Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 022/2020
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 059/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria o Composta Guaíba, programa de incentivo à prática de compostagem de resíduos orgânicos domésticos em domicílios, instituições públicas ou privadas e condomínios residenciais"

1. Relatório:

O Vereador Dr. João Collares apresentou o Projeto de Lei nº 022/2020 à Câmara Municipal, objetivando criar o “Composta Guaíba”, programa de incentivo à prática de compostagem de resíduos orgânicos domésticos em domicílios, instituições públicas e privadas e condomínios residenciais. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A política pública que se pretende instituir no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (artigo 23, VI, da CF/88), não atrelada às competências legislativas privativas da União (artigo 22 da CF/88), o Projeto de Lei nº 022/2020 busca promover a prática de compostagem de resíduos orgânicos domésticos, o que se encontra alinhado aos deveres de proteção do meio ambiente presentes no texto constitucional.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu, no RE nº 586.224/SP, julgado em 5 de maio de 2015, que “O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88)”. Assim, ao menos até o momento, o entendimento predominante é pela competência legislativa dos Municípios para disporem sobre matéria ambiental, desde que respeitados os limites do seu interesse local.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI;  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

O rol de iniciativas privativas do Chefe do Executivo é estrito e não admite interpretação ampliativa; do contrário, ocorreria subversão e/ou perturbação do esquema organizatório funcional estabelecido na CF/88, base do princípio da conformidade funcional, que rege a interpretação dos dispositivos constitucionais. Em palavras mais simples, o intérprete da Constituição não pode chegar a uma conclusão que altere “a repartição de funções constitucionalmente estabelecidas pelo constituinte originário, como é o caso da separação de poderes” (LENZA, 2011, p. 148).

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado. Também não se verifica, da proposta legislativa, a criação de órgão público ou tratamento sobre sua estruturação e atribuições. Trata-se, na realidade, de política que pode ser adotada tanto na esfera privada quanto pública, com natureza meramente programática, sem criar obrigações específicas para o Poder Executivo.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 022/2020 é promover a proteção do meio ambiente, o que encontra respaldo no art. 225 da CF/88. Vale lembrar que, de acordo com a Lei Federal nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), considera-se poluição a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: 1) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; 2) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; 3) afetem desfavoravelmente a biota; 4) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; 5) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

A CF/88 foi inovadora no tratamento do direito ao meio ambiente, trazendo-o de forma autônoma e, portanto, destacada das demais garantias que lhe constituem o fundamento (direito à vida, direito à saúde, dignidade da pessoa humana etc.), sendo então disciplinado pelo artigo 225, o qual prevê: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Tal diretriz é repetida na Constituição Gaúcha de 1989, através do disposto no artigo 251, caput, de observância obrigatória também nos Municípios.

É necessário fazer apenas algumas adequações de ordem técnica. O IGAM, na Orientação Técnica nº 13.787/2020, ponderou que o inciso II do art. 3º objetiva estabelecer, como uma das ações do programa “Composta Guaíba”, a concessão de incentivos, promoção e disponibilização técnica de meios para a implantação de sistemas de compostagem doméstica nas escolas e em outras instituições públicas ou privadas, medida que encontra resistência no art. 73, § 10, da Lei Federal nº 9.504/1997, assim transcrito:

Art. 73 (...)

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)

Desse modo, conforme registrou o IGAM, o referido inciso II do art. 3º pode caracterizar a conduta vedada no art. 73, § 10, da Lei Federal nº 9.504/1997, recomendando-se a retirada do dispositivo através de emenda do proponente ou de comissão permanente. No mais, como já exposto neste parecer, a instituição de política pública não é matéria de iniciativa privativa do Poder Executivo, desde que não sejam criadas novas atribuições aos órgãos do Poder Executivo, o que restou atendido no presente caso.

Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade ou ilegalidade manifesta do Projeto de Lei nº 022/2020, contanto que seja retirada a previsão do inciso II do art. 3º, que pode caracterizar a conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei Federal nº 9.504/1997, nos termos da OT nº 13.787/2020, do IGAM.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 12 de março de 2020.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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