PARECER JURÍDICO |
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"Concede Vale Supermercado aos servidores do quadro do Magistério Municipal e dá outras providências" 1. RELATÓRIOO Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 015/2020 à Câmara Municipal, objetivando conceder vale-supermercado aos servidores do quadro do Magistério Municipal. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno. 2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICAA Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante. Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”. Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico. 3. MÉRITO3.1 Da possibilidade jurídica de instituição do benefício Inicialmente, deve-se mencionar que a Constituição Federal de 1988 (CF/88) não estabelece, expressamente, o recebimento de auxílios ou subsídios para a alimentação como um dos direitos sociais básicos do servidor público, como se percebe da leitura dos arts. 7º e 39, § 3º. Da mesma forma, no âmbito da iniciativa privada, não há qualquer vinculação constitucional ou legal que obrigue as empresas a concederem benefícios relacionados à alimentação do trabalhador, sendo tais vantagens conferidas por mera liberalidade ou por pactuação em instrumentos coletivos celebrados com o sindicato da categoria profissional, geralmente em acordos ou convenções coletivas de trabalho. Embora não haja obrigação constitucional ou legal de concessão de benefício relacionado à alimentação do servidor público, também não há óbice à sua instituição, desde que atendidos determinados parâmetros jurídicos. De início, é importante esclarecer que a concessão de auxílios para a alimentação dos servidores públicos pode materializar-se pelas seguintes modalidades: fornecimento de alimentos in natura, auxílio-alimentação, vale-refeição e vale-alimentação. De acordo com o TCE/MT[1], “O auxílio-alimentação consiste em uma vantagem pecuniária, prevista em lei, conferida diretamente ao servidor público para subsidiar suas despesas com alimentação, quando este estiver em labor.” O vale-refeição, por outro lado, “consiste em um documento ou cartão eletrônico/magnético que permite a troca de um valor ou crédito por refeições prontas, fornecidas em restaurantes ou similares, previamente credenciados.” O vale-alimentação “representa um documento (tíquetes, vales, cupons) ou cartão eletrônico/magnético que permite a troca do valor nele inscrito ou creditado em produtos alimentícios vendidos por estabelecimentos credenciados (supermercados, panificadoras, mercearias ou similares)”. Por fim, o fornecimento in natura representa a entrega de produtos e gêneros alimentícios ou similares diretamente aos servidores públicos, sendo a “cesta básica” a forma mais comum de concessão do benefício. A diferença entre os institutos é pontual, porém relevante para a correta caracterização do objeto da proposição. Desse modo, pela leitura dos arts. 1º, § 2º, e 4º, é possível verificar que se está a conceder vale-alimentação aos servidores do Magistério, nominado no projeto como “vale-supermercado”, já que consiste na disponibilização de documento contendo créditos para a compra de mercadorias em estabelecimentos credenciados junto à empresa especializada a ser contratada. 3.2 Da adequação da espécie normativa e da iniciativa Para a instituição do benefício aos servidores públicos, faz-se necessária a promulgação de lei autorizativa em sentido estrito, não sendo outras espécies normativas adequadas para esse fim. Isso porque o inciso X do art. 37 da CF/88 dispõe que a remuneração dos servidores e o subsídio dos agentes políticos somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, incluindo-se o vale-alimentação no conceito amplo de remuneração para esse fim, como observa o TCE/SC, ainda que sua natureza seja indenizatória:
A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto propõe conceder vale-alimentação (“vale-supermercado”) aos servidores municipais do Magistério, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, já que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o art. 60 da Constituição Estadual:
Portanto, estão adequadas a iniciativa e a espécie normativa utilizada para veicular a matéria, uma vez que se trata de projeto de lei apresentado pelo Chefe do Executivo, enquanto administrador da remuneração do pessoal daquela esfera administrativa. 3.3 Dos critérios para a definição dos valores Além da obrigatoriedade de lei em sentido estrito e da iniciativa legislativa privativa do Chefe do Executivo, a lei autorizativa do vale-alimentação aos servidores deve fixar critérios e regras isonômicas para a concessão do benefício, que não caracterizem tratamento privilegiado de um dado grupo de agentes em detrimento de outros, sem prejuízo da previsão de hipóteses nas quais o pagamento não será devido. Por esse motivo, entende-se que o valor deve ser isonômico entre os servidores públicos, até porque a verba é indenizatória e não remuneratória, só sendo admissíveis tratamentos diferenciados na exata medida da adequação de suas justificativas. Ainda, a fixação do valor do benefício deve respeitar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, observando parâmetros equilibrados e passíveis de justificação, porquanto tais princípios têm matriz constitucional, pela ampliação do conceito de juridicidade para além da estrita legalidade, e exigem dos agentes públicos fidelidade a padrões adequados de conduta, representados também nos princípios da moralidade e da impessoalidade. 