Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 037/2020
PROPONENTE : Ver. Juliano Ferreira
     
PARECER : Nº 107/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a Instituição de patrocínio nos uniformes escolares de Rede Municipal de Ensino e dá outras providências"

1. Relatório:

Veio ao exame desta Procuradoria o Projeto de Lei nº 037/2020, apresentado pelo Vereador Juliano Ferreira (PTB), o qual “Dispõe sobre a Instituição de patrocínio nos uniformes escolares de Rede Municipal de Ensino e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. MÉRITO:

Preliminarmente, constata-se que a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativo do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente, e no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

 IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

O E. Supremo Tribunal Federal precisou que as competências legislativas do município caracterizam-se pelo princípio da predominância do interesse local e ressaltou ser salutar que a interpretação constitucional de normas dessa natureza seja mais favorável à autonomia legislativa dos Municípios, haja vista ter sido essa a intenção do constituinte ao elevar os Municípios ao status de ente federativo na Constituição Cidadã de 1988.[1] Nessa perspectiva, a doutrina de Alexandre de Moraes leciona que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)". (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740).

Para o STF, essa autonomia revela-se fundamentalmente quando o Município exerce, de forma plena, sua competência legislativa em matéria de interesse da municipalidade, como previsto no art. 30, I, da CF.[2] Por esse ângulo, a matéria normativa constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 037/2020, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), visa regular matéria relativa à promoção do direito à educação em âmbito local, especificamente com a previsão de instituição de patrocínio nos uniformes escolares de Rede Municipal de Ensino de Guaíba.

A própria Constituição Federal garante tal prerrogativa aos entes municipais, tratando a educação, conforme estabelece seu art. 205, como direito de todos e dever do Estado e da família e será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Nesse sentido o E. STF definiu em sede de controle concentrado de constitucionalidade que “É legítima e adequada a atuação do Estado sobre o domínio econômico que visa garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto, nos termos da Constituição Federal. [ADI 2.163, rel. p/ o ac. min. Ricardo Lewandowski, j. 12-4-2018, P, DJE de 1º-8-2019.]”

A educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos, sendo dever constitucional do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício, dever imposto a todos os entes federados pelo preceito veiculado pelo art. 205 da Constituição do Brasil, com a promoção da sociedade.

No presente caso, a medida não configura invasão de competência privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, estabelecida no art. 60 da CERS, já que não trata de criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado. A Lei Orgânica Municipal também prevê a competência para tanto.

Nesse sentido o assentado pelo E. TJRS quanto à constitucionalidade da lei municipal de iniciativa parlamentar nº 3.506/2005, do Município de São Borja, a qual possui o mesmo teor da proposição em análise:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 70076014240. LEI MUNICIPAL de Iniciativa Parlamentar QUE DISPÕE SOBRE A INSTITUIÇÃO DE PATROCÍNIO NOS UNIFORMES ESCOLARES DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE ENSINO. MATÉRIA REGULAMENTADA PELO PODER EXECUTIVO. INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. A Lei Municipal n. 3.506/2005 que dispõe sobre a instituição de patrocínio nos uniformes escolares da rede pública municipal de ensino de São Borja não padece de inconstitucionalidade formal e material, pois não houve usurpação de competência do Chefe do Poder Executivo Municipal, tanto é assim que, ao fim e ao cabo, é a própria regulamentação da matéria procedida pelo Decreto baixado pelo Prefeito Municipal que regulamentará e disciplinará a utilização e uniformização do vestuário dos alunos. Nº 70076014240. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. Unânime. 07 de maio de 2018. DES. RICARDO TORRES HERMANN, Relator.

A jurisprudência colacionada ampara a constitucionalidade da proposição em análise, valendo a pena trazer à tona trechos do acórdão referido do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul na ADI nº 70076014240, os quais ressaltam a inexistência de violação à separação entre os poderes, já que não importa em alteração da organização das escolas municipais:

Com bem ressaltado na defesa apresentada pela Procuradoria do Município: “Excelência, inexorável ressaltar que o diploma legal atacado não representou qualquer prejuízo a este Município. Além disso, ela [a Lei questionada] não [gera ] despesas, não trata especificamente da estrutura organizacional ou do próprio funcionamento do aparato administrativo da educação pública, mas tão somente de autorização concedida ao poder executivo para buscar recursos outros para auxiliar na confecção dos uniformes escolares.”

Com efeito, na espécie, impossível identificar violação ao princípio da separação de poderes, previsto no art. 10 da Constituição do Estado, mormente não se perdendo de vista que o singelo projeto de patrocínio dos uniformes escolares não importa em alteração da organização das escolas municipais, esta sim incumbência reservada à atividade administrativa do Chefe do Poder Executivo Municipal. Tampouco se pode olvidar que a educação, nos exatos termos do que estabelece o art. 205, do Constituição Federal, constitui-se em direito de todos e dever do Estado e da família e será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Ora, sendo um dever de todos, nada mais razoável que a proposta de auxílio à administração pudesse partir de vereadores, por via da captação dos recursos necessários à confecção dos uniformes. E nem se diga que a pequena publicidade poderia gerar qualquer constrangimento ou embaraço, na medida em que, na própria regulamentação procedida pelo atual Prefeito, que encampou a ideia e editou norma regulamentadora, o nome da empresa patrocinadora não poderá ser maior que o brasão do Município de São Borja e o dizer Secretaria Municipal de Educação (art. 7º, § único, do Decreto 17.267, de 11 de julho de 2017, fls. 68/69).

Afora isso, é manifesta a vantagem produzida pela padronização das vestimentas escolares, na medida em que se trata de uma importante ferramenta de identificação e, consequentemente, de segurança para alunos, pais e professores, e é defendida por especialistas em educação, como também bem defendido pelo Procurador do Município. Em tal contexto, não se afigura inconstitucional, do ponto de vista formal, pois não houve usurpação de competência do Chefe do Poder Executivo Municipal, tanto é assim que, ao fim e ao cabo, é a própria regulamentação da matéria procedida pelo Decreto baixado pelo Prefeito Municipal que regulamentará e disciplinará a utilização e uniformização do vestuário dos alunos da rede pública municipal de ensino de São Borja.

Tampouco, do ponto de vista material se verifica o vício de inconstitucionalidade questionado. Tal se dá, pois não houve a criação de qualquer despesa pública, tampouco interferência na organização do funcionamento das escolas pertencentes à rede municipal de educação, de forma que a norma legal sobrevive inclusive ao crivo da análise da constitucionalidade sob o ponto de vista material.

Ademais, a proposta vai no sentido da norma insculpida no art. 208, VII, da Carta Magna, que busca atender os educandos sob diversos aspectos positivos:

                Art. 208. (...)

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

Em voto-vista na ADI 2163/RJ, o Min. Gilmar Mendes asseverou, reforçando a interpretação de que a educação seja promovida e incentivada pelo Estado com o apoio da sociedade, que “Não há dúvida, por outro lado, de que o Estado poderá atuar nesse âmbito por meio de incentivos à iniciativa privada”.

[1] RE 1.151.237; RE 1.052.719.

[2] RE 610.221 RG

3. Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos e consoante a jurisprudência do TJRS quanto à matéria, a Procuradoria opina pela constitucionalidade, legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei nº 037/2020, de autoria do Vereador Juliano Ferreira (PTB), por inexistirem óbices de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 16 de junho de 2020.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136



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