Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 018/2020
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 048/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Estabelece critérios de anticorrupção nas licitações públicas"

1. Relatório

A Vereadora Claudinha Jardim apresentou o Projeto de Lei nº 018/2020 à Câmara Municipal, objetivando estabelecer critérios anticorrupção nas licitações públicas. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. MÉRITO

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

Tal feixe de competências é de observância obrigatória por parte de todos os entes federados – União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios –, havendo, também, disposição expressa na Constituição Estadual Gaúcha de que os Municípios devem obediência aos princípios estabelecidos na Carta Estadual e na Constituição Federal (art. 8º). Desse mandamento, então, surge o dever de o Município de Guaíba, ao firmar a sua legislação, ter especial atenção ao que dispõe a CF/88 sobre distribuição de competências legislativas, para que não usurpe competências de outros entes, violando o pacto federativo.

E, nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é clara ao defender que a fixação de critérios anticorrupção em licitações é da competência privativa da União, fundada no artigo 22, inciso XXVII, da CF/88, uma vez que diz respeito à matéria de normas gerais de licitação e contratos administrativos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Município de Pitangueiras. Lei Municipal nº 3.595, de 29.05.18, que "estabelece critérios anticorrupção nas licitações públicas do Município de Pitangueiras". Violação ao pacto federativo. Ocorrência. Inviável norma local dispor sobre "normas gerais de licitação e contratação", ressalte-se, já prevista em legislação federal (Lei nº 8.666, de 21.06.93) e na Constituição Estadual (art. 117). Competência da União para legislar sobre o tema (art. 22, inciso XXVII, da CF). Precedentes. Afronta a preceitos constitucionais (art.22, inciso XXVII da Constituição Federal e arts. 117 e 144 da Constituição Estadual). Procedente a ação. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2166079-08.2018.8.26.0000; Relator (a): Evaristo dos Santos; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 27/11/2018; Data de Registro: 29/11/2018)

Como bem estabelece o art. 22, XXVII, da Constituição Federal de 1988, é competência da União legislar sobre “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a administração pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu controle”. Ademais, a própria Lei Federal nº 8.666/1993 (Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos) prevê os critérios de desempate aplicáveis às licitações públicas:

Art. 3º (...)

§ 2º Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:

II - produzidos no País;

III - produzidos ou prestados por empresas brasileiras.

IV - produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)

V - produzidos ou prestados por empresas que comprovem cumprimento de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

É por tais fundamentos que a jurisprudência entende ser vedada a criação de lei municipal que institua critérios de anticorrupção para desempate nas licitações públicas de âmbito local. Desse modo, apesar de honrosa sob o ponto de vista material, a proposta veicula matéria para a qual o Município é incompetente, por se tratar de norma de natureza geral derivada da competência legislativa privativa da União (art. 22, XXVII, da CF/88), mostrando-se inviável juridicamente.

3. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela devolução à autora, mediante despacho fundamentado, da proposição em epígrafe, em razão de incompetência do Município para legislar sobre a matéria específica (art. 22, XXVII, da CF/88).

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 27 de fevereiro de 2020.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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