PARECER JURÍDICO |
|||||||||||||||
"Regulamenta a concessão de vale-alimentação aos servidores ativos do Poder Legislativo Municipal de Guaíba e dá outras providências" 1. Relatório:A Mesa Diretora apresentou o Projeto de Lei nº 024/2020 à Câmara Municipal, objetivando regulamentar a concessão de vale-alimentação aos servidores ativos do Poder Legislativo Municipal. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno. 2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICAA Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante. Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”. Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico. 3. MÉRITO3.1 Da possibilidade jurídica de instituição do benefício Inicialmente, deve-se mencionar que a Constituição Federal de 1988 (CF/88) não estabelece, expressamente, o recebimento de auxílios ou subsídios para a alimentação como um dos direitos sociais básicos do servidor público, como se percebe da leitura dos arts. 7º e 39, § 3º. Da mesma forma, no âmbito da iniciativa privada, não há qualquer vinculação constitucional ou legal que obrigue as empresas a concederem benefícios relacionados à alimentação do trabalhador, sendo tais vantagens conferidas por mera liberalidade ou por pactuação em instrumentos coletivos celebrados com o sindicato da categoria profissional, geralmente em acordos ou convenções coletivas de trabalho. Embora não haja obrigação constitucional ou legal de concessão de benefício relacionado à alimentação do servidor público, também não há óbice à sua instituição, desde que atendidos determinados parâmetros jurídicos. De início, é importante esclarecer que a concessão de auxílios para a alimentação dos servidores públicos pode materializar-se pelas seguintes modalidades: fornecimento de alimentos in natura, auxílio-alimentação, vale-refeição e vale-alimentação. De acordo com o TCE/MT[1], “O auxílio-alimentação consiste em uma vantagem pecuniária, prevista em lei, conferida diretamente ao servidor público para subsidiar suas despesas com alimentação, quando este estiver em labor.” O vale-refeição, por outro lado, “consiste em um documento ou cartão eletrônico/magnético que permite a troca de um valor ou crédito por refeições prontas, fornecidas em restaurantes ou similares, previamente credenciados.” O vale-alimentação “representa um documento (tíquetes, vales, cupons) ou cartão eletrônico/magnético que permite a troca do valor nele inscrito ou creditado em produtos alimentícios vendidos por estabelecimentos credenciados (supermercados, panificadoras, mercearias ou similares)”. Por fim, o fornecimento in natura representa a entrega de produtos e gêneros alimentícios ou similares diretamente aos servidores públicos, sendo a “cesta básica” a forma mais comum de concessão do benefício. A diferença entre os institutos é pontual, porém relevante para a correta caracterização do objeto da proposição. Como se percebe, a proposição legislativa busca autorizar a concessão de vale-alimentação aos servidores do Legislativo Municipal, através da disponibilização de documento contendo créditos para a compra de mercadorias em estabelecimentos credenciados junto à empresa especializada a ser contratada. 3.2 Da adequação da espécie normativa e da iniciativa Para a instituição do benefício aos servidores públicos, faz-se necessária a promulgação de lei autorizativa em sentido estrito, não sendo outras espécies normativas adequadas para esse fim. Isso porque o inciso X do art. 37 da CF/88 dispõe que a remuneração dos servidores e o subsídio dos agentes políticos somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, incluindo-se o vale-alimentação no conceito amplo de remuneração para esse fim, como observa o TCE/SC, ainda que sua natureza seja indenizatória:
