PARECER JURÍDICO |
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"Institui no âmbito do Município de Guaíba, o Programa de Apoio às Pessoas com Doença de Alzheimer e aos seus familiares e dá outras providências" 1. Relatório:O Projeto de Lei n.º 016/2020, de autoria da Vereadora Claudinha Jardim (DEM), o qual “Institui no âmbito do Município de Guaíba, o Programa de Apoio às Pessoas com Doença de Alzheimer e aos seus familiares e dá outras providências”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pela Presidente em Exercício da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições. 2. mérito:De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A própria doutrina jurídica prevê o instituto do controle de constitucionalidade político também chamado de controle preventivo, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora. A devolução será efetivada mediante despacho fundamentado da Presidência, sempre indicando o artigo constitucional, da Lei Orgânica ou Regimental violado, garantido o direito do autor de recorrer dessa decisão ao Plenário, conforme o art. 105, parágrafo único do RI. Constata-se que a matéria constante do Projeto de Lei n.º 016/2020, de autoria da Vereadora Claudinha Jardim (DEM), de fato insere-se no âmbito de matérias de interesse local, nos termos do artigo 30, I da Constituição Federal, portanto de competência legislativa do município, ao qual ainda cabe suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, por força do artigo 30, II da CF/88. Dispõe o artigo 30 da Constituição Federal, prevendo a faculdade normativa dos Municípios, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais: Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; (...) VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; (...)
Também não incorre em inconstitucionalidade formal, visto que ao não criar obrigações ou atribuições a órgãos públicos, não usurpa a esfera de competência do Poder Executivo Municipal prevista no art. 61 da Constituição Federal, tendo quanto a isso observado os requisitos formais do processo legislativo, além de não ultrapassar o disposto no art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul quanto à separação dos poderes. As matérias de competência e iniciativa reservadas são rol taxativo na CF/88 e nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, lecionando HELY LOPES MEIRELLES que: “Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores, são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, §1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de lei que disponham sobre criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e á Câmara, na forma regimental. (grifo nosso) Com base nesses fundamentos, vê-se que o alcance material da norma diz respeito ao direito fundamental à saúde, entre o poder público e entidades privadas no âmbito do Município de Guaíba, não havendo a reserva de iniciativa, já que não se insere dentre o rol taxativo de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo e “alinha-se ao escopo de “atendimento integral” previsto no inc. II do art. 198 da Constituição da República para ações e serviços públicos de saúde.”[1] Nessa perspectiva, quanto à inocorrência de invasão de competência do Poder Executivo da proposição, cabe trazer recentíssimo acórdão do E. Supremo Tribunal Federal ao analisar a Lei n. 17.129/2017 de SC, pela qual se dispõe sobre o Programa de Incentivo à Instituição de Casas de Passagem ao cidadão catarinense que necessite de tratamento médico hospitalar ou de realização de exames médicos fora de seu domicílio: EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 17.129/2017 DE SANTA CATARINA. INCENTIVO À CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO DE CASAS DE PASSAGEM PARA ACOLHIMENTO DE PESSOAS EM TRATAMENTO MÉDICO FORA DO DOMICÍLIO. PROJETO DE LEI DE INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO. INEXISTÊNCIA DE CRIAÇÃO DE ÓRGÃOS, ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE UNICAMENTE DOS DISPOSITIVOS PELOS QUAIS SE DETERMINOU A ALOCAÇÃO DE RECURSOS EM LEIS ORÇAMENTÁRIAS (CAPUT DO ART. 3º DA LEI N. 17.129/2017) E SE FIXOU PRAZO PARA A EXPEDIÇÃO DE REGULAMENTO PELO PODER EXECUTIVO (ART. 4º DA LEI N. 17.129/2017) (AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.872 SANTA CATARINA. RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA. 5 de novembro de 2019.) Nesse sentido