Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 009/2020
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 019/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Obriga os proprietários de cães a colocarem placa com o dizer "Cuidado Cão Bravo" em suas residências"

1. Relatório:

 Veio ao exame desta Procuradoria o Projeto de Lei nº 009/2020, apresentado pelo Vereador Manoel Eletricista (CDD), o qual “Obriga os proprietários de cães a colocarem placa com o dizer "Cuidado Cão Bravo" em suas residências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. Parecer:

Preliminarmente, constata-se que a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativo do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente, e no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

 IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

O E. Supremo Tribunal Federal precisou que as competências legislativas do município caracterizam-se pelo princípio da predominância do interesse local e ressaltou ser salutar que a interpretação constitucional de normas dessa natureza seja mais favorável à autonomia legislativa dos Municípios, haja vista ter sido essa a intenção do constituinte ao elevar os Municípios ao status de ente federativo na Constituição Cidadã de 1988.[1] Nessa perspectiva a doutrina de Alexandre de Moraes leciona que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)". (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740).

Para o STF, essa autonomia revela-se fundamentalmente quando o Município exerce, de forma plena, sua competência legislativa em matéria de interesse da municipalidade, como previsto no art. 30, I, da CF.[2] Por esse ângulo, a matéria normativa constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 009/2020, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), visa regular matéria relativa ao exercício de polícia administrativa em âmbito local, especificamente com a previsão de posturas municipais, as quais obrigam os proprietários de cães a afixarem placas com o dizer “Cuidado Cão Bravo”.

Além disso, a CE/RS, no artigo 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.

No presente caso, a medida está realmente inserida no âmbito das posturas municipais, cuja competência para definição é do Município. O poder de polícia, no magistério de Hely Lopes Meirelles é a “faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”, estando limitado seu exercício através da “Constituição Federal, de seus princípios