Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 028/2020
PROPONENTE : Mesa Diretora
     
PARECER : Nº 076/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Revoga a Lei n.º 3877, de 19 de março de 2020, que "Dispõe sobre o índice de revisão geral dos subsídios dos agentes políticos do Poder Legislativo do Município de Guaíba""

1. Relatório:

A Mesa Diretora apresentou o Projeto de Lei nº 028/2020, o qual Revoga a Lei n.º 3.877, de 19 de março de 2020, que "Dispõe sobre o índice de revisão geral dos subsídios dos agentes políticos do Poder Legislativo do Município de Guaíba". A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência e do caráter pessoal da proposição.

2. Parecer:

O direito brasileiro é organizado em um sistema de escalonamento das normas jurídicas, sendo a Constituição Federal de 1988 o diploma paradigma para a elaboração de todas as demais espécies legislativas. Em função da hierarquia das normas, exsurge do ordenamento jurídico o princípio da continuidade das leis, segundo o qual, “Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue” (art. 2º, LINDB). Diante disso, uma determinada norma jurídica só pode ser alterada ou revogada por meio de outra norma da mesma hierarquia; do contrário, a nova espécie legislativa não terá a aptidão de atingir a norma primária.

No caso em análise, a Lei Municipal nº 3.877, de 19 de março de 2020, tem natureza jurídica de lei ordinária, podendo ser revogada por norma superveniente do mesmo status. O Projeto de Lei nº 028/2020, por sua vez, tem a pretensão de instituir lei ordinária, estando adequado e apto, portanto, para revogar a anterior, muito embora se trate de direito assegurado pela Constituição Federal por força do art. 37, X.

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o art. 30, I, da CF/88, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o art. 6º, I, da LOM refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

Também sob o ponto de vista da competência legislativa, cabe registrar que o artigo 28, inciso II, da Lei Orgânica Municipal estabelece ser privativa a competência da Câmara Municipal para propor normas que digam respeito a sua administração, o que se verifica cumprido na situação, considerando ter sido a proposta apresentada pelos membros da Mesa Diretora.

Acerca da iniciativa, estabelecem os arts. 21 e 28 do Regimento Interno que a proposta deve, obrigatoriamente, ser apresentada pela Mesa Diretora, já que é a Mesa o órgão diretivo dos trabalhos legislativos e administrativos da Câmara Municipal:

Art. 21. A Mesa é o órgão diretivo dos trabalhos legislativos e administrativos da Câmara Municipal, eleita em votação nominal, a cada ano.

Art. 28. Compete à Mesa Diretora, além de outras atribuições estabelecidas na Lei Orgânica, propor a criação de cargos, créditos e verbas, necessários aos serviços administrativos do Poder Legislativo, a fixação ou alteração dos respectivos vencimentos, obedecido o princípio da paridade.

O Egrégio Supremo Tribunal Federal no RE 728870/SP, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, julgado em 27/02/2014, assentou que é de iniciativa da Mesa Diretora desencadear o processo de elaboração da lei anual de revisão geral do subsídio dos Vereadores, sendo o referido acórdão assim ementado:

[...] 5. O fundamento central do voto condutor dos outros 16 votos, que formaram a maioria pela improcedência da ação direta de inconstitucionalidade ajuizada na origem, consiste em que: A alteração do subsídio dos Vereadores, no curso da legislatura, pode ocorrer na hipótese de revisão geral anual, que constitui mera reposição das perdas inflacionárias do período. Incide, destarte, sobre o subsídio, somente não sendo possível quando houver afronta aos limites constitucionais. A revisão geral anual dos subsídios dos Vereadores se faz por lei específica, de iniciativa da Câmara Municipal, pois assim dispõe o artigo 37, X, da Constituição Federal. Aliás, soa lógico que, se para a fixação do subsídio, de uma legislatura para outra, é exigível ato do Poder Legislativo, para proceder à revisão geral deste dever a lei também ter origem naquele Poder. Vale dizer, a competência para iniciar o processo legislativo que dispõe sobre a revisão anual dos subsídios dos Vereadores é da Mesa Diretora da Câmara de Vereadores. [...].

