Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 024/2020
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 079/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Município de Guaíba a receber doações com o objetivo de auxílio às medidas de combate a pandemia gerada pelo novo coronavírus (COVID-19) e dá outras providências."

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 024/2020 à Câmara Municipal, o qual Autoriza o Município de Guaíba a receber doações com o objetivo de auxílio às medidas de combate a pandemia gerada pelo novo coronavírus (COVID-19) e dá outras providências. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO:

A Administração Pública tem completa liberdade contratual para aceitar doações, particularmente as sem encargos (embora seja possível aceitar doações com encargo), tendo em vista sua capacidade de autoadministração ou autonomia administrativa.

O Supremo Tribunal Federal (STF) assim entendeu quando decidiu que o estado-membro tinha competência para incorporar imóvel doado por município à universidade estadual, negando que a prefeitura doadora participasse da manutenção da escola criada, uma vez que era garantida ao Estado a autonomia para tanto pela Constituição (Recurso Extraordinário – RE nº 99.063).

Neste caso, o Município de Guaíba não está dispondo dos bens; pelo contrário, com a aprovação da proposta, receberá em doação valores, alimentos, insumos, equipamento etc., medida que lhe é favorável, por ampliar o conjunto de bens que compõem o seu patrimônio e a fim de obter auxílio às medidas de combate à pandemia causada pelo novo Coronavírus – COVID-19.

Consoante a literalidade do Código Civil (art. 538), a doação é a transferência voluntária de bens ou o contrato em que uma pessoa física ou jurídica, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. É instituto típico do direito civil - tipicamente instituto de Direito Privado.

A natureza jurídica do instituto da doação é conceituada pela doutrina de Vitor Frederico Kümpel:

"Doação é o negócio jurídico bilateral em que uma pessoa (doador) se obriga a transferir bens corpóreos ou incorpóreos de seu patrimônio, por liberalidade, a outrem (donatário), que simplesmente aceita ou presta um encargo. Não obstante o art. 538 do CC discipline que na doação a pessoa transfere um bem de seu patrimônio, na realidade, é um contrato que só produz efeitos obrigacionais, não ocorrendo a transferência obrigatoriamente no momento da liberalidade. Isso significa que a tradição, para o bem móvel, ou o registro, para o imóvel, são os atos que transferem a propriedade e são sempre supervenientes ao momento da manifestação de vontade."[1]

É lapidar a lição da doutrina de Marçal Justen Filho quanto à possibilidade de doação de particulares à Administração, sem a necessidade de procedimento seletivo, quando não existente contrapartida por parte da Administração Pública:

"Quando alguém pretende doar algo em favor da Administração não existe, em princípio, possibilidade de competição. Como o doador é titular do poder de determinar as condições da doação, não haverá possibilidade de seleção de uma única proposta como a mais vantajosa. A doação em favor do Estado configura, em última análise, hipótese de inexigibilidade de licitação. Não há viabilidade de estabelecer parâmetros objetivos de competição. Cada particular, dispondo-se a doar bens, determina a extensão e as condições dos contratos. Ademais, nem há contrapartida por parte da Administração que pudesse ser eleita como critério para identificar a maior vantagem. Tem de reconhecer-se, portanto, ser pressuposto da licitação a existência de uma prestação a ser realizada pela Administração".

Hipótese diversa é a doação em favor da Administração com o estabelecimento de encargos para o Poder Público em favor do doador, em que não há como descaracterizar a viabilidade de competição e a necessidade de realizar prévio certame licitatório para selecionar a proposta mais vantajosa para o Município. Nesse sentido, já decidiu o Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso e identifica-se o art. 17, § 4º da Lei n.º 8.666/93:

"Receita. Arrecadação. Doação. Possibilidade de recebimento. Aplicação e prestação de contas observando-se as regras que regem a Administração Pública [...] 1. Não há impedimento legal para que a administração seja beneficiada com doações, desde que isso não acarrete ônus reais indesejados e insuportáveis para a Administração Pública. A aplicação e prestação de contas de recursos recebidos em doação serão feitas em conformidade com as regras que regem a Administração Pública". (TCE-MT. Acórdão nº. 685/2004. DO de 14/09/2004)

Lei nº 8.666/1993:

“Art. 17 [...] § 4º - A doação com encargo será licitada e de seu instrumento constarão, obrigatoriamente os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato, sendo dispensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado.”

