Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 017/2020
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 065/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre o índice de revisão geral dos vencimentos e salários dos servidores do Poder Executivo Municipal, exceto servidores do quadro do Magistério"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 017/2020 à Câmara Municipal, que objetiva dispor sobre o índice de revisão geral dos vencimentos e salários dos servidores do Executivo. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pelo Presidente da Câmara para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle quanto à constitucionalidade, à competência e ao caráter pessoal da proposição.

2. MÉRITO:

2.1 Da competência municipal e da iniciativa do processo legislativo

Em relação à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

A revisão geral que se pretende aprovar se insere, efetivamente, na definição de interesse local, uma vez que compete a cada esfera da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), através de cada poder constitucional, promover a revisão geral anual de todos os agentes públicos, sempre na mesma data e sem distinção de índices, cabendo, portanto, ao Município de Guaíba adotar tal providência em relação aos seus servidores.

A iniciativa para a deflagração do processo legislativo, por sua vez, está adequada, pois o projeto apresentado trata da reposição inflacionária e da concessão de aumento real aos agentes públicos do Executivo, o que encontra base no art. 61, § 1º, inc. II, “a”, da CF/88, no art. 60, inc. II, alínea “a”, da CE/RS e no art. 119, inc. I, da Lei Orgânica Municipal.

É pacífico que para a concessão de revisão geral anual, no âmbito municipal, a iniciativa é privativa do Prefeito, não cabendo a outro Poder interferir na sua proposição, inclusive no que diz respeito ao índice a ser aplicado.

 2.2 Considerações sobre a “revisão geral anual”

A revisão geral anual é um direito constitucionalmente assegurado a todos os agentes públicos como forma de recompor o valor real de vencimentos e subsídios depreciados ao longo dos doze meses anteriores pelas oscilações inflacionárias. Trata-se não de um aumento remuneratório por espécie, mas sim da restauração das importâncias perdidas em razão dos fenômenos econômicos. Difere, nesse sentido, da expressão “reajuste remuneratório”, que significa, justamente, a concessão de aumentos reais aos vencimentos ou aos subsídios de determinadas categorias de funcionários. Tal distinção é importante porque o tratamento jurídico dispensado a cada um dos institutos é diverso.

A revisão geral, enquanto reposição inflacionária, tem previsão constitucional no artigo 37, inc. X, da CF/88 e no artigo 33, § 1º, da CE/RS, nos seguintes termos:

Art. 37 (...)

X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Art. 33 (...)

§ 1º A remuneração dos servidores públicos do Estado e os subsídios dos membros de qualquer dos Poderes, do Tribunal de Contas, do Ministério Público, dos Procuradores, dos Defensores Públicos, dos detentores de mandato eletivo e dos Secretários de Estado, estabelecidos conforme o § 4º do art. 39 da Constituição Federal, somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, sendo assegurada através de lei de iniciativa do Poder Executivo a revisão geral anual da remuneração de todos os agentes públicos, civis e militares, ativos, inativos e pensionistas, sempre na mesma data e sem distinção de índices. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 57, de 21/05/08)

As expressões “mesma data” e “sem distinção de índices” norteiam, em geral, a reposição inflacionária porque tal fenômeno econômico é geral e atinge todas as pessoas igualmente, sendo contrária ao princípio da isonomia a norma que estabeleça diferença de percentuais de revisão entre as diversas categorias de agentes públicos e/ou políticos. Já no reajuste remuneratório não há qualquer diretriz de igualdade, podendo o gestor conceder acréscimos distintos entre as diferentes classes de servidores.

No caso dos agentes políticos, a revisão geral anual os atinge no mesmo índice fixado para todos os demais agentes, exatamente porque, como se disse, a perda do valor real do subsídio pelas oscilações inflacionárias é fenômeno que atinge todos indistintamente. Todavia, o Chefe do Poder Executivo informa a intenção da não concessão de revisão anual para os agentes políticos daquele Poder.

A iniciativa do processo legislativo, na revisão geral anual de todos os agentes públicos, é do chefe de cada esfera de poder independente (nos Municípios, Prefeito e Presidente da Câmara), enquanto que a concessão de reajuste remuneratório obedece a regras diferentes: a) para o Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários Municipais depende de lei de iniciativa da Câmara Municipal (artigo 29, inc. V, CF/88); b) para os Vereadores, também por lei de iniciativa da Câmara, mas necessariamente de uma legislatura para a outra (princípio da anterioridade – artigo 29, inc. VI, CF/88).

O Projeto de Lei nº 017/2020 respeitou todas essas disposições constitucionais, tendo em vista que, no art. 1º, previu o percentual total de 4,31%, especificando 4,01% a título de reposição inflacionária (revisão geral) - § 1º do PL - e 0,30% a título de aumento real - § 2º do PL.

O art. 2º, caput, também é adequado na medida em que o Poder Executivo deixa claro que a revisão (reposição inflacionária) e o reajustamento serão aplicados indistintamente a todos os agentes públicos, incidindo sobre padrões básicos de vencimentos para cargos efetivos e em comissão, salários, funções gratificadas, proventos, pensões e verbas de representação dos Conselheiros Tutelares.

