. ed., São Paulo: Método, 2017, p. 830,
E, em relação a esse ponto, o Executivo Municipal bem atendeu ao que estabelece a legislação porque o art. 1º Projeto de Lei nº 032/2020 concretiza a desafetação do bem público para a categoria de bem dominical. Quanto aos demais requisitos, percebe-se que o Projeto de Lei nº 032/2020 conta com minuta do termo de permuta (fls. 07-09), certidões de matrícula dos imóveis (fls. 10-10v.; 12-13), planta de situação da área privada (fl. 11) e laudos de avaliação dos bens com a ART do responsável (fls. 14-61). Inclusive, os documentos apontam que o bem a ser incorporado ao patrimônio público é R$ 211.030,00 mais valioso do que o outro, situação conhecida e anuída pelo “Permutante A” (particulares). Quanto à existência de interesse público devidamente justificado, nota-se que a exposição de motivos apresenta uma justificativa para a medida pleiteada, corroborada documentalmente, cabendo aos vereadores julgar se, de acordo com os elementos apresentados, há ou não interesse público na pretensa permuta. Por tratar-se, evidentemente, de matéria de mérito, compete às comissões permanentes da Câmara Municipal, se julgarem necessário, solicitar complementação de informações e documentos ao Executivo Municipal, a fim de subsidiar o juízo sobre a existência de interesse público na operação. 3.3 Da não incidência da conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997 De início, é importante destacar as características básicas do contrato de permuta, desenvolvidas na doutrina por Carlos Roberto Gonçalves (Direito Civil Brasileiro, v. 3, 14. ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 345):
Como se percebe, o contrato de permuta é oneroso, por consistir em um pacto no qual ambas as partes recebem uma vantagem e suportam um ônus. No caso, trata-se de uma troca onerosa de bens imóveis entre a Administração Pública e particulares, avaliados em R$ 370.670,00 (fl. 27) e em R$ 581.700,00 (fl. 51), este último a ser incorporado ao patrimônio do Município de Guaíba. Diante da natureza essencialmente onerosa do contrato de permuta, entende-se não incidir a vedação do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, a proibir somente a distribuição gratuita de bens pela Administração Pública no ano eleitoral:
Esse entendimento é baseado em doutrina, jurisprudência e em pareceres jurídicos que apontam para a limitação da conduta vedada aos atos de distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, envolvendo, por exemplo, doações, subvenções sociais, contribuições e cessões de uso de bens públicos, mas não a permuta. Leia-se a doutrina de João Gabriel Lemes Ferreira a respeito de doações (“A Nova Limitação aos Agentes Públicos em Ano Eleitoral: a Vedação à Distribuição Gratuita de Bens, Valores ou Benefícios (Art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97)”. Boletim de Direito Municipal, maio/2008, p. 352):
Registra-se, ainda, o conteúdo da Cartilha de Orientação aos Agentes Públicos Estaduais elaborada pela PGE/RS em relação às Eleições de 2018[2] (p. 60):
Outrossim, o resumo da mesma cartilha sobre permuta de imóveis entre órgãos públicos permite considerá-la possível em ano eleitoral, por não se enquadrar na vedação:
Por fim, veja-se a ementa do Parecer nº 17.254/2018, da PGE/RS, que também condiciona a incidência da vedação do § 10 do art. 73 à gratuidade da distribuição dos bens:
Portanto, considerando os argumentos expostos, entende-se não haver incidência da vedação do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997 ao presente caso, em razão da onerosidade do contrato de permuta e da limitação da conduta vedada à distribuição gratuita de bens. [1] https://consulta.tce.sc.gov.br/RelatoriosDecisao/Pareceres/3265316.HTM [2] https://www.centraldocidadao.rs.gov.br/upload/arquivos/201807/11162144-cartilha-pge.pdf 4. ConclusãoDiante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria Jurídica, em conclusão, opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 032/2020, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 21 de julho de 2020. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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