Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Resolução n.º 001/2020
PROPONENTE : Mesa Diretora
     
PARECER : Nº 040/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o Diário Eletrônico Oficial do Poder Legislativo de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório:

 A Mesa Diretora apresentou o Projeto de Resolução nº 001/2020, objetivando instituir o Diário Eletrônico Oficial do Poder Legislativo de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do RI, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência e do caráter pessoal da proposição.

2. MÉRITO:

O processo legislativo brasileiro - conjunto das disposições que regulam o procedimento a ser seguido pelos órgãos competentes pela elaboração das leis e dos atos normativos - é composto por um conjunto de espécies normativas. O processo legislativo é matéria essencialmente constitucional e os tipos de espécies normativas estão previstos na Constituição Federal, em seu artigo 59, sendo Propostas de Emenda à Constituição (PEC), Projetos de Lei Complementar (PLP), Projetos de Lei Ordinária (PL), Projetos de Decreto Legislativo (PDC), Projetos de Resolução (PRC) e Medidas Provisórias (MPV):

O direito brasileiro é organizado em um sistema de escalonamento das normas jurídicas, sendo a Constituição Federal de 1988 o diploma paradigma para a elaboração de todas as demais espécies legislativas. Em função da hierarquia das normas, exsurge do ordenamento jurídico o princípio da continuidade das leis, segundo o qual, “Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue” (art. 2º, LINDB). Diante disso, uma determinada norma jurídica só pode ser alterada ou revogada por meio de outra norma da mesma hierarquia; do contrário, a nova espécie legislativa não terá a aptidão de atingir a norma primária.

A espécie normativa “Resolução” é uma norma que tem como objetivo regular matérias de competência das Casas Legislativas, sendo de competência privativa dessas e gerando, de regra, efeitos internos. A Resolução é uma deliberação político-administrativa do parlamento que deve observar o processo legislativo, não estando sujeita a sanção do Poder Executivo. Obedece a procedimentos próprios estabelecidos no Regimento Interno de cada Casa Legislativa, sendo promulgadas pelo próprio Poder Legislativo.

Sob o ponto de vista formal, no caso em análise, a inovação jurídica virá a integrar nova norma do tipo Resolução, que dispõe sobre matéria de interesse interno da Câmara de Vereadores de Guaíba, estando adequada, portanto, quanto à forma legislativa a proposição apresentada.

Também sob o ponto de vista da competência legislativa está adequada a proposição. Cabe registrar que o artigo 28, inciso II, da Lei Orgânica Municipal estabelece ser privativa a competência da Câmara Municipal para propor normas que digam respeito a sua administração, o que se verifica cumprido na situação, considerando ter sido a proposta apresentada pelos membros da Câmara.

O Regimento Interno da Câmara prevê um procedimento específico para a alteração de suas normas. Acerca da iniciativa, estabelecem os arts. 21 e 28 do Regimento Interno que a proposta deve, obrigatoriamente, ser apresentada pela Mesa Diretora, já que é a Mesa o órgão diretivo dos trabalhos legislativos e administrativos da Câmara Municipal:

Art. 21. A Mesa é o órgão diretivo dos trabalhos legislativos e administrativos da Câmara Municipal, eleita em votação nominal, a cada ano.

Art. 28. Compete à Mesa Diretora, além de outras atribuições estabelecidas na Lei Orgânica, propor a criação de cargos, créditos e verbas, necessários aos serviços administrativos do Poder Legislativo, a fixação ou alteração dos respectivos vencimentos, obedecido o princípio da paridade.

Constata-se, portanto, que em linhas gerais o Projeto de Resolução nº 001/2020 está em conformidade com as regras do processo legislativo, com a Lei Orgânica e com o Regimento Interno, uma vez que foi protocolado pela Mesa Diretora, atendendo à competência e à iniciativa legislativa.

Em relação ao conteúdo da proposta, não há qualquer inconformidade. Trata-se de matéria interna corporis do Poder Legislativo, isto é, referente à organização dos procedimentos desenvolvidos na Câmara, temática imune ao controle judicial (“judicial review”), cabendo ao próprio Legislativo a sua definição, conforme expressa o art. 28, II, da LOM.

A proposta tem por efeito a instituição do Diário Eletrônico Oficial do Poder Legislativo de Guaíba como órgão de imprensa oficial do Poder Legislativo Municipal, efetivando o postulado constitucional da publicidade e da transparência na administração pública e direito fundamental do cidadão insculpido no inciso XXXIII do art. 5º da Constituição Federal, com extensão no inciso II do § 3º do art. 37 também da CF/88.

O desígnio da proposta é garantir o acesso à informação aos atos e às ações da administração pública, consoante determina a Lei de Acesso à Informação (Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011).

