Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 032/2020
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 115/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Município de Guaíba a proceder a Desafetação de Área Pública e a Permutá-la com Marco Aurelio Silva Qualisoni e Magda Duarte Qualisoni, Roma Maria Qualisoni Bardini e Marino Bardini, Italo Eleonardo Silva Qualisoni e Gloria Maria Lobato Qualisoni"

1. Relatório

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 032/2020 à Câmara Municipal, que autoriza o Município de Guaíba a proceder à desafetação de área pública e permutá-la com Marco Aurelio Silva Qualisoni e Magda Duarte Qualisoni, Roma Maria Qualisoni Bardini e Marino Bardini, Italo Eleonardo Silva Qualisoni e Gloria Maria Lobato Qualisoni. A proposição veio acompanhada de exposição de motivos (fls. 02-03), minuta do termo de permuta (fls. 07-09), certidões de matrícula dos imóveis (fls. 10-10v.; 12-13), planta de situação da área privada (fl. 11) e laudos de avaliação dos bens com a ART do responsável (fls. 14-61). A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

3.1 Da competência legislativa e da iniciativa do processo legislativo

Quanto à competência legislativa, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o art. 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o art. 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe gerar autorização legislativa para a permuta de bens imóveis, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 59 da Constituição Estadual:

Art. 59. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão técnica da Assembléia Legislativa, à Mesa, ao Governador, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça, às Câmaras Municipais e aos cidadãos, nos casos e na forma previstos nesta Constituição.

Parágrafo único. As leis complementares serão aprovadas pela maioria absoluta dos Deputados.

Na Lei Orgânica Municipal, constam regras sobre a competência privativa do Prefeito para administrar bens municipais e sobre a exigência específica de autorização legislativa para a aquisição de bens imóveis por permuta, do que se conclui que, além do necessário processo legislativo, há reserva de iniciativa ao Chefe do Executivo:

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos;

Art. 92 Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços.

Art. 97 A aquisição de bens imóveis, por permuta, dependerá de prévia avaliação e autorização legislativa.

3.2 Dos requisitos para a permuta de imóveis da Administração Pública

Como justificativa para a permuta, o Poder Executivo alega, na exposição de motivos, que a permuta viabilizará a implementação de projeto de revitalização da orla do Guaíba pela empresa CMPC Celulose Riograndense S.A., com a remoção de cerca de 31 famílias que habitam a propriedade para um local adequado, entrega da área ao Município de Guaíba e valorização do espaço de elevado potencial turístico e paisagístico e de grande importância histórica para o Estado do Rio Grande do Sul.

O art. 17 da Lei Federal nº 8.666/93 (Lei de Licitações) estabelece a possibilidade de que os bens da Administração Pública sejam alienados, trazendo requisitos para tanto: 1) existência de interesse público devidamente justificado; 2) avaliação prévia; 3) quando imóveis, a prévia autorização legislativa; 4) em regra, licitação na modalidade concorrência, estando esta dispensada, entre outras causas, na permuta por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei (art. 17, I, “c”).

No que tange, especificamente, à hipótese de licitação dispensada pela permuta por outro imóvel que atenda aos requisitos do art. 24, X, da Lei Federal nº 8.666/93, o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 927-3, concedeu medida cautelar para suspender parcialmente, quanto aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, os efeitos do art. 17, I, “c”, porque a competência legislativa da União se limita a estabelecer normas gerais, razão pela qual a restrição “por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei” teria extrapolado os limites de competência legislativa federal. Assim, por decisão do STF, ficou suspenso o trecho que restringe permutas por parte de Estados, DF e Municípios a imóveis que se enquadrem no art. 24, X, da Lei Federal nº 8.666/93, tornando-se possível, portanto, como regra, quaisquer permutas, desde que atendidos os demais requisitos do art. 17.

Para tornar mais clara e fundamentada a argumentação, veja-se parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (MPTC/6457/2009), referente à matéria[1]:

A Lei nº 8.666/93 assim dispõe sobre a matéria:

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

(...)

c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei;

(...)

Art. 24. É dispensável a licitação:

(...)

X - para a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da administração, cujas necessidades de instalação e localização condicionem a sua escolha, desde que o preço seja compatível com o valor de mercado, segundo avaliação prévia;

Como visto somente se admite a alienação de bens imóveis da Administração se forem atendidos os seguintes requisitos:

- interesse público devidamente justificado;

- autorização legislativa prévia;

- avaliação prévia do bem a ser permutado;

- licitação na modalidade concorrência.