A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto propõe conceder vale-alimentação aos servidores municipais vinculados ao Legislativo, tem-se por correta a iniciativa da Mesa Diretora. Isso porque, a partir da Emenda Constitucional nº 19/1998, o inciso IV do art. 51 da CF/88 passou a prever que compete privativamente à Câmara dos Deputados a “iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração” dos cargos públicos da sua estrutura administrativa, regra também aplicável às câmaras municipais com base no princípio da simetria. Assim, muito embora o Poder Legislativo tenha autonomia para a criação de cargos por meio de resolução, a fixação da respectiva remuneração só é possível por meio de lei em sentido estrito, raciocínio extensível às vantagens pecuniárias como o vale-alimentação, que se insere no conceito amplo de remuneração e representa benefício que implica a realização de despesas públicas. A iniciativa legislativa é restrita à Mesa Diretora da Câmara Municipal, órgão diretivo dos trabalhos administrativos, conforme prevê expressamente o caput do art. 21 do Regimento Interno. 3.3 Dos critérios para a definição do valor Além da obrigatoriedade de lei em sentido estrito e da iniciativa legislativa privativa da Mesa Diretora da Câmara, a lei autorizativa do vale-alimentação aos servidores deve fixar critérios e regras isonômicas para a concessão do benefício, que não caracterizem tratamento privilegiado de um dado grupo de agentes em detrimento de outros, sem prejuízo da previsão de hipóteses nas quais o pagamento não será devido. Por essa razão, entende-se que, como regra, o valor deve ser isonômico entre os servidores públicos, até porque a verba é indenizatória e não remuneratória, só sendo admissíveis tratamentos diferenciados na exata medida da adequação de suas justificativas. Ainda, a fixação do valor do benefício deve respeitar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, observando parâmetros equilibrados e passíveis de justificação, porquanto tais princípios têm matriz constitucional, pela ampliação do conceito de juridicidade para além da estrita legalidade, e exigem do agente político fidelidade a padrões adequados de conduta, representados também nos princípios da moralidade e da impessoalidade. 3.4 Do limite temporal à luz da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97) O art. 73, VIII, da Lei nº 9.504/97, ao estabelecer normas para as eleições, prevê que é proibido aos agentes públicos, servidores ou não, “fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos”, de modo a não afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), através da Resolução nº 23.606, de 17 de dezembro de 2019, estabeleceu o Calendário Eleitoral das Eleições de 2020, prevendo, no seu Anexo I, que a partir de 7 de abril de 2020 até a posse dos eleitos é vedado aos agentes públicos fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo. A Federação Catarinense de Municípios de Santa Catarina, no Parecer nº 747/08, manifestou-se no sentido de que a norma proibitiva abrange quaisquer gratificações, adicionais, abonos e outras espécies de benefícios ou vantagens que repercutem na remuneração dos servidores públicos, ainda que indenizatórias, exceto a revisão para fins de recomposição da perda do poder aquisitivo, que pode ser concedida após o prazo de vedação:
Como também leciona Rodrigo López Zilio (Crimes Eleitorais, Juspodivm, 2014, p. 571), a definição de remuneração para efeito da vedação prevista no inciso VIII do art. 73 é ampla, abrangendo quaisquer verbas recebidas acima da inflação pelos servidores públicos, tais como adicionais, gratificações e indenizações. Entretanto, como já referido, a vedação do inciso VIII do art. 73 incide a partir do dia 7 de abril de 2020 até a posse dos eleitos, na forma do Calendário Eleitoral das Eleições de 2020 aprovado pelo TSE, de forma que a instituição do benefício aos servidores não incidirá na conduta vedada se a lei estiver publicada em data anterior. 3.5 Da restrição aos servidores municipais ativos Nos termos da Súmula Vinculante nº 55, “O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos.” De fato, a jurisprudência do STF é reiterada no sentido de que o vale-alimentação é verba de natureza indenizatória, apenas devido ao servidor que se encontrar no exercício de suas funções, também não se incorporando à remuneração ou aos proventos de aposentadoria:
