PARECER JURÍDICO |
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"Cria o Composta Guaíba, programa de incentivo à prática de compostagem de resíduos orgânicos domésticos em domicílios, instituições públicas ou privadas e condomínios residenciais" 1. Relatório:O Vereador Dr. João Collares apresentou o Projeto de Lei nº 022/2020 à Câmara Municipal, objetivando criar o “Composta Guaíba”, programa de incentivo à prática de compostagem de resíduos orgânicos domésticos em domicílios, instituições públicas e privadas e condomínios residenciais. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 2. Parecer:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A política pública que se pretende instituir no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (artigo 23, VI, da CF/88), não atrelada às competências legislativas privativas da União (artigo 22 da CF/88), o Projeto de Lei nº 022/2020 busca promover a prática de compostagem de resíduos orgânicos domésticos, o que se encontra alinhado aos deveres de proteção do meio ambiente presentes no texto constitucional. O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu, no RE nº 586.224/SP, julgado em 5 de maio de 2015, que “O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88)”. Assim, ao menos até o momento, o entendimento predominante é pela competência legislativa dos Municípios para disporem sobre matéria ambiental, desde que respeitados os limites do seu interesse local. No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:
O rol de iniciativas privativas do Chefe do Executivo é estrito e não admite interpretação ampliativa; do contrário, ocorreria subversão e/ou perturbação do esquema organizatório funcional estabelecido na CF/88, base do princípio da conformidade funcional, que rege a interpretação dos dispositivos constitucionais. Em palavras mais simples, o intérprete da Constituição não pode chegar a uma conclusão que altere “a repartição de funções constitucionalmente estabelecidas pelo constituinte originário, como é o caso da separação de poderes” (LENZA, 2011, p. 148). Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado. Também não se verifica, da proposta legislativa, a criação de órgão público ou tratamento sobre sua estruturação e atribuições. Trata-se, na realidade, de política que pode ser adotada tanto na esfera privada quanto pública, com natureza meramente programática, sem criar obrigações específicas para o Poder Executivo. Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 022/2020 é promover a proteção do meio ambiente, o que encontra respaldo no art. 225 da CF/88. Vale lembrar que, de acordo com a Lei Federal nº 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), considera-se poluição a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: 1) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; 2) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; 3) afetem desfavoravelmente a biota; 4) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; 5) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. A CF/88 foi inovadora no tratamento do direito ao meio ambiente, trazendo-o de forma autônoma e, portanto, destacada das demais garantias que lhe constituem o fundamento (direito à vida, direito à saúde, dignidade da pessoa humana etc.), sendo então disciplinado pelo artigo 225, o qual prevê: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Tal diretriz é repetida na Constituição Gaúcha de 1989, através do disposto no artigo 251, caput, de observância obrigatória também nos Municípios. É necessário fazer apenas algumas adequações de ordem técnica. O IGAM, na Orientação Técnica nº 13.787/2020, ponderou que o inciso II do art. 3º objetiva estabelecer, como uma das ações do programa “Composta Guaíba”, a concessão de incentivos, promoção e disponibilização técnica de meios para a implantação de sistemas de compostagem doméstica nas escolas e em outras instituições públicas ou privadas, medida que encontra resistência no art. 73, § 10, da Lei Federal nº 9.504/1997, assim transcrito:
Desse modo, conforme registrou o IGAM, o referido inciso II do art. 3º pode caracterizar a conduta vedada no art. 73, § 10, da Lei Federal nº 9.504/1997, recomendando-se a retirada do dispositivo através de emenda do proponente ou de comissão permanente. No mais, como já exposto neste parecer, a instituição de política pública não é matéria de iniciativa privativa do Poder Executivo, desde que não sejam criadas novas atribuições aos órgãos do Poder Executivo, o que restou atendido no presente caso. Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade ou ilegalidade manifesta do Projeto de Lei nº 022/2020, contanto que seja retirada a previsão do inciso II do art. 3º, que pode caracterizar a conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei Federal nº 9.504/1997, nos termos da OT nº 13.787/2020, do IGAM. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 12 de março de 2020. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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