A exigência de licitação é dispensada nos casos de permuta, pela própria especificidade dos bens a serem permutados.

De outro lado, de acordo com a lei de licitações, a permuta depende ainda do seguinte requisito:

- destinação ao atendimento de atividades precípuas da Administração e cujas necessidades de instalação e localização condicionem a escolha (inciso X do art. 24 da Lei nº 8.666/93).

Contudo, de se notar que, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 927-3, o Supremo Tribunal Federal suspendeu liminarmente os efeitos do art. 17, I, c, antes transcrito, ficando autorizada a permuta de bem imóvel público sem o cumprimento da exigência disposta no final da alínea c, que prevê o cumprimento dos requisitos constantes do inciso X do art. 24 da lei 8.666/93, quais sejam: destinação ao atendimento de atividades precípuas da Administração e cujas necessidades de instalação e localização condicionem a escolha.

Dessa forma, os seguintes são os requisitos da permuta entre bens imóveis:

- interesse público devidamente justificado;

- autorização legislativa prévia;

- avaliação prévia do bem a ser permutado.

[...]

Do mesmo modo, cabe trazer, ainda, a lição doutrinária de Marçal Justen Filho, na obra “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, 16. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 330-331:

O STF, em decisão cautelar na ADI 927/RS, apreciou questionamento sobre a validade e extensão de inúmeros dispositivos da Lei 8.666/1993. De modo geral, todas as impugnações foram rejeitadas, com ressalva de algumas atinentes a dispositivos do art. 17. A questão acabou despertando inúmeras dúvidas, inclusive derivadas de alguma complexidade na redação do acórdão e dos diversos votos emitidos.

[...]

É bem verdade que a leitura dos votos produz algumas dúvidas, tal como adiante referido. Conforme exposto no relatório do ilustre Ministro Carlos Velloso, a inicial pleiteava o reconhecimento da inconstitucionalidade da interpretação que “dá por extensivas aos Estados e Municípios as regras do art. 17, I, b e c, II, a, b e § 1º, da mesma Lei 8.666/1993.” Quanto a isso, pleiteou-se na inicial a adoção de interpretação conforme a Constituição. Portanto, em momento algum se deduziu pleito de declaração de inconstitucionalidade dos referidos dispositivos. Dito de outro modo, não se controvertia sobre sua validade em face da própria União. Essa ressalva é de grande relevância porque a redação do acórdão, ao sumariar o resultado, pode induzir à conclusão de que alguns dos dispositivos teriam tido sua aplicação suspensa de modo absoluto. Resultado dessa ordem não pode ser admitido, eis que configuraria julgamento extra petita. Mais ainda, o teor dos diversos votos induz claramente a conclusão diversa.

[...]

No tocante à alínea c do mesmo inc. I, verifica-se a maior dúvida. É que o único voto que explicitamente referiu-se à questão foi o do Relator, que rejeitava o pleito, mas adotando interpretação conforme perfeitamente razoável. No referido voto, afirmou-se que “ali está disposto, ao que penso, é que será dispensada a licitação, tratando-se de permuta de imóvel que atenda aos requisitos do inc. X do art. 24 (...).” Ou seja, o Relator reputou que o dispositivo não restringia as hipóteses de permuta, mas disciplinava os casos em que tal se processaria sem necessidade de licitação. Rigorosamente, somente o Ministro Marco Aurélio se referiu ao dispositivo, mas em termos gerais, admitindo o deferimento da “liminar, com a limitação, no tocante aos Estados, Municípios e Distrito Federal.” A proclamação do julgamento refere-se a decisão por maioria, indicando que teriam ficado vencidos, além do Relator, também os Ministros Ilmar Galvão, Sepúlveda Pertence e Néri da Silveira. Mas o exame dos votos respectivos não permite localizar qualquer referência aos dispositivos. De todo o modo, tem de admitir-se que o entendimento que prevaleceu foi o da não aplicabilidade do dispositivo fora da órbita da União. Essa advertência é essencial porque não constou do acórdão, que se restringiu a indicar o deferimento da medida para “suspender” sua aplicabilidade.

