Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 030/2020
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 085/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a instalação de lavatório para higienizar as mãos em bares, restaurantes e similares do Município de Guaíba, e dá outras providências"

1. Relatório

O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei nº 030/2020 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a instalação de lavatório para higienizar as mãos em bares, restaurantes e similares no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. MÉRITO

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A auto-organização dos Municípios está disciplinada, originariamente, no artigo 29, caput, da Constituição Federal, que prevê: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos”.

O autogoverno se expressa na existência de representantes próprios dos Poderes Executivo e Legislativo em âmbito municipal – Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores –, que são eleitos diretamente pelo povo. A autoadministração e a autolegislação contemplam o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal de 1988, especificamente no seu artigo 30:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A obrigação trazida na proposta se insere na definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 030/2020, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), estabelece, na legislação local, a obrigação de responsáveis por bares, restaurantes e similares com área superior a 40m² instalarem lavatório na entrada dos estabelecimentos, possibilitando que os consumidores possam higienizar as mãos, medida que se funda no poder de polícia administrativa, já que se trata de providência limitadora de interesses individuais em prol da coletividade, notadamente no aspecto da saúde e do bem-estar da população local.

Nessa linha, a Constituição Estadual, no art. 13, I, estabelece rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais”.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o art. 125, § 2º, da CF/88 e o art. 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, a Lei Orgânica estabelece as competências legislativas privativas do Prefeito no art. 119, nos seguintes termos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo do PL nº 030/2020 é instituir a obrigação de responsáveis por bares, restaurantes e similares com área superior a 40m² instalarem lavatório na entrada dos estabelecimentos, possibilitando que os consumidores possam higienizar as mãos, o que, como dito, envolve matéria de poder de polícia administrativa, de competência municipal.

A CF/88, no artigo 196, prevê: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Como se vê, o dispositivo é claro ao estabelecer que, entre as políticas sociais estatais relativas ao direito fundamental à saúde, encontra-se a criação de programas, projetos e obrigações que busquem diminuir o risco de proliferação de doenças e de outros agravos, diretriz que se compatibiliza com o fim da proposta em análise, que visa impor à iniciativa privada um dever no sentido da prevenção de doenças infecciosas.

Percebe-se, assim, que o Projeto de Lei nº 030/2020 está em consonância com o regramento constitucional a respeito do direito à saúde, especialmente consagrado no artigo 6º como direito fundamental e, como tal, possui aplicabilidade imediata, nos termos do § 1º do artigo 5º da CF/88.

3. CONCLUSÃO

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria Jurídica opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 030/2020, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário. Sugere-se, contudo, a apresentação de substitutivo para inclusão da obrigação no Código de Posturas, no capítulo referente às obrigações de estabelecimentos comerciais (Capítulo II do Título III), em razão da maior visibilidade da legislação codificada. É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 22 de abril de 2020.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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