a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, na Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70076374750: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 3.080/2017. MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO. INSTITUI O PROGRAMA DE PARCERIA A UNIÃO FAZ A EDUCAÇÃO - ADOTE UMA ESCOLA . LEI DE INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO. VÍCIO DE INICIATIVA NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO NA ESTRUTURAÇÃO DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS E ATIVIDADES ADMINISTRATIVAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO E INDEPENDÊNCIA DOS PODERES NÃO CONFIGURADA. Não padece de inconstitucionalidade formal lei municipal de iniciativa do Poder Legislativo que institui o programa denominado A União faz a Educação - Adote uma Escola, possibilitando que as empresas privadas contribuam para a melhoria da qualidade do ensino na rede pública municipal, por meio de doações de materiais escolares, livros, uniformes, promoção de palestras, e patrocínio de obras de manutenção, reforma e ampliação de prédios escolares, com direito à publicidade. A lei impugnada não altera a estruturação dos órgãos públicos, nem as atividades administrativas, tampouco cria atribuições aos órgãos da Administração, matérias de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, previstas no art. 60, II, da Constituição Estadual. JULGARAM IMPROCEDENTE, POR MAIORIA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70076374750, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 21/05/2018) Vale a pena ainda referir também a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na ADIN 2039942-15.2017.8.26.0000, que teve por objeto a Lei n.º 16.612, de 20 de fevereiro de 2017, do Município de São Paulo, que dispõe sobre o “Programa de Combate a Pichações no Município de São Paulo”, de autoria parlamentar: TJSP – ÓRGÃO ESPECIAL - ADIN 2039942-15.2017.8.26.0000 - EMENTA - Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n.º 16.612/2017 do Município de São Paulo, que dispõe sobre “Programa de Combate a Pichações”. I Inexigibilidade da outorga de mandato com poderes especiais para propositura de ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 9.868/99. Procuração que, de todo modo, anunciou ter sido outorgada para aquela sorte de propositura. II Petição inicial que alude a dispositivos infraconstitucionais. Irrelevância, já que não servirão eles como parâmetro de julgamento. III Inocorrência de ofensa à competência constitucional do Município ou aos limites para a atuação do Legislativo quanto à matéria versada no diploma impugnado. Inconstitucionalidade reconhecida, porém, de dispositivos pontuais (artigos 8º e 9º) que proíbem a Administração de contratar infratores, obrigam-na a instituir cadastro interno e autorizam o Executivo a firmar termos de cooperação. Artigos 24 § 2º e 47 da Constituição paulista. Ação parcialmente procedente. (...) Realmente, zelar pela proteção do meio ambiente urbano e pelo controle da poluição, exercer o poder de polícia e conferir ao Executivo a incumbência de disciplinar o procedimento administrativo para apuração das infrações (artigo 4º) eram atividades que já se compreendiam na natural incumbência daqueles órgãos da Administração. E ainda na ADIN n.º 2246723-06.2016.8.26.0000 do mesmo TJ-SP: “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei municipal de origem parlamentar que institui campanha permanente de combate à pichação e atos de vandalismo no Município de Suzano. Inexistência de vício de iniciativa: o rol de iniciativas legislativas reservadas ao Chefe do Poder Executivo é matéria taxativamente disposta na Constituição Estadual. Ausente ofensa à regra de iniciativa, ademais, em razão da imposição de gastos à Administração. Precedentes do STF. Não ocorrência de infração ao princípio da harmonia e interdependência entre os poderes na parte principal do texto legal. Não configurada, nesse ponto, usurpação de quaisquer das atribuições administrativas reservadas ao Chefe do Poder Executivo, previstas no artigo 47 da Constituição do Estado de São Paulo. Lei que cuida de assunto local, relativo à proteção do meio ambiente e controle da poluição. Precedentes deste Órgão Especial. (...).” (Adin n.