É importante ressaltar que a reposição inflacionária das perdas salariais é considerada um direito subjetivo dos servidores públicos, cuja inobservância pode acarretar, inclusive, a propositura de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, prevista no artigo 103, § 2º, da CF/88, caso em que o Poder Judiciário, ao declarar a inconstitucionalidade pela inércia do respectivo poder constitucional, o notifica para a adoção das providências necessárias. Aliás, existem julgados que, ao defenderem a falta de efetividade dessa mera ciência ao poder violador do direito subjetivo, aplicam técnicas avançadas de decisão judicial, como as manipulativas, a partir das quais o juízo declara a inconstitucionalidade e estabelece determinada disciplina, consentânea com o parâmetro constitucional avaliado.

Com isso, ressalta-se a importância do referido Projeto de Lei nº 017/2020 por estar concretizando os direitos subjetivos dos agentes públicos municipais, especialmente os relacionados à irredutibilidade dos vencimentos/subsídios.

2.3 Do atendimento aos requisitos de natureza financeira

Além do atendimento da competência e da iniciativa, o projeto que verse sobre a concessão de vantagens deve demonstrar o cumprimento de requisitos de ordem orçamentária, previstos no artigo 169, § 1º, da CF/88, e dos artigos 15, 16, 17, 20 e 22 da Lei de Responsabilidade Fiscal - Lei Complementar Federal nº 101/00.

Prevê o artigo 169, caput e § 1º, da CF/88:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: (Renumerado do parágrafo único, pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Na Lei de Responsabilidade Fiscal, preceituam os artigos 15 e 16, inc. I e II:

Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.

Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:

I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;

II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

    

Tais regras não estão atendidas, visto que não foi apresentada estimativa de impacto orçamentário-financeiro no projeto de lei, que contemple as informações necessárias. Ainda, dispõe o art. 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00):

Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.

§ 1º Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.

§ 2º Para efeito do atendimento do § 1º, o ato será acompanhado de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no § 1º do art. 4º, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa.

§ 3º Para efeito do § 2º, considera-se aumento permanente de receita o proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 4º A comprovação referida no § 2º, apresentada pelo proponente, conterá as premissas e metodologia de cálculo utilizadas, sem prejuízo do exame de compatibilidade da despesa com as demais normas do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias.

§ 5º A despesa de que trata este artigo não será executada antes da implementação das medidas referidas no § 2º, as quais integrarão o instrumento que a criar ou aumentar.

§ 6º O disposto no § 1º não se aplica às despesas destinadas ao serviço da dívida nem ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da Constituição.

§ 7º Considera-se aumento de despesa a prorrogação daquela criada por prazo determinado.

No sentido da necessidade de demonstração das premissas e da metodologia de cálculo utilizada, veja-se o acórdão nº 883/2005 do TCU:

Quando houver criação, expansão, aperfeiçoamento de ações governamentais (estaduais ou municipais) que resultem no aumento de despesa, estas só podem ser instituídas se atendidos os seguintes requisitos:

[...]

4) parâmetros (premissas) e metodologia de cálculo utilizada para estimativas de gastos com cada criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental. Este documento deve ser claro, motivado e explicativo, de modo a evidenciar de forma realista as previsões de custo e seja confiável, ficando sujeito à avaliação dos resultados pelo controle interno e externo. Esses elementos devem acompanhar a proposta de criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação de governo quando for necessária a aprovação legislativa. As regras se aplicam a todos os poderes e órgãos constitucionais. Sem o atendimento a essas exigências sequer poderá ser iniciado o processo licitatório (§ 4º do art. 16) para contratação de obras, serviços e fornecimentos relacionados ao implemento da ação governamental.

2.4 Da Lei Eleitoral (Lei nº 9.504/97)

A Lei nº 9.504, de 1997 – que estabelece as normas para as eleições – em seu art. 73 traz condutas vedadas aos agentes públicos, com o objetivo de preservar a igualdade de oportunidades entre os candidatos. Dentre as vedações, o inciso VIII do art. 73 trata da revisão geral anual.

De acordo com a Resolução nº 23.606 do Tribunal Superior Eleitoral, de 17 de dezembro de 2019, a qual estabeleceu o Calendário Eleitoral das Eleições de 2020, a data a partir da qual é vedado fazer revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 73, VIII) é de 7 de abril de 2020 até a posse dos eleitos. Nesse mesmo sentido o alerta constante da CARTILHA DE ORIENTAÇÃO AOS AGENTES PÚBLICOS MUNICIPAIS – Eleições 2020, desta Procuradoria Jurídica.

Assim, alertamos que o dia 7 de abril é a data limite para a publicação da lei que concede revisão geral anual aos agentes públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela constitucionalidade, legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 017/2020, por inexistirem óbices de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, observadas as recomendações constantes deste parecer para que seja apresentado estudo de impacto orçamentário e financeiro contemplando as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº 101/00).

É o parecer.

Guaíba, 17 de março de 2020.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136



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