Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 023/2020
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 080/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a redação § 1.º do artigo 1-A da Lei Municipal n.º 3.863/2020"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 023/2020 à Câmara Municipal, o qual “Altera a redação § 1.º do artigo 1-A da Lei Municipal n.º 3.863/2020”. O projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico, com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. mérito:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

(...)

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, uma vez que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, além de referir-se à competência constitucional de arrecadar os tributos que cabem ao referido ente federativo, entre os quais está o IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano, objeto do presente projeto de lei.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 023/2020 propõe a concessão de benefício àqueles empreendedores e autônomos que tiveram o funcionamento de suas atividades suspenso por Decreto Municipal que diga respeito às medidas de combate à pandemia do COVID-19 e acrescendo a necessidade de comprovação a diminuição da receita em comparação com os três meses imediatamente anteriores ao início da suspensão e adequando o dispositivo normativo à revogação do Decreto nº 037/2020, que fizerem o pagamento do IPTU em parcela única até as datas estabelecidas, matéria para a qual é reconhecida a iniciativa concorrente, nos termos do artigo 61 da CF/88, artigo 59 da CE/RS e artigo 38 da Lei Orgânica Municipal.

A respeito disso, cumpre salientar que, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, cabe ao Município a responsabilidade pela consecução de sua legislação tributária, pertencendo ao Executivo, ao Legislativo e, ainda, à população, através de iniciativa popular, a iniciativa dos referidos projetos de lei, por não haver qualquer restrição expressa à iniciativa para matéria tributária:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA PERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I. A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II. A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III. Agravo Regimental improvido. (STF - RE: 590697 MG, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-171 DIVULG 05-09-2011 PUBLIC 06-09-2011 EMENT VOL-02581-01 PP- 00169).

No caso, o projeto em questão partiu do próprio Poder Executivo, que procura, como de praxe, instituir o direito de o contribuinte obter desconto no pagamento do IPTU em cota única, acrescido o benefício em relação aos impactos causados em conseqüência da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), em decorrência da Infecção Humana pelo novo coronavírus (2019-nCoV), não havendo, pois, qualquer obstáculo constitucional à competência e à iniciativa exercidas na proposta.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o desconto pelo pagamento em cota única do IPTU e o desconto proporcional dos dias fechados caracterizam remissão parcial do crédito tributário, prevista no artigo 156, inc. IV, do Código Tributário Nacional, considerando que o desconto ocorre após o lançamento do crédito tributário. A isenção e a anistia, por sua vez, excluem o crédito tributário, sendo anteriores ao lançamento e impedindo que aquele se forme, com a diferença de que a isenção se refere ao tributo em espécie, enquanto a anistia se liga às penalidades pecuniárias (multas, juros de mora...). Tratando-se de remissão – já que, como visto, o desconto sobre o valor do IPTU ocorre após lançamento –, exige o artigo 150, § 6º, da CF/88 a edição de lei específica para a concessão do benefício, nos seguintes termos:

 § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.

O artigo 30 do Código Tributário Municipal, da mesma forma, estabelece a possibilidade de concessão de remissão parcial ao crédito tributário, mediante desconto no pagamento integral do IPTU em cota única, desde que haja regulamentação específica anualmente, como se vê:

Art. 30 Anualmente o Município disporá sobre o pagamento do IPTU, indicando a possibilidade de pagamento integral em cota única ou em parcelas, estipulando o número de parcelas e fixando datas dos vencimentos, vedado que ultrapassem o exercício financeiro.

Parágrafo Único. O Município poderá conceder desconto diferenciado pelo pagamento do IPTU, em cota única ou em prestações, entre 20% (vinte por cento) e 2% (dois por cento), na forma que a lei dispuser. (Redação dada pela Lei nº 3243/2015).

A remissão de créditos tributários, à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal, configura renúncia de receita, de acordo com o previsto no § 1º do artigo 14:

A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.”

No que diz respeito à necessidade de impacto orçamentário e financeiro, diante da decisão em sede de cautelar do E. Supremo Tribunal Federal na ADI nº 6.357, em se tratando de concessão de benefício fiscal (art. 14 da LRF) que for relacionado à pandemia do COVID-19, está afastada para todos os entes federativos que tenham decretado estado de calamidade pública decorrente da pandemia de COVID-19 a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias em relação à criação/expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento do contexto de calamidade gerado pela disseminação do novo Coronavírus e, portanto, a estimativa de impacto orçamentário e financeiro:

Diante do exposto, CONCEDO A MEDIDA CAUTELAR na presente ação direta de inconstitucionalidade, ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, com base no art. 21, V, do RISTF, para CONCEDER INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO FEDERAL, aos artigos 14, 16, 17 e 24 da Lei de Responsabilidade Fiscal e 114, caput, in fine e § 14, da Lei de Diretrizes Orçamentárias/2020, para, durante a emergência em Saúde Pública de importância nacional e o estado de calamidade pública decorrente de COVID-19, afastar a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias em relação à criação/expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento do contexto de calamidade gerado pela disseminação de COVID-19. Ressalto que, a presente MEDIDA CAUTELAR se aplica a todos os entes federativos que, nos termos constitucionais e legais, tenham decretado estado de calamidade pública decorrente da pandemia de COVID-19.

 

Quanto às condutas vedadas aos agentes públicos em período eleitoral estabelecidas pela Lei nº 9.504/1997 – Lei Eleitoral -, verifica-se que o benefício fiscal em tela não se trata de ato episódico da administração municipal, inserindo-se no contexto de planejamento governamental, fundado em estudos técnicos que evidenciam a viabilidade da concessão (RO nº. 733/GO e RCEd nº. 703/SC), tendo sido inclusive previstos na LDO 2020 e na LOA 2020 e a priori não podem ser caracterizados como objeto de uso promocional em favor de candidato, partido ou coligação.