Quanto ao teor da proposta no sentido de instituir diário no site da CM de Guaíba, a relação entre publicação e novas tecnologias foi objeto de observação de Rocha (1994, p. 246), no sentido de que a Administração Pública deve acompanhá-las, na medida em que servem ao aprimoramento da efetividade do princípio constitucional da publicidade, com economia para os cofres públicos e abertura de acesso a um número crescente de interessados, por exemplo, através dos bancos de dados oficiais.

Inúmeros entes e poderes da administração pública, dentre estes Tribunais de Justiça de Estados da Federação, assim como da União, inclusive os Tribunais Superiores, já implantaram a sistemática de publicações em Diários Oficiais Eletrônicos. A título exemplificativo pode-se mencionar a informatização do processo judicial, a qual ocorreu com o advento da Lei nº 11.419/2006. Destaca-se o art. 4º da referida Lei:

Art. 4º  Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral.

  • O sítio e o conteúdo das publicações de que trata este artigo deverão ser assinados digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada na forma da lei específica.
  • A publicação eletrônica na forma deste artigo substitui qualquer outro meio e publicação oficial, para quaisquer efeitos legais, à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal. (Destacou-se)

A respeito da publicação eletrônica do Poder Judiciário, destaca-se o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO CIVIL. PUBLICAÇÃO ELETRÔNICA. A publicação eletrônica substitui qualquer outro meio de publicação oficial, para os efeitos legais, à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal. Agravo regimental não provido. (STJ, AgRg na PET no RE nos EDcl no AgRg no RMS 20.956/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE ESPECIAL, julgado em 05/11/2008, DJe 09/02/2009) (grifo nosso).

A Lei de Licitações, em relação ao tema, dispõe:

"Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se: (...)

XIII - Imprensa Oficial - veículo oficial de divulgação da Administração Pública, sendo para a União o Diário Oficial da União, e, para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, o que for definido nas respectivas leis;

(...)

Art. 16. Será dada publicidade, mensalmente, em órgão de divulgação oficial ou em quadro de avisos de amplo acesso público, à relação de todas as compras feitas pela Administração Direta ou Indireta, de maneira a clarificar a identificação do bem comprado, seu preço unitário, a quantidade adquirida, o nome do vendedor e o valor total da operação, podendo ser aglutinadas por itens as compras feitas com dispensa e inexigibilidade de licitação.

Nesse sentido ainda a doutrina de Marçal Justen Filho:

18) Imprensa Oficial

A Lei nº 8.883 acolheu os protestos generalizados contra a indevida intromissão na órbita de peculiar interesse dos Estados, do Distrito Federal e dos MunicípiosCada uma dessas entidades dispõe de autonomia para determinar o órgão que exercitará as funções de ‘Imprensa Oficial’A regra constante da nova redação do inc. XIII nem seria necessária, tamanha sua obviedade. No entanto, a Lei nº 8.666 ignorara aludido postulado, o que exigiu a correção do equívoco, efetivada de modo expresso. Apesar disso, permaneceu o equívoco do art. 21, inc. II, que deveria ter sido eliminado. A propósito da questão, consultem-se os comentários respectivos.

(...)

  • Divulgação da licitação

validade da licitação depende da ampla divulgação de sua existência, efetivada com antecedência que assegure a participação dos eventuais interessados e o conhecimento de toda a sociedadeO defeito na divulgação do instrumento convocatório constitui indevida restrição à participação dos interessados e vicia de nulidade o procedimento licitatório, devendo ser pronunciado a qualquer tempo.

(...)

1.4) Publicidade na imprensa oficial

A definição do Diário Oficial em que deverá ocorrer a publicação faz-se em função da órbita política que promover a licitação. No entanto, quando a futura contratação envolver verbas federais ou garantias prestadas por instituições federais, deverá ser feita a publicação tanto no Diário Oficial da União quanto no órgão da imprensa oficial da ‘respectiva unidade federativa’.

1.9) Divulgação pela Internet

O desenvolvimento da Internet tende a acarretar o desaparecimento da obrigatoriedade de publicidade na imprensa escrita. Há forte tendência no sentido de eliminar os gastos e entraves gerados com a exigência. Presentemente, a divulgação pela Internet não substitui a imprensa oficial. Surgiram orientações administrativas no sentido da obrigatória divulgação das licitações em todos os sites mantidos por instituições estatais.

Existem sítios mantidos pela Administração Pública, versando exclusivamente sobre licitações da Administração Pública e subordinados a regras de controle muito severas, especialmente para garantir a segurança quanto ao cumprimento das exigências legais atinentes a prazo, universalidade de informações e assim por diante. Após comprovada a segurança desse sistema, poderá adotar-se a solução preconizada de eliminação da publicidade na imprensa escrita.

