PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a cassação do Alvará de Funcionamento de empresas e postos estabelecidos no município que revenderem combustíveis adulterados e dá outras providências" 1. Relatório:Veio ao exame desta Procuradoria o Projeto de Lei nº 010/2020, apresentado pela Vereadora Claudinha Jardim (DEM), o qual “Dispõe sobre a cassação do Alvará de Funcionamento de empresas e postos estabelecidos no município que revenderem combustíveis adulterados e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal. 2. Parecer:Preliminarmente, constata-se que a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativo do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente, e no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios: Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. O E. Supremo Tribunal Federal precisou que as competências legislativas do município caracterizam-se pelo princípio da predominância do interesse local e ressaltou ser salutar que a interpretação constitucional de normas dessa natureza seja mais favorável à autonomia legislativa dos Municípios, haja vista ter sido essa a intenção do constituinte ao elevar os Municípios ao status de ente federativo na Constituição Cidadã de 1988.[1] Nessa perspectiva a doutrina de Alexandre de Moraes leciona que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)". (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Para o STF, essa autonomia revela-se fundamentalmente quando o Município exerce, de forma plena, sua competência legislativa em matéria de interesse da municipalidade, como previsto no art. 30, I, da CF.[2] Por esse ângulo, a matéria normativa constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 010/2020, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), visa regular matéria relativa ao exercício de polícia administrativa em âmbito local, especificamente com a previsão de posturas municipais, as quais estabelecem a cassação do Alvará de Funcionamento de empresas e postos de combustíveis que revenderem produtos adulterados. A Constituição Estadual do Estado do Rio Grande do Sul, no artigo 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.” No presente caso, a medida está realmente inserida no âmbito das posturas municipais, cuja competência para definição é do Município. O poder de polícia, no magistério de Hely Lopes Meirelles é a “faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”, estando limitado seu exercício através da “Constituição Federal, de seus princípios e da lei” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 133 e 137). A definição legal do poder de policio é dada ainda pelo art. 78 do Código Tributário Nacional: Art. 78. Considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. A própria Constituição Federal garante tal prerrogativa aos entes municipais em seu artigo 174, caput, in verbis: Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Como referido supra, é o que estabelece a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, no seu artigo 13, inciso I: Art. 13. É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado: I – exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais; Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado. A Lei Orgânica Municipal também prevê a competência para tanto. Nessa perspectiva verifica-se que a disciplina de alvarás de funcionamento se insere no âmbito do policiamento administrativo, sendo que o alvará definitivo consubstancia uma licença; o alvará precário expressa uma autorização. Ambos são meios de atuação do poder de polícia...” – (“Direito Municipal Brasileiro” 17ª ed. 2013 Ed. Malheiros Cap.VIII 1.7. p. 498/499). Nesse sentido o assentado pelo E. STF quanto à competência municipal: “... entre as várias competências compreendidas na esfera legislativa do Município, sem dúvida estão aquelas que dizem respeito diretamente ao comércio, com a consequente liberação de alvarás de licença de instalação...” (grifei - RE nº 189.170 p.m.v. j. de 08.08.03 Rel. Min. MARCO AURÉLIO) A jurisprudência colacionada a seguir ampara a legalidade da proposição em análise, valendo a pena trazer à tona decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo nesse sentido: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL QUE DISCIPLINA CASSAÇÃO DE ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO DE ESTABELECIMENTO EM QUE OCORRA ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEL. MATÉRIA DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA DA UNIÃO. DESCABIMENTO. MERO EXERCÍCIO DE COMPETÊNCIA MUNICIPAL. ADIN JULGADA IMPROCEDENTE. A disciplina legislativa em matéria regular o exercício do comércio é de competência municipal, e pertine ao Município cassar alvará de postos de combustíveis quem os forneça fraudados ou com defraudação da quantidade abastecida, à luz do artigo 30, incisos I e II, da CF e artigo 24, § 2º, da Constituição Paulista. Lei local que não invade a esfera de competência privativa e que, portanto, não está fulminada de inconstitucionalidade, mas deve subsistir no ordenamento local. (Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 130.917.0/9-00, relator o Des. RENATO NALINI) Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 162.886.0/5-0. Lei municipal prevendo a cassação de alvará de funcionamento de postos de revenda de combustível comprovadamente adulterados. Alegação de vício de iniciativa e ausência de previsão de fonte de custeio. Inocorrência. Lei que não conflita com a legislação federal e de iniciativa concorrente da Câmara Municipal. Ausência de despesas. Ação improcedente. (TJSP Pleno. ADI. Rel. Boris Kauffmannn. 