Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 027/2020
PROPONENTE : Ver. Ale Alves, Ver.ª Claudinha Jardim e Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 074/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a suspensão de corte do fornecimento dos serviços prestados pelas Concessionárias de Serviços Públicos no âmbito do Município de Guaíba"

1. Relatório:

Os vereadores Ale Alves, Claudinha Jardim e Dr. João Collares apresentaram o Projeto de Lei nº 027/2020 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a suspensão do fornecimento dos serviços prestados pelas concessionárias de serviços públicos no âmbito do Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios.

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (art. 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (art. 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (art. 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (arts. 24, § 2º, e 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (art. 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (art. 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

Tal feixe de competências é de observância obrigatória por parte de todos os entes federados – União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios –, havendo, também, disposição expressa na Constituição Estadual Gaúcha de que os Municípios devem obediência aos princípios estabelecidos na Carta Estadual e na Constituição Federal (art. 8º). Desse mandamento, então, surge o dever de o Município de Guaíba, ao firmar a sua legislação, ter especial atenção ao que dispõe a CF/88 sobre distribuição de competências legislativas, para que não usurpe competências de outros entes, violando o pacto federativo.

E, nesse sentido, a CF/88, em matéria de energias, águas, telecomunicações e informática, estabelece a competência legislativa privativa da União, havendo inconstitucionalidade formal na legislação municipal que porventura venha a tratar do fornecimento de tais serviços. É o que prevê o art. 22, IV, da CF/88, assim transcrito: “Compete privativamente à União legislar sobre: [...] IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão”.

Isso se deve ao fato de que, pela regra do art. 30, I, da CF/88, os Municípios possuem a competência legislativa restrita aos assuntos de interesse local, devendo “haver razoabilidade na análise da situação concreta porque o interesse que é local será também regional e também nacional, mas, no caso específico da norma em questão, será predominantemente (primeiramente) local. Em linhas gerais, essas atividades de interesse predominantemente local dizem respeito ao transporte coletivo municipal, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, além de outras competências que guardem relação com as competências administrativas que são afetas aos Municípios.” (FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 9. ed., revista, ampliada e atualizada. Salvador: JusPODIVM, 2017, p. 890).

Da análise da proposição, por mais meritória que seja, não se constata predominância do interesse local em detrimento do interesse nacional. Pelo contrário, a matéria já foi posta em projeto de lei federal (PL nº 695/2020, em tramitação na Câmara dos Deputados), além de já haver decisão da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica pela suspensão, durante 90 dias, dos cortes no fornecimento de energia elétrica motivados por falta de pagamento em função da pandemia de COVID-19.[1]

Lembra-se que a ANEEL é uma agência reguladora com natureza de autarquia em regime especial responsável por regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica em todo o território nacional, conforme prevê o art. 2º da Lei Federal nº 9.427/1996. Tratando-se de autarquia – portanto, ente da Administração Pública indireta –, está sob a supervisão ministerial do Ministério de Minas e Energia e possui poder normativo e regulatório sobre as atividades que envolvem energia elétrica no país.

Dessa forma, as questões relacionadas ao fornecimento de energia elétrica estão sob a égide da competência legislativa privativa da União (art. 22, inciso IV, da CF/88), ainda que muitas das responsabilidades federais relacionadas ao tema tenham sido delegadas por lei à ANEEL, visando ao aperfeiçoamento e à especialização dos serviços. Igualmente, a legislação a respeito de água, telecomunicações e informática compete à União, a qual também delegou por lei as tarefas de regulação e normatização a agências reguladoras (ANA - Agência Nacional de Águas; ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações).

Além disso, cabe destacar que a legislação federal autoriza a suspensão do fornecimento de serviços essenciais em razão do inadimplemento do consumidor, desde que exista prévio aviso, conforme dispõe o inciso II do § 3º do art. 6º da Lei Federal nº 8.987/95:

Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

[...]

§ 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

[...]

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

Por tal razão, entende-se que, como a legislação federal autoriza a suspensão do fornecimento do serviço pelo inadimplemento do usuário, apenas ato de mesma envergadura poderia excepcionar tal previsão e impedir que as concessionárias de serviços públicos continuem aplicando a regra, não sendo o Município competente para instituir a proibição.

[1] Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/03/24/aneel-suspende-cortes-no-fornecimento-de-energia-motivados-por-falta-de-pagamento.ghtml>.

4. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela devolução aos autores, mediante despacho fundamentado, da proposta em epígrafe, em razão de incompetência do Município para legislar sobre a matéria específica (art. 22, IV, da CF/88).

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 26 de março de 2020.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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