3.4 Do limite temporal à luz da Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97) O art. 73, VIII, da Lei nº 9.504/97, ao estabelecer normas para as eleições, prevê que é proibido aos agentes públicos, servidores ou não, “fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos”, de modo a não afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), através da Resolução nº 23.606, de 17 de dezembro de 2019, estabeleceu o Calendário Eleitoral das Eleições de 2020, prevendo, no seu Anexo I, que a partir de 7 de abril de 2020 até a posse dos eleitos é vedado aos agentes públicos fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo. A Federação Catarinense de Municípios de Santa Catarina, no Parecer nº 747/08, manifestou-se no sentido de que a norma proibitiva abrange quaisquer gratificações, adicionais, abonos e outras espécies de benefícios ou vantagens que repercutem na remuneração dos servidores públicos, ainda que indenizatórias, exceto a revisão para fins de recomposição da perda do poder aquisitivo, que pode ser concedida após o prazo de vedação:
Como também leciona Rodrigo López Zilio (Crimes Eleitorais, Juspodivm, 2014, p. 571), a definição de remuneração para efeito da vedação prevista no inciso VIII do art. 73 é ampla, abrangendo quaisquer verbas recebidas acima da inflação pelos servidores públicos, tais como adicionais, gratificações e indenizações. Entretanto, como já referido, a vedação do inciso VIII do art. 73 incide a partir do dia 7 de abril de 2020 até a posse dos eleitos, na forma do Calendário Eleitoral das Eleições de 2020 aprovado pelo TSE, de forma que a instituição do benefício aos servidores não incidirá na conduta vedada se a lei estiver publicada em data anterior. 3.5 Da restrição aos servidores municipais ativos Nos termos da Súmula Vinculante nº 55, “O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos.” De fato, a jurisprudência do STF é reiterada no sentido de que o vale-alimentação é verba de natureza indenizatória, apenas devido ao servidor que se encontrar no exercício de suas funções, também não se incorporando à remuneração ou aos proventos de aposentadoria:
Assim, estão adequados os arts. 1º e 2º ao definirem que o benefício só será devido aos servidores municipais ativos que tenham apresentado efetividade integral no mês anterior ao do recebimento, estando, ainda, condicionado a uma contrapartida de desconto mensal de R$ 1,00 na remuneração (art. 3º). 3.6 Das exigências orçamentário-financeiras A concessão de vale-alimentação também exige adequação às peças orçamentárias, notadamente à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e à Lei Orçamentária Anual (LOA), decorrendo tal obrigação do art. 169, § 1º, da CF/88, assim disposto:
Na Lei de Responsabilidade Fiscal, preceituam os arts. 15, 16 e 17:
Como prevê o art. 15 da Lei de Responsabilidade Fiscal, são consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público as despesas que não observem às exigências dos arts. 16 e 17. Ambos os dispositivos citados exigem a estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que o ato deva entrar em vigor e nos dois subsequentes, com a diferença de que, no art. 17, tal ato só será obrigatório quando se tratar de despesa obrigatória de caráter continuado (aquela que fixe para o ente uma obrigação por período superior a dois anos). Conforme material divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional, vinculada ao Ministério da Fazenda, a fase de proposição legislativa é regulada especificamente pelo art. 17 da LRF, enquanto a fase executiva do ato se subordina ao disposto no art. 16[2]:
Consequentemente, como a proposição não veicula uma despesa obrigatória de caráter continuado, possuindo período delimitado de um ano (art. 1º, “caput”), tem-se que, na forma exposta pela STN, não há necessidade de apresentação de estimativa de impacto orçamentário-financeiro na presente fase de tramitação legislativa, muito embora tal obrigação esteja presente na fase de execução da despesa. Tal dispensa, ainda, não desobriga o proponente das demais exigências, como da adequação das peças orçamentárias (art. 169, § 1º, da CF/88) e da observância dos limites de despesa com pessoal (arts. 19 e 20 da LRF):
[1] Disponível em: <https://www.tce.mt.gov.br/protocolo/documento/num/179345/ano/2015/numero_documento/146324/ano_documento/2015/hash/e7168953933308c0677d640e5cacaa6d>. [2] Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/435710/CPU_Item_1_3_Definicoes_sobre_o_artigo_16_da_LRF.pdf/85cc847b-63bf-4aba-8487-d4df9e3e8583>. 4. CONCLUSÃODiante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 015/2020, do Executivo Municipal, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, observada a fundamentação sobre o limite temporal de publicação da lei (item 3.4) e sobre as exigências orçamentário-financeiras aplicáveis (item 3.6). É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 17 de março de 2020. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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