Conseqüentemente, a doação sem qualquer tipo de encargo ao poder público é livre.  Destrate, quando não há qualquer tipo de contraprestação que se reverta em vantagem (sobretudo econômica) para o doador ou terceiro não há necessidade de qualquer tipo de procedimento seletivo em razão da inviabilidade de competição.

Assim, é possível perceber que o Município, de fato, está comprometido com a causa do combate à pandemia do COVID-19, valendo-se do projeto de lei de recebimento de doações para, sobretudo, dar início aos procedimentos necessários para o recebimento de doações de pessoas físicas e jurídicas de equipamentos e/ou insumos a serem alocados na rede municipal de saúde, desde que atendam as especificações técnicas adequadas. O recomendado é que haja pertinência temática entre o objeto da doação e a atuação ou finalidade do órgão e o objeto deve ser usado nas finalidades do órgão.

Eduardo Fortunato Bim leciona que “No caso de doação, sendo a Administração Pública donatária, e, ainda por cima, sem encargos, somente aceitando o bem se lhe for conveniente e oportuno, além de ajudar a perseguir sua missão institucional, não há que se falar em uma visão totalizadora do princípio da legalidade administrativa” e recomenda ainda:

“O ideal é que se faça listas com os bens, serviços e respectivas especificações técnicas mínimas que lhe interessam, e as disponibilizem para os eventuais interessados em doar a Estado. Essa prévia listagem atende a uniformidade e evita que qualquer doação tenha que ser aceita por autoridades de cúpula e que se aceite bens que não sejam do interesse da Administração Pública ou que, embora não sujeitos a encargo, tenham custo de manutenção inviáveis ou desaconselháveis para o Estado.”

O próprio Tribunal de Contas da União admitiu a doação à Administração Pública no Acórdão nº 32/1995-P e em recente Acórdão da 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União nº 7916/2018 entendeu que o art. 17, § 4º da Lei nº 8.666/1993 aplica-se tão somente na “situação em que a Administração figura como doadora”.

A validade de a Administração Pública poder ser donatária tão pacífica que, na esfera federal, o Decreto nº 3.125/99 delega ao Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) aceitar ou recusar doação, com encargo, de bens imóveis à União (art. 1º, II), competência essa que foi subdelegada ao Secretário do Patrimônio da União (Portaria nº MPOG 30/00, art. 1º, IV).

Como já foi dito, o regime jurídico administrativo exige, pelas sujeições decorrentes do princípio da indisponibilidade do interesse público, que a entrega de bens, seja pela alienação, seja pela doação, dependa de autorização legal. Entretanto, o caso em análise retrata o recebimento de bens pelo Município de Guaíba, o que se encontra dentro do poder de administração do patrimônio pelo Prefeito, não dependendo, à primeira vista, de criação de lei específica.

A propósito, esclarece a doutrina sobre esse assunto:

Para o recebimento de bens em doação, móveis ou imóveis, não é necessária prévia autorização legislativa. Exceção deve ser feita quando a doação é feita com alguma obrigação remanescente, seja financeira ou não, ou, então, haja previsão de autorização na lei orgânica do município. É necessária ampla análise quanto à doação e o seu interesse público, de forma motivada. A doação a uma finalidade específica de utilização de um imóvel, por exemplo, por si só, não caracteriza um encargo (FLORES, 2007).

Na Lei Orgânica Municipal, não há dispositivo obrigando a aprovação de projeto de lei específico para o recebimento de bens privados. O mais próximo que existe é a regra do artigo 97, que prevê: “A aquisição de bens imóveis, por permuta, dependerá de prévia avaliação e autorização legislativa.” Veja-se que o caso aqui analisado não se refere à permuta, e sim à doação, não se aplicando, portanto, a referida regra. Por outro lado, se a doação provém de algum órgão ou entidade estatal, devem-se seguir as regras de Direito Público incidentes sobre o doador.

A proposta apresentada é válida e reflete a importância da Câmara Municipal de Vereadores de Guaíba nas decisões políticas de governo e vem no sentido de edição de norma própria disciplinando o recebimento de bens e valores pelo Município de Guaíba. Assim, não há qualquer óbice à tramitação do Projeto de Lei nº 024/2020.

[1] Direito Civil 3 – Direito dos Contratos, São Paulo, Saraiva, 2005, pg. 151.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 024/2020, o qual permite a doação de bens particulares sem ônus ou encargo à administração pública, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 07 de abril de 2020.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136



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