Nesse sentido assentou o TJSP:

ADI 0281594-72.2011.8.26.0000, do Estado de São Paulo. A revisão geral anual dos subsídios dos Vereadores se faz por lei específica, de iniciativa da Câmara Municipal, pois assim dispõe o art. 37, X, da Constituição Federal. Aliás, soa lógico que, se para fixação do subsídio, de uma legislatura para outra, é exigível ato do Poder Legislativo (resolução), para proceder à revisão geral deste dever a lei também ter origem naquele Poder.  Vale dizer, a competência para iniciar o processo legislativo que dispõe sobre a revisão anual dos subsídios dos Vereadores é da Mesa Diretora da Câmara de Vereadores (TJ-SP, ADI 0281594-72.2011.8.26.0000, rel. Des. Rui Copolla, julgamento em 04/04/2012)

Constata-se, portanto, que em linhas gerais o Projeto de Lei nº 028/2020 está em conformidade com as regras do processo legislativo, com a Lei Orgânica e com o Regimento Interno, uma vez que foi protocolado pela Mesa Diretora, atendendo à competência e à iniciativa legislativa.

Assim, a revogação da Lei Municipal nº 3.877/2020, tendo sido deflagrada a iniciativa pela Mesa Diretora, caberá ao Plenário da Câmara de Vereadores, soberano em tal decisão, exigindo-se para tanto maioria simples dos presentes na sessão ordinária, considerando tratar-se de projeto de lei ordinária.

Há que se frisar que não havia impedimento jurídico no PL nº 026/2020, pois o projeto apresentado tratava da reposição inflacionária (sem aumento real) aos agentes políticos do Legislativo, o que cabe à Mesa Diretora definir, conforme dispõe o art. 37, X, da Constituição Federal. É o que se depreende, ainda, do entendimento do TCE-PR, consoante se extrai do Acórdão nº 1162/08 - Tribunal Pleno:

Possibilidade de concessão de recomposição dos subsídios dos vereadores.  Periodicidade que pode ser inferior a 12 (doze) meses inclusive no primeiro ano de mandato. obrigatoriedade de atendimento dos limites constitucionais no mesmo índice da reposição concedida aos servidores, considerado o período compreendido desde 1º de janeiro e a data base da categoria, e desde que prevista expressamente, a reposição nesse mesmo ato.

A concessão da recomposição dos valores dos subsídios dos vereadores (CF, art. 37, X), não fere o princípio da anterioridade, uma vez que não implica em uma nova fixação da remuneração, mas tão somente na manutenção do poder aquisitivo da moeda. Quanto ao termo inicial da recomposição, aspecto de extrema relevância, afirma-se que pode ocorrer ainda que com periodicidade inferior a 12 (doze) meses, inclusive no primeiro ano do mandato, desde que atendidos os limites constitucionais no mesmo índice da reposição concedida aos servidores, considerado o período compreendido desde 1º de janeiro e a data base da categoria, e desde que prevista, expressamente, a reposição nesse mesmo ato. Neste sentido, saliente-se que é apenas dispensável, mas não a forma correta, a previsão expressa em lei, a aplicação do Regimento Interno da Câmara Municipal ou da Lei Orgânica do Município, haja vista que a recomposição tem amparo em permissivo constitucional (CF, art. 37, X). Consulta sem Força Normativa - Processo nº 519881/07 - Acórdão nº 1162/08 - Tribunal Pleno - Rel. Conselheiro Hermas Eurides Brandão.

O TJRS assentou que, diferentemente dos vencimentos dos servidores, que não pode ser minorados ou diminuídos, diante do princípio da irredutibilidade (art. 37, XV da CF/88), isso não se aplica ao subsídio dos Vereadores:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 2.273/2016 DO MUNICÍPIO DE TERRA DE AREIA. VÍCIO DE INICIATIVA DA MESA DIRETORA DA CÂMARA DE VEREADORES QUE FIXOU OS SUBSÍDIOS DOS VEREADORES EM VALORES INFERIORES À LEGISLATURA PASSADA. O subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os limites máximos dispostos (art. 29, VI da Carta Política). Relativamente à vulneração do art. 37, XV, da Constituição Federal, tem-se que a fixação dos subsídios dos Vereadores é originária, da competência da legislatura anterior para a subsequente. Isto é, não guarda relação com aquela fixada anteriormente. Como não se trata de vencimento ou salário, não se aplica aos subsídios dos Vereadores as disposições quanto à irredutibilidade dos vencimentos ou salários previstos no art. 29, II, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul., que é direcionada exclusivamente aos servidores. Ademais, a Carta Política da República prevê apenas limites máximos dos subsídios dos Vereadores, atrelados a um percentual dos subsídios dos Deputados Estaduais, não tratando de piso ou limite mínimo. Ação julgada improcedente. Unânime.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70073838203, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em: 06-11-2017)