29/04/2009) TJSP. ADIn nº 2.218.927-69.2018.8.26.0000. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei nº 5.363, de 27.08.18, do Município de Mauá, a qual “dispõe sobre a cassação do alvará de funcionamento de postos de combustíveis estabelecidos no município que adulterarem, comercializarem, estocarem, transportarem ou oferecerem aos consumidores combustíveis adulterados e dá outras providências”.Vício de competência legislativa. Inocorrência. A cassação do alvará de funcionamento de postos se insere no âmbito do poder de polícia do Município sobre o comércio de combustíveis. Inequívoco interesse local na regulamentação da matéria (art. 30, I, CF). Questão consumerista ventilada apenas de modo indireto e mediato, não acarretando usurpação da competência da União ou Estados (art. 24, V, da CF). Ademais, a fiscalização sobre os postos de combustível pelo Procon (Lei Estadual nº 12.675/07) pode coexistir perfeitamente como policiamento realizado pela Municipalidade sobre referidos estabelecimentos. Legítimo exercício de competência legislativa pelo Município de Mauá. Vício de iniciativa. Inocorrência. Iniciativa legislativa comum. Recente orientação do Eg. Supremo Tribunal Federal. Organização administrativa. Cabe ao Executivo a gestão administrativa. Lei de iniciativa parlamentar, nos §§ 1º e 2º de seu art. 2º, disciplinou o prazo de duração do processo administrativo para averiguar possíveis irregularidades (90 dias) e a sanção a ser imposta aos responsáveis pelo estabelecimento infrator (proibição, por três anos, de obtenção de novo alvará para qualquer ramo de atividade). Descabimento. Ingerência em matéria administrativa. Desrespeito ao princípio constitucional da 'reserva de administração' e separação dos poderes. Afronta a preceitos constitucionais (arts. 5º; 47, inciso XIV e 144 da Constituição Estadual). Inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei Municipal nº 5.363/18. Ação procedente, em parte. No acórdão supra o TJSP entendeu pela inconstitucionalidade de dispositivos normativos da proposta os quais foram além e desceram “a pormenores como (i) o prazo de duração do processo de administrativo a ser instaurado para averiguar possíveis irregularidades (90 dias §1º do art. 2º) e (ii) a sanção a ser imposta aos responsáveis pelo estabelecimento (proibição, por três anos, de obtenção de novo alvará para qualquer ramo de atividade §1º do art. 2º), exatamente o que se verifica no art. 1º, §§ 1º e 2º e no art. 3º do PL Nº 010/2020. Quanto à matéria de fundo, a Lei Federal nº 9.847, de 26 de outubro de 1999, dispõe sobre a fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, como a qualidade e fiscalização dos combustíveis, assim como sanções administrativas próprias para as infrações às diretrizes nela dispostas, sendo que essa norma não conflita, no entanto, com o texto proposto pelo PL nº 010/2020 em análise, não havendo sobreposição ou conflito. Ademais, a atual redação, como disposta na proposta original, esbarra no disposto na Lei Complementar nº 95/98, a qual estabelece regras acerca da redação das leis e dispõe em seu artigo 8º que “A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão”, sugerindo-se a seguinte redação: “Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”. [1] RE 1.151.237; RE 1.052.719. [2] RE 610.221 RG Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela possibilidade de o Presidente devolver por despacho fundamentado o Projeto de Lei n.º 010/2020, da Vereadora Claudinha Jardim (DEM), para correção, visto que caracteriza invasão da iniciativa legislativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo Municipal e inconstitucionalidade manifesta, em afronta ao que dispõe a Constituição Federal, por extrapolar a iniciativa legislativa do Prefeito Municipal expressa no art. 61, § 1º da CF/88. A correção pode se dar com a supressão dos §§ 1º e 2º do art. 1º e do artigo 3º, por caracterizar afronta ao princípio da separação entre os Poderes insculpido no art. 2º da Constituição Federal. É o parecer. Guaíba, 04 de fevereiro de 2020.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS nº 107.136 O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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