PARECER JURÍDICO |
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"Altera a Lei Municipal n.º 3.754/2019, cria e extingue cargos e dá outras providências" 1. Relatório:O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 006/2020 à Câmara Municipal, que altera a Lei Municipal nº 3.754/2019, cria e extingue cargos e dá outras providências. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal. 2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICAA Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante. Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”. Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico. 3. MÉRITODe fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). 3.1 Da competência legislativa e da iniciativa do processo legislativo Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o art. 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o art. 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”. Verifica-se, também, estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da criação e extinção de cargos em comissão e de funções gratificadas no âmbito do Poder Executivo, medidas privativas do Prefeito, nos termos do art. 60, II, alínea “a”, da Constituição Estadual Gaúcha e, simetricamente, do artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal:
3.2 Dos aspectos materiais da proposição Como decorrência do princípio constitucional da impessoalidade, o provimento de cargos e empregos públicos na Administração Pública exige, como regra, a aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma do inciso II do art. 37 da CF/1988. Excepcionalmente, entretanto, é possível a criação de cargos de provimento em comissão ou de funções gratificadas quando as demandas funcionais envolverem a direção, a chefia ou o assessoramento de órgãos e agentes públicos. Essa regra de exceção está inscrita no art. 37, inc. V, da CF/1988, que prevê: “as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”. Considerando ser pressuposto das funções gratificadas e dos cargos em comissão o exercício de direção, chefia ou assessoramento de órgãos e servidores, há uma necessária relação de confiança entre o agente e a autoridade a quem se subordina hierarquicamente, dirigindo-se as atribuições ao atendimento de demandas superiores da Administração Pública, sem o propósito de viabilizar a execução de tarefas burocráticas, técnicas ou operacionais do Poder Público, reservadas aos servidores públicos efetivos. Tais pressupostos são indispensáveis para a validade jurídica das leis que instituam funções gratificadas ou cargos em comissão. Isso porque o não atendimento desses requisitos afronta a regra do concurso público (art. 37, II, da CF/88) e torna a lei materialmente inconstitucional desde o seu nascedouro. São vários os precedentes da jurisprudência nacional no sentido da inconstitucionalidade de leis que criaram funções de confiança ou cargos em comissão com a previsão de atribuições diversas das de direção, chefia ou assessoramento de órgãos e agentes públicos, sendo pertinente destacar alguns deles:
Da leitura das atribuições dos cargos e funções constantes no Anexo I do Projeto de Lei nº 006/2020, não se constata incompatibilidade flagrante com as tarefas outorgadas pela CF/88 aos cargos em comissão e às funções gratificadas. Isso porque, de modo geral, estão relacionadas às atividades de chefia, de assessoramento, de coordenação estratégica e de planejamento. De toda forma, considerando que são diversos os casos em que o Judiciário declara a inconstitucionalidade de cargos em comissão e funções de confiança por dissonância com o inciso V do art. 37 da CF/88, recomenda-se atenção para o conteúdo das atribuições, revisando-se a proposição nesse ponto, se for o caso. 3.3 Da função de Assessor Técnico Responsável pela Área Enfermagem Conforme prevê o Quadro de Funções Gratificadas do art. 3º da Lei Municipal nº 3.754/2019, já existem duas funções gratificadas de “Assessor Técnico Responsável pela Área Enfermagem” na estrutura administrativa, remuneradas com o padrão FG-4. De acordo com a justificativa da proposição, pretende-se a extinção de uma função gratificada de “Assessor Técnico Responsável pela Área Enfermagem” (padrão FG-4) e a criação de duas outras da mesma natureza, com padrão FG-3. Dessa forma, com a eventual aprovação do projeto, existirão na Lei nº 3.754/2019 três funções gratificadas de “Assessor Técnico Responsável pela Área Enfermagem”, duas delas remuneradas com padrão FG-3 e uma com FG-4, sendo as atribuições exatamente as mesmas. Entende-se que tal distinção de padrões remuneratórios, sem reflexo nas atribuições das mesmas funções gratificadas, ofende o disposto no § 1º do art. 39 da CF/88, já que serão remunerados de forma diferenciada servidores públicos que assumirão idênticas atribuições legais. Leia-se o dispositivo constitucional:
Assim, tendo como base o § 1º do art. 39 da CF/88 e o princípio da isonomia (art. 5º, “caput”, da CF/88), deve haver correção quanto à formação do quadro de funções gratificadas no que respeita ao “Assessor Técnico Responsável pela Área Enfermagem”, para que não haja distinção de padrões remuneratórios referentes a idênticas atribuições legais. 3.4 Do cumprimento das exigências orçamentário-financeiras Além do atendimento da competência e da iniciativa, o projeto que verse sobre a criação de cargos e funções deve demonstrar o cumprimento de requisitos de ordem orçamentária, previstos no artigo 169, § 1º, da CF/88 e na Lei Complementar Federal nº 101/00 – Lei de Responsabilidade Fiscal. Prevê o artigo 169, caput e § 1º, da CF/88:
Na Lei de Responsabilidade Fiscal, também preceitua o seu art. 17:
Leia-se trecho de material divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional, vinculada ao Ministério da Fazenda, demonstrando a necessidade de instrução do processo legislativo com a estimativa do impacto orçamentário-financeiro[1]:
Portanto, consoante dispõe o art. 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal, a despesa derivada de lei que fixe ao ente uma obrigação legal de execução por período superior a dois exercícios é considerada despesa obrigatória de caráter continuado, sendo exigida pelo § 1º do mesmo dispositivo legal a instrução com estimativa de impacto orçamentário-financeiro que contemple a origem dos recursos, comprovação de não comprometimento das metas de resultados fiscais, premissas e metodologia de cálculo. Ademais, estabelecem os artigos 19 e 20 da LC nº 101/00:
Nesses termos, para fins de instrução do processo legislativo e comprovação da legalidade da proposição, faz-se também necessária a demonstração dos atuais limites de controle da despesa total com pessoal, tendo em vista que, na forma do art. 22, parágrafo único, II, da LRF, é vedada a criação de cargos, empregos e funções se o Poder ou órgão atingir 95% do limite calculado sobre a receita corrente líquida (51,30% para o Executivo). [1] Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/435710/CPU_Item_1_3_Definicoes_sobre_o_artigo_16_da_LRF.pdf/85cc847b-63bf-4aba-8487-d4df9e3e8583>. 4. ConclusãoDiante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria, em conclusão, entende que a viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 006/20 está condicionada à revisão do quadro de funções gratificadas quanto ao “Assessor Técnico Responsável pela Área Enfermagem” (item 3.3) e à instrução do processo legislativo com o impacto orçamentário-financeiro que contemple as exigências dos arts. 17 e 20 da LRF. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 04 de fevereiro de 2020. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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