Suspensa, então, a aplicabilidade da restrição prevista na alínea “c” do inciso I do art. 17 da Lei Federal nº 8.666/93 quanto aos Estados, Distrito Federal e Municípios, os requisitos básicos para toda e qualquer permuta de imóveis da Administração Pública são: (i) interesse público devidamente justificado; (ii) autorização legislativa prévia; (iii) avaliação dos bens a serem permutados.

Soma-se a esses requisitos o que consta no art. 101 do Código Civil: “Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.” Só estão sujeitos à alienação, assim, os bens de natureza dominical, isto é, aqueles bens que apenas compõem o patrimônio da Administração Pública, mas que não estão destinados a uma finalidade pública específica. Para a retirada da finalidade pública de um bem, a desafetação é o meio próprio, já que o subtrai da qualidade de bem de uso comum do povo ou de uso especial e o coloca sob o regime dos bens dominicais, viabilizando-se a alienação. Nesses termos, mencionam os autores Ricardo Alexandre e João de Deus na obra “Direito Administrativo”, 3. ed., São Paulo: Método, 2017, p. 830,

A afetação e a desafetação são importantes em relação à possibilidade de alienação de um bem público, uma vez que os bens afetados são inalienáveis enquanto conservarem a destinação pública. Caso a Administração pretenda se desfazer de bens de uso comum do povo ou de bens de uso especial, deverá antes desafetá-los. Com a desafetação, esses bens serão considerados bens dominicais, passando a ser possível a sua alienação.

E, em relação a esse ponto, o Executivo Municipal bem atendeu ao que estabelece a legislação porque o art. 1º Projeto de Lei nº 032/2020 concretiza a desafetação do bem público para a categoria de bem dominical.

Quanto aos demais requisitos, percebe-se que o Projeto de Lei nº 032/2020 conta com minuta do termo de permuta (fls. 07-09), certidões de matrícula dos imóveis (fls. 10-10v.; 12-13), planta de situação da área privada (fl. 11) e laudos de avaliação dos bens com a ART do responsável (fls. 14-61). Inclusive, os documentos apontam que o bem a ser incorporado ao patrimônio público é R$ 211.030,00 mais valioso do que o outro, situação conhecida e anuída pelo “Permutante A” (particulares).

Quanto à existência de interesse público devidamente justificado, nota-se que a exposição de motivos apresenta uma justificativa para a medida pleiteada, corroborada documentalmente, cabendo aos vereadores julgar se, de acordo com os elementos apresentados, há ou não interesse público na pretensa permuta. Por tratar-se, evidentemente, de matéria de mérito, compete às comissões permanentes da Câmara Municipal, se julgarem necessário, solicitar complementação de informações e documentos ao Executivo Municipal, a fim de subsidiar o juízo sobre a existência de interesse público na operação.

3.3 Da não incidência da conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997

De início, é importante destacar as características básicas do contrato de permuta, desenvolvidas na doutrina por Carlos Roberto Gonçalves (Direito Civil Brasileiro, v. 3, 14. ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 345):

Como ocorre com a compra e venda, a troca é negócio jurídico bilateral e oneroso, tendo caráter apenas obrigacional: gera para os permutantes a obrigação de transferir, um para o outro, a propriedade de determinada coisa. É também consensual, e não real, porque se aperfeiçoa com o acordo de vontades, independente da tradição. É solene só por exceção, quando tem por objeto bens imóveis (CC, art. 108). Como as prestações são certas e permitem às partes antever as vantagens e desvantagens que dele podem advir, é também contrato comutativo.

Como se percebe, o contrato de permuta é oneroso, por consistir em um pacto no qual ambas as partes recebem uma vantagem e suportam um ônus. No caso, trata-se de uma troca onerosa de bens imóveis entre a Administração Pública e particulares, avaliados em R$ 370.670,00 (fl. 27) e em R$ 581.700,00 (fl. 51), este último a ser incorporado ao patrimônio do Município de Guaíba. Diante da natureza essencialmente onerosa do contrato de permuta, entende-se não incidir a vedação do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997, a proibir somente a distribuição gratuita de bens pela Administração Pública no ano eleitoral:

Art. 73 (...)