Não obstante, forçoso sublinhar que existem atos cuja publicação, por determinação da Lei nº 8.666/1993, não poderá ocorrer tão somente no órgão de imprensa oficial. Uma exceção de publicação na imprensa oficial vem disciplinada, por exemplo, no artigo 21 da Lei de Licitações:

Art. 21. Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizadas no local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência, no mínimo, por uma vez: (Redação dada ao "caput" e incisos pela Lei nº 8.883, de 08.06.1994)

I - no Diário Oficial da União, quando se tratar de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Federal, e ainda, quando se tratar de obras financiadas parcial ou totalmente com recursos federais ou garantidas por instituições federais;

II - no Diário Oficial do Estado, ou do Distrito Federal, quando se tratar respectivamente de licitação feita por órgão ou entidade da Administração Pública Estadual ou Municipal, ou do Distrito Federal;

III - em jornal diário de grande circulação no Estado e também, se houver, em jornal de circulação no Município ou na região onde será realizada a obra, prestado o serviço, fornecido, alienado ou alugado o bem, podendo ainda a Administração, conforme o vulto da licitação, utilizar-se de outros meios de divulgação para ampliar a área de competição.

O Tribunal de Contas do Estado do Paraná, e.g., já firmou o entendimento de ser correta a opção pelos municípios de instituição de "diário oficial eletrônico", cfe. Acórdão nº 309/2009, de relatoria do Auditor Sérgio Ricardo Valadares Fonseca:

  • Consulta formulada pelo Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná. Publicação de atos oficiais dos municípios. Definição de veículo oficial. Definição do meio de publicação: eletrônico, em papel ou ambos.
  • Autonomia do Município, assegurada pela Constituição da República, para, por meio de lei que leve em conta a realidade fática local, definir o veículo oficial e a mídia – eletrônica, impressa ou ambas – a ser utilizada para divulgação dos atos legislativos e administrativos municipais. Autonomia que não pode ser – sob pena de inconstitucionalidade – aprioristicamente cerceada pelo Tribunal de Contas nem por outro órgão do Estado ou da União sob o argumento de que a Internet ainda não alcançou a necessária disseminação. Aspecto fático que pode ser objeto de controle de constitucionalidade de acordo com a realidade de cada município pela técnica denominada pela doutrina e pelo Supremo Tribunal Federal de “controle dos fatos e prognoses legislativos”.
  • Publicação exclusivamente por meio eletrônico na Internet: possibilidade, uma vez adotadas medidas de segurança e proteção do conteúdo contra violações e assegurado o acesso da população. Tendência generalizada da Administração Pública em todas as esferas de governo e no âmbito de todos os Poderes, em sintonia com os princípios da economicidade, da efetividade e da publicidade.
  • Manutenção de publicações em veículos de comunicação impressos no caso de atos disciplinados por lei especial que exigir a publicação em diário impresso, como, por exemplo, no caso da aquisição de bens e serviços pela Administração Direta e Indireta, nos termos da Lei Federal n.° 8666/93.
  • Adoção de órgão oficial impresso próprio ainda que existam no município jornais, comprovadamente, de grande circulação: possibilidade, devendo ser assegurada a efetiva publicidade dos atos.
  • Princípio da publicidade e acesso aos atos da gestão pública. Autonomia do Município no sistema federativo. Definição do veículo oficial mediante lei municipal. Autonomia do município – observada a efetiva concretização do princípio da publicidade – para (1) divulgar seus atos oficiais exclusivamente em veículo oficial impresso ou (2) por meio exclusivamente de sítio oficial na Internet ou (3) por ambos os meios.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os membros do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, reunidos em sessão plenária, por unanimidade, nos termos do voto do Relator, Auditor Sérgio Ricardo Valadares Fonseca, responder ao consulente que: 1) é possível, desde que prevista em lei municipal, a publicação dos atos oficiais dos municípios exclusivamente em meio eletrônico, ressalvados os casos em que lei especial exija a publicação em veículo impresso de grande circulação, observadas as seguintes diretrizes: 1.1) as publicações em meio eletrônico devem estar hospedadas em sítio eletrônico de fácil acesso à população; além de divulgar amplamente o sítio eletrônico em que a publicação de seus atos oficiais está hospedada, o município deve também assegurar-se de que o acesso às referidas publicações não requer a utilização de sofisticados recursos tecnológicos, de modo a dificultar ou a cercear o acesso de toda a população; 1.2) as publicações em meio eletrônico devem ter sua idoneidade e integridade asseguradas por tecnologia de certificação digital, como a disponibilizada por meio da Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileiras – ICP-Brasil;

Quanto à técnica legislativa a proposição está em consonância com o que dita a Lei Complementar N.º 95 de 26 de fevereiro de 1998, que “Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona” com suas alterações posteriores (LC nº 107/2001).

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Resolução nº 001/2020, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 14 de fevereiro de 2020.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136



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