Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 014/2020
PROPONENTE : Ver.ª Claudinha Jardim
     
PARECER : Nº 044/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a obrigatoriedade dos cartórios da cidade de Guaíba receberem os pagamentos das taxas por cartão de crédito ou débito"

1. Relatório:

A Vereadora Claudinha Jardim (DEM) apresentou à Câmara Municipal o Projeto de Lei nº 014/2020, o qual “Dispõe sobre a obrigatoriedade dos cartórios da cidade de Guaíba receberem os pagamentos das taxas por cartão de crédito ou débito”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pelo Presidente para análise com fulcro no art. 105 do RI.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

  

Alexandre de Moraes afirma que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)".[1]

De plano, verifica-se que a proposta em análise conflita com a competência legislativa da União estabelecida pela Constituição Federal em seu artigo 236:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. (Regulamento).

§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. (Regulamento)

§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

A União exerceu sua competência com a edição da Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994, que regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro. (Lei dos cartórios).

Destarte, a proposição não está apropriada quanto à competência para deflagração do processo legislativo, já que é reservada à União a competência para estabelecer tais normas.

Assim, é cristalino que o Projeto de Lei nº 014/2020 pretende adentrar no ordenamento jurídico nacional usurpando a competência de outros entes, qual seja a competência da União.

É cediço o entendimento dos tribunais de que a Constituição Federal estabeleceu clara repartição vertical de competências normativas e que a matéria versada no PL nº 050/2019 não corresponde à competência municipal:

Se é certo, de um lado, que, nas hipóteses referidas no art. 24 da Constituição, a União Federal não dispõe de poderes ilimitados que lhe permitam transpor o âmbito das normas gerais, para, assim, invadir, de modo inconstitucional, a esfera de competência normativa dos Estados-membros, não é menos exato, de outro, que o Estado-membro, em existindo normas gerais veiculadas em leis nacionais (como a Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, consubstanciada na LC 80/1994), não pode ultrapassar os limites da competência meramente suplementar, pois, se tal ocorrer, o diploma legislativo estadual incidirá, diretamente, no vício da inconstitucionalidade. A edição, por determinado Estado-membro, de lei que contrarie, frontalmente, critérios mínimos legitimamente veiculados, em sede de normas gerais, pela União Federal ofende, de modo direto, o texto da Carta Política. [ADI 2.903, rel. min. Celso de Mello, j. 1º-12-2005, P, DJE de 19-9-2008.]

A Constituição do Brasil contemplou a técnica da competência legislativa concorrente entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal, cabendo à União estabelecer normas gerais e aos Estados-membros especificá-las. É inconstitucional lei estadual que amplia definição estabelecida por texto federal, em matéria de competência concorrente. [ADI 1.245, rel. min. Eros Grau, j. 6-4-2005, P, DJ de 26-8-2005.]

Ademais, a repartição de competência é tratada pela doutrina como: a) cumulativa, pela qual os entes podem avançar na disciplina das matérias desde que o que lhes é considerado superior não o faça (não há limites prévios, mas a regra da União prevalece, e m caso de conflito); b) não-cumulativa, em que, previamente, as matérias estão delimitadas por sua extensão (normas gerais e particulares).[2] Assim sendo, a disposição normativa do art. 24 trata da repartição vertical, que é não-cumulativa, determinando-se previamente que a União limitar-se-á a legislar sobre normas gerais quanto às matérias que enumera, além da previsão do art. 236 CF/88.

Diante disso, apesar de relevante e louvável a proposição, diante da edição da Lei Federal nº 8.935, de 18 de novembro de 1994 o projeto acarreta a invasão de competência da União para editar normas quanto à matéria e está eivado de inconstitucionalidade, por ultrapassar a competência legislativa da União para estabelecer tais normas.

O IGAM ainda ressaltou em sua OT nº 8.380/2020 que “a fiscalização dos atos e a regulação das atividades notariais e registrais brasileiras, compete exclusivamente ao Poder Judiciário, incluído aqui, a forma de pagamento das taxas destes serviços notariais e registrais”.

[1] Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740

[2] Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição Brasileira, 6a ed., São Paulo, Saraiva, 1986, p. 98 ss.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela inconstitucionalidade do PL nº 014/2020, em afronta ao que dispõe a Constituição Federal, por extrapolar a competência legislativa suplementar do Município expressa no art. 30, II e a repartição de competência legislativa prevista no art. 24 c/c art. 236, ambos da Constituição Federal além da iniciativa ser do Poder Judiciário, em afronta ao art. 2º da CF/88 sendo iniciativa exclusiva do Tribunal de Justiça propor leis que tratem da alteração da organização e divisões judiciárias e assegura autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário do Estado.

É o parecer.

Guaíba, 19 de fevereiro de 2020.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136



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