Quanto ao desconto para pagamento do IPTU em ano eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral já assentou entendimento de que evidenciadas a identidade do meio normativo e períodos concedidos em outros exercícios financeiros, como também o mesmo índice, já previsto no Código Tributário Municipal, tratando-se, pois, de mera repetição mediante critérios objetivos não há que se falar em conduta vedada. É o que se extrai do recente Acórdão nº 27263, de 07/05/2019, do TSE no Recurso Eleitoral nº 16631:

ELEIÇÕES 2016. RECURSOS ELEITORAIS. REPRESENTAÇÃO. PREFEITO. VICE-PREFEITO. CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS. ART. 73, DA LEI 9.504/97. CONCESSÃO DE DESCONTO PARA PAGAMENTO DO IPTU (§10). NÃO-OCORRÊNCIA.  PRECEDENTE TSE. ANÁLISE FÁTICA. PRÁTICA REITERADA. PREVISÃO LEGAL DO ÍNDICE. CRITÉRIOS OBJETIVOS. VEICULAÇÃO DE PROPAGANDA INSTITUCIONAL VIA RESPECTIVO CARNÊ. INSUFICIÊNCIA.  CONTRATAÇÃO E DEMISSÃO DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS (INCISO V). EXCEPCIONALIDADE NÃO-COMPROVADA. ILÍCITO CONFIGURADO. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. MANUTENÇÃO DE PLACA DE OBRA PÚBLICA NO PERÍODO VEDADO (INCISO VI, "B"). AUSÊNCIA DE PROVA. GASTOS COM PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. NÃO-DEMONSTRAÇÃO. COMPROVAÇÃO E VALORES CORRESPONDENTES À MÉDIA. AFASTAMENTO. MANUTENÇÃO DA MULTA POR FUNDAMENTO DIVERSO. SOLIDARIEDADE RECONHECIDA. CASSAÇÃO DE DIPLOMAS INADEQUADA AO CASO. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. Ao teor da Cta 368-15/DF, do Tribunal Superior Eleitoral, a análise de implementação de medidas de natureza fiscal com escopo no § 10, do art. 73, da Lei 9.504/1997, deve ser feita com vistas ao quadro fático-jurídico extraído do caso concreto. 2. Na situação sub judice a controvérsia refere-se ao desconto concedido para o pagamento em cota única aos contribuintes do IPTU, contudo, restaram evidenciadas a identidade do meio normativo e períodos concedidos em outros exercícios financeiros, como também o mesmo índice, já previsto no Código Tributário Municipal, tratando-se, pois, de mera repetição mediante critérios objetivos. 3. As circunstâncias expostas em conjunto com o entendimento da Corte Superior Eleitoral desconstituem a teoria de que a conduta foi casuística pelo período eleitoral. 4. Os carnês de IPTU, isoladamente, são extremamente frágeis para uma eventual configuração de propaganda institucional, mesmo porque se trata de uma das principais receitas tributárias do município, e, ainda que seja impositivo, é comum que os entes trabalhem com regras de marketing para conscientizar a importância do pagamento. 5. A simples nomenclatura de cargos pela legislação para a contração temporária não é suficiente, devendo ser avaliado os requisitos constitucionais inerentes à espécie: necessidade temporária e excepcional interesse público. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 6. A par disso, as contratações em exame são, em sua maioria, atividades permanentes e não se interligam ao caráter de essencialidade diretamente à população, mas sim reflete a ausência de planejamento e/ou não atendimento da regra do concurso público. No âmbito eleitoral, ganha contornos ainda maiores, a fim de que a máquina pública não seja empregada como meio de favorecimento a determinado candidato, notadamente pelo equilíbrio do pleito. 7. Não estando os cargos contratados respaldados pela exceção contida na alínea d, do inciso V, do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, impõe-se o reconhecimento da prática vedada. 8. Ausente a data de identificação da publicidade supostamente mantida em período vedado não é autorizada a presunção pelo simples fato de constar a data do término da obra. 9. Não comprovada a alegação de que todos os gastos apresentados com publicidade ocorreram durante o período eleitoral, bem como sendo estes compatíveis com a média dos anos anteriores, deve ser mantida a decisão que afastou a prática. 10. Recurso parcialmente provido para alterar apenas o fundamento, ante o reconhecimento da prática vedada do art. 73, inciso V, alínea d, da Lei 9.504/1997, mantendo, porém, a condenação solidária aos candidatos ao pagamento de multa no quantum arbitrado em primeiro grau, eis que compatível com os fatos. 11. Única infringência. Não-adequação a penalidade de cassação dos diplomas, nos termos do §4º, do art. 73, da Lei 9.504/1997, sendo suficiente a aplicação de multa. (Recurso Eleitoral nº 16631, ACÓRDÃO nº 27263 de 07/05/2019, Relator(a) ANTÔNIO VELOSO PELEJA JÚNIOR, Publicação: DEJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 2925, Data 22/05/2019, Página 2-4)

Para além desses fundamentos, a Lei nº 9.504/1997 – Lei Eleitoral, em seu art. 73, § 10 admite exceção nos casos de calamidade pública ou de estado de emergência:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: [...]

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

Diante dessa perspectiva, a declaração da situação de calamidade pública em Decreto Municipal em face da pandemia causada pela COVID-19 faz com que a medida se insira nas hipóteses previstas no art. 73, § 10, da Lei Eleitoral.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 023/2020, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário e visto que dispensada a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias em relação à criação/expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento do contexto de calamidade gerado pela disseminação do novo Coronavírus (STF - ADI nº 6.357).

É o parecer.

Guaíba, 07 de abril de 2020.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136



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