PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre o desembarque de mulheres, pessoas com deficiência e idosos usuários do transporte coletivo urbano municipal de passageiros, e dá outras providências" 1. RelatórioA Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 033/2020 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre o desembarque de mulheres, pessoas com deficiência e idosos usuários do transporte coletivo urbano municipal de passageiros. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara. 2. MÉRITODe fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A norma que se pretende editar no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local, visto que o Projeto de Lei nº 033/2020 busca estabelecer, em benefício de mulheres, pessoas com deficiência e idosos, o direito de requerer o desembarque em lugar dentro da rota pré-estabelecida que lhe seja mais seguro no horário compreendido entre as 22h00min e as 6h00min. Tal medida se insere na competência municipal e está alinhada aos objetivos de proteção previstos na Constituição Federal. Quanto à matéria de fundo, também não há óbices. Isso porque o texto constitucional e as convenções internacionais de direitos humanos determinam a obrigação do Estado, em sentido amplo, de oferecer condições de segurança, conforto, bem-estar e proteção às pessoas com deficiência, às mulheres e aos idosos, sendo esse o objetivo da norma que se pretende instituir. Nesse sentido, disciplinam os arts. 23, II, e 230 da CF/88:
Além disso, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (incorporada à ordem interna pelo Decreto nº 6.949, de 25/8/2009) – norma que, aliás, é equivalente às emendas constitucionais –, prevê, no artigo 4º, § 1º, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção”. A mesma convenção internacional, que integra o texto constitucional por ter sido aprovada na forma do art. 5º, § 3º, da CF/88, define pessoas com deficiência como “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” (artigo 1º). Da mesma forma, no âmbito infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, estabelece, no artigo 2º: “Considera-se pessoa com deficiência aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” Prevê, ainda, o art. 8º do Estatuto, a respeito do direito à acessibilidade:
Não havendo possibilidade de garantir acessibilidade às pessoas com deficiência, define a Lei Federal nº 13.146/2015 que devem ser implementadas adaptações razoáveis às situações de necessidade, consistindo em “adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais.” (art. 3º, inciso VI). Do contrário, conforme o texto legal, a recusa à oferta de adaptações razoáveis configura discriminação em razão da deficiência (art. 4º, § 1º). Desse modo, a partir da introdução, na Constituição Federal de 1988, de todas as normas previstas na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado, abrangendo não só as condições previstas no art. 5º do Decreto nº 5.296/04, como também todo impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que possa obstruir a participação da pessoa na sociedade em igualdade de condições com os demais, sendo dever do Estado promover todas as medidas possíveis para eliminar as barreiras que impedem a efetiva participação da pessoa com deficiência na sociedade. Em relação às mulheres, importa destacar, ainda, que a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (incorporada à ordem interna pelo Decreto nº 1.973, de 1.8.1996, com status de norma supralegal) estabelece regramento protetivo às mulheres contra qualquer espécie de violência, exercida tanto em âmbito público quanto privado, estando previstos ao longo de toda a convenção os inúmeros direitos de que são titulares as mulheres, podendo-se citar o rol do artigo 4º:
A política encontra apoio jurídico, ainda, na Lei Federal nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), a qual estabelece, no seu art. 2º, que “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.” O art. 3º do mesmo diploma dispõe, em linhas gerais, sobre os direitos garantidos às mulheres, prevendo a responsabilidade compartilhada entre a família, a sociedade e o Poder Público pela concretização dessas medidas:
Assim, não há dúvidas de que a proposição é compatível em termos de matéria com as normas constitucionais, supralegais e legais de proteção ao idoso, à pessoa com deficiência e à mulher. Quanto à iniciativa, há alguns precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e um precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhecem a constitucionalidade de leis municipais com o mesmo propósito. Leiam-se alguns fundamentos da decisão do STF (RE nº 573.040/SP):
No mesmo sentido, veja-se parte da fundamentação jurídica nas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) nº 2015501-04.2016.8.26.0000 e 2030709-28.2016.8.26.0000, ambas do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Não foram encontrados precedentes no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) sobre a matéria em estudo. No entanto, considerando a existência de um precedente do Supremo Tribunal Federal e dois do Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido da constitucionalidade de leis municipais que veiculem tal direito, é possível sustentar, no caso, que não há vício de iniciativa, pelos fundamentos acima apresentados. 3. ConclusãoDiante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 033/2020, tendo em vista os três precedentes da jurisprudência apresentados. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 14 de maio de 2020. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS n.º 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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