º 2246723-06.2016.8.26.0000, rel. Des. Márcio Bartoli, 5.4.2017). Não obstante, quanto aos dispositivos normativos dos art. 3º e 5º, cabe frisar que a lei que autoriza o Poder Executivo a agir em matérias de sua iniciativa privada implica, em verdade, uma determinação, sendo, portanto, inconstitucional. Nesse sentido, em observância à referida jurisprudência dos tribunais, devem ser suprimidos os artigo 3º e 5º da proposição, já que pretendem determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional a realizar convênios e parcerias: “LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir. O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o principio constitucional da separação de poderes. VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal. LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (TJSP, ADI 142.519-0/5-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, 15-08-2007). “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALÍDADE - LEI N° 2.057/09, DO MUNICÍPIO DE LOUVEIRA - AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A COMUNICAR O CONTRIBUINTE DEVEDOR DAS CONTAS VENCIDAS E NÃO PAGAS DE ÁGUA, IPTU, ALVARÁ A ISS, NO PRAZO MÁXIMO DE 60 DIAS APÓS O VENCIMENTO – INCONSTITUCIONALÍDADE FORMAL E MATERIAL - VÍCIO DE INICIATIVA E VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - INVASÃO DE COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO - AÇÃO PROCEDENTE. A lei inquinada originou-se de projeto de autoria de vereador e procura criar, a pretexto de ser meramente autorizativa, obrigações e deveres para a Administração Municipal, o que redunda em vício de iniciativa e usurpação de competência do Poder Executivo. Ademais, a Administração Pública não necessita de autorização para desempenhar funções das quais já está imbuída por força de mandamentos constitucionais” (TJSP, ADI 994.09.223993-1, Rel. Des. Artur Marques, v.u., 19-05-2010). AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE SANTA ROSA. Artigo 15, parte final, da Lei n.º 4.857, de 11 de novembro de 2011, que condiciona a contratação, parcerias ou convênio, para fins de instalação e operação de sistema de vídeo-monitoramento em vias públicas, à prévia autorização legislativa. Ingerência indevida que malfere os princípios da independência e harmonia entre os Poderes. A deliberação sobre tal matéria é de iniciativa exclusiva do Executivo. Sanção que não convalida o vício de iniciativa. Presença de vício de inconstitucionalidade formal insanável, por afronta aos artigos 10, 60, inciso II, alínea d, e 82, incisos III, VII e XXI, todos da Constituição Estadual combinados com o artigo 2º da Carta Federal. JULGARAM PROCEDENTE O PEDIDO. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70050620251, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 17/12/2012). Inconstitucional qualquer tentativa do Poder Legislativo de definir previamente conteúdos ou estabelecer prazos para que o Poder Executivo, em relação às matérias afetas a sua iniciativa, apresente proposições legislativas, mesmo em sede da Constituição estadual, porquanto ofende, na seara administrativa, a garantia de gestão superior dada ao Chefe daquele poder” (Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 179/RS, Relator o Ministro Dias Toffoli, DJe de 28.3.2014). No que concerne à técnica legislativa, a proposição deve também ser corrigida para estar em consonância com o que dita a Lei Complementar N.º 95 de 26 de fevereiro de 1998, que “Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona” com suas alterações posteriores (LC nº 107/2001). O artigo 9º da LC 95/98 elenca como deve ser estruturada a lei, sendo que “A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas”. (art. 9º da LC 95/98), reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão (art. 8º da LC 95/98). [1] STF. ADI 5872 / SC. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela possibilidade de o Presidente devolver por despacho fundamentado o Projeto de Lei n.º 016/2020, da Vereadora Claudinha Jardim (DEM), para correção, visto que caracteriza invasão da iniciativa legislativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo Municipal e inconstitucionalidade manifesta, em afronta ao que dispõe a Constituição Federal, por extrapolar a iniciativa legislativa do Prefeito Municipal expressa no art. 61, § 1º da CF/88. A correção pode se dar com a supressão dos artigos 3º e 5º, por caracterizarem afronta ao princípio da separação entre os Poderes insculpido no art. 2º da Constituição Federal. É o parecer. Guaíba, 13 de fevereiro de 2020.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS 107.136 O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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