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

Esse entendimento é baseado em doutrina, jurisprudência e em pareceres jurídicos que apontam para a limitação da conduta vedada aos atos de distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, envolvendo, por exemplo, doações, subvenções sociais, contribuições e cessões de uso de bens públicos, mas não a permuta. Leia-se a doutrina de João Gabriel Lemes Ferreira a respeito de doações (“A Nova Limitação aos Agentes Públicos em Ano Eleitoral: a Vedação à Distribuição Gratuita de Bens, Valores ou Benefícios (Art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97)”. Boletim de Direito Municipal, maio/2008, p. 352):

Nesse exemplo, a liberalidade que se pretende será feita de forma gratuita. O sentido contrário daquilo que é gratuito significa o que é pago. A mera imposição de encargo imposta ao donatário não parece suficiente para afastar o caráter de gratuidade da medida pretendida. Não há retribuição ou paga pela doação. Se houvesse estaria afastado o caráter de liberalidade.

Registra-se, ainda, o conteúdo da Cartilha de Orientação aos Agentes Públicos Estaduais elaborada pela PGE/RS em relação às Eleições de 2018[2] (p. 60):

15. Cessão de uso de imóvel de propriedade do Estado do Rio Grande do Sul, contíguo à área afetada à Secretaria da Educação (onde será construída futura CRE), em Município localizado na região noroeste do Estado. Destinação: revitalização do espaço, realização de Feira Municipal de Produtores voltados à agricultura familiar, horta comunitária, criação de centro/polo de formação, desenvolvimento da agroindústria. Isenção de dívida do Estado para com o Município. Obrigação do cessionário de manter e conservar a área contígua àquela cedida, enquanto não for edificada pelo Estado. A “distribuição gratuita de bens” referida no artigo 73, parágrafo 10, da Lei Eleitoral compreende toda e qualquer forma desonerada de benefícios a terceiros, tal como ocorre com as doações sem encargo, subvenções sociais, contribuições, entre outras. Ou seja, a “distribuição gratuita de bens”, valores ou benefícios pressupõe benevolência por parte da Administração Pública.

Outrossim, o resumo da mesma cartilha sobre permuta de imóveis entre órgãos públicos permite considerá-la possível em ano eleitoral, por não se enquadrar na vedação:

16. Permuta entre órgãos públicos – O TRE-PB foi instado a julgar caso em que houve a transferência da delegacia de polícia militar para o local onde funcionava um centro de artes. O Tribunal Regional entendeu não configurada a conduta vedada, sendo viável a permuta entre órgãos públicos municipais, mormente por conta da falta de potencialidade lesiva (TRE-PB, acórdão nº 128/2010, Rel. Newton Nobel Sobreira Vita, j.07/06/2010).

Por fim, veja-se a ementa do Parecer nº 17.254/2018, da PGE/RS, que também condiciona a incidência da vedação do § 10 do art. 73 à gratuidade da distribuição dos bens:

PARECER PGE/RS Nº 17.254/18 - SECRETARIA DA MODERNIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E DOS RECURSOS HUMANOS. COMPANHIA RIO-GRANDENSE DE ARTES GRÁFICAS (CORAG). EXTINÇÃO DA CORAG. TRANSFERÊNCIA DOS BENS DA COMPANHIA EM LIQUIDAÇÃO PARA O ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.VEDAÇÃO DA LEI ELEITORAL NÃO CARACTERIZADA (ART. 73, § 10, DA LEI FEDERAL Nº 9.504/97).

1. A CORAG é uma sociedade de economia mista, constituída sob a forma de sociedade anônima, submetida ao regime previsto na Lei Federal nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), inclusive no que se refere ao processo de liquidação;

2. A transferência de bens da CORAG para o Estado do Rio Grande do Sul decorre de direito de crédito deste, na qualidade de acionista majoritário da companhia em liquidação;

3. Tal transferência não se trata de doação, não se caracteriza como ”distribuição gratuita de bens”; logo, não incide, no caso, a vedação prevista no art.73, § 10, da Lei Eleitoral.

Portanto, considerando os argumentos expostos, entende-se não haver incidência da vedação do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997 ao presente caso, em razão da onerosidade do contrato de permuta e da limitação da conduta vedada à distribuição gratuita de bens.

[1] https://consulta.tce.sc.gov.br/RelatoriosDecisao/Pareceres/3265316.HTM

[2] https://www.centraldocidadao.rs.gov.br/upload/arquivos/201807/11162144-cartilha-pge.pdf

4. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria Jurídica, em conclusão, opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 032/2020, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 21 de julho de 2020.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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