Assim, estão adequados os arts. 1º e 2º ao definirem que o benefício só será devido aos servidores municipais ativos pelos dias úteis efetivamente trabalhados, não sendo concedido aos servidores aposentados, condicionado, ademais, à contrapartida de desconto mensal de R$ 1,00 na remuneração (art. 4º). 3.6 Das exigências orçamentário-financeiras Além do atendimento da competência e da iniciativa, o projeto que verse sobre a concessão de vantagens aos servidores públicos deve demonstrar o cumprimento de requisitos de ordem orçamentária, previstos no artigo 169, § 1º, da CF/88, e na Lei Complementar Federal nº 101/00 – Lei de Responsabilidade Fiscal. Prevê o artigo 169, caput e § 1º, da CF/88:
Em relação à prévia dotação orçamentária, a estimativa de impacto orçamentário e financeiro comprova que há recursos suficientes para o atendimento da despesa, sem que se atinjam os limites aplicáveis ao Poder Legislativo em âmbito municipal. Quanto à autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias, o item 2 da estimativa demonstra que há previsão no artigo 29, o que se comprova da leitura da Lei Municipal nº 3.833/2019. Ainda, a estimativa do impacto orçamentário e financeiro contempla a previsão da classificação orçamentária por onde correrá a despesa (3390460000000000 – Auxílio Alimentação), declaração de que há previsão da despesa no orçamento e na programação financeira, demonstração do impacto no exercício corrente e nos dois posteriores, indicação dos percentuais de despesa e declaração de compatibilidade com as metas fiscais. Na Lei de Responsabilidade Fiscal, preceituam os artigos 15 e 16, inc. I e II:
Tais exigências estão devidamente atendidas pela estimativa de impacto orçamentário e financeiro apresentada no projeto de lei. Ainda, dispõe o artigo 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00):
Quanto ao referido dispositivo legal, cabe reiterar que a estimativa de impacto orçamentário e financeiro apresenta a origem dos recursos para o custeio da despesa e contém as premissas e a metodologia de cálculo, comprovando-se, ainda, que a despesa criada não afetará as metas de resultados fiscais. A respeito da adequação da despesa aos limites constitucionais e da Lei Complementar nº 101/00, veja-se o disposto no artigo 29-A, inc. I, da CF/88:
No caso de Guaíba, a receita tributária e as transferências para o Município somaram, em 2019, o valor de R$ 204.071.428,57. Aplicados 7% para a fixação da despesa total do Poder Legislativo, chega-se ao limite de R$ 14.285.000,00, que não será atingido pela concessão das vantagens, uma vez que as despesas previstas com folha de pagamento até o final do exercício somam R$ 9.179.728,76. O artigo 29-A, § 1º, da CF/88 estabelece outro limite a ser observado:
Quanto ao referido limite, o impacto orçamentário-financeiro estabelece a projeção de despesa com folha de pagamento em R$ 9.179.728,76, alcançando 64,26% da receita do Poder Legislativo, o que não torna ilegal a despesa, considerando que o limite constitucional em análise é de 70%. Por fim, estabelecem os artigos 19 e 20 da LC nº 101/00:
De acordo com a estimativa de impacto orçamentário-financeiro, a receita corrente líquida para o exercício de 2020 é de R$ 297.004.641,80, de modo que 6% desse valor resultaria no montante de R$ 17.820.278,50. A despesa total com pessoal projetada para o final do exercício é de R$ 8.902.616,76, representando 3,00% da receita corrente líquida. Portanto, não atingidos quaisquer dos limites previstos na CF/88 e na Lei Complementar nº 101/00 e apresentada a estimativa de impacto orçamentário-financeiro com as informações necessárias, tem-se por cumpridas as exigências de caráter financeiro para a deliberação parlamentar do Projeto de Lei nº 024/2020. [1] Disponível em: <https://www.tce.mt.gov.br/protocolo/documento/num/179345/ano/2015/numero_documento/146324/ano_documento/2015/hash/e7168953933308c0677d640e5cacaa6d>. 4. ConclusãoDiante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 024/20, de iniciativa da Mesa Diretora da Câmara, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, observada a fundamentação sobre o limite temporal de publicação (item 3.4). É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 17 de março de 2020. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
|||||||||||||||
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 17/03/2020 ás 18:19:51. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação fea4b374737885fe98be3340bd11873c.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 79492. |