 

E ainda a lição da doutrina de Wallace Paiva Martins Júnior:

“... os direitos à irredutibilidade e a revisão geral anual são exclusiva e explicitamente consignados aos servidores públicos stricto sensu e aos agentes políticos investidos, estável ou vitaliciamente, em cargos isolados ou de carreira de natureza técnico-científica, não se estendendo aos agentes políticos. Em especial, aos municipais, por colidir com a regra da fixação dos subsídios na legislatura precedente em momento anterior às eleições” (Wallace Paiva Martins Júnior. Remuneração dos Agentes Públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 226, g.n.).

Ou seja, a irredutibilidade de que trata a Constituição Federal só se aplica aos servidores públicos e não aos agentes políticos, que é o caso dos Vereadores. Como não se trata de vencimento ou salário de servidores, não se aplica aos subsídios dos Vereadores as disposições quanto à irredutibilidade dos vencimentos ou salários, que é direcionada exclusivamente aos servidores, conforme a previsão do art. 29, II, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul.

Por outro lado, o TJRS já considerou inconstitucional, por afronta ao princípio da irredutibilidade, lei que reduziu o subsídio dos vereadores na mesma legislatura:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. PARTIDO POLÍTICO, COM REPRESENTAÇÃO NA CÂMARA DE VEREADORES. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. LEGITIMIDADE ATIVA. LEIS NºS 5.732 E 5.733, DE 13 DE AGOSTO DE 2015, DO MUNICÍPIO DE TAQUARA. REDUÇÃO DE 15% NOS SUBSÍDIOS MENSAIS DOS VEREADORES DE TAQUARA E FIXAÇÃO DA VERBA DE REPRESENTAÇÃO DO PRESIDENTE DA CÂMARA DE VEREADORES EM 10% DE SEUS SUBSÍDIOS. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE, IMPESSOALIDADE E IRREDUTIBILIDADE DE SUBSÍDIOS. VEREADORES, COMO AGENTES POLÍTICOS, TÊM DIREITO A RECEBER A REMUNERAÇÃO EM PARCELA ÚNICA, SEM QUALQUER VERBA DE REPRESENTAÇÃO. DECLARAÇÃO INCIDENTAL TAMBÉM DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 5.105/2012. A Lei nº 5.732/2015 reduziu 15% os subsídios dos vereadores para a mesma legislatura, o que configura violação aos princípios da impessoalidade, anterioridade e irredutibilidade dos vencimentos, com base no artigo 11 e 29, II, da Constituição Estadual, combinados com os artigos 29, VI, e 37, XV, da Constituição Federal. A Lei nº 5.733/2015 também padece de vício de inconstitucionalidade, tendo em vista que instituiu verba de representação do Presidente da Câmara de Vereadores em 10% de seus subsídios, o que, é vedado, pois, como agentes políticos, a remuneração deve ser paga em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer verba de representação, nos termos do artigo 8º da Carta Estadual, combinado com artigo 39, §4º, e 29, inciso VI da Constituição Federal. De forma incidental e com o escopo de barrar o indesejado efeito repristinatório, vai também declarada inconstitucional a Lei nº 5.105/2012, do mesmo Município, pois antes da Lei 5.733, ora declarada inconstitucional, criara verba de representação de 50% sobre o subsídio do Presidente da Casa Legislativa. Modulação de efeitos. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70066281387, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angela Terezinha de Oliveira Brito, Julgado em 26/09/2016)

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 028/2020, de iniciativa da Mesa Diretora, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário

Como não se trata de vencimento ou salário de servidores, não se aplicam aos subsídios dos Vereadores as disposições quanto à irredutibilidade dos vencimentos ou salários (art. 37, XV da CF/88), que é direcionada exclusivamente aos servidores, conforme a previsão do art. 29, II, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul (ADI Nº 70073838203). Não obstante, o TJRS possui jurisprudência no sentido da inconstitucionalidade de redução de subsídios na mesma legislatura (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70066281387).

É o parecer.

Guaíba, 30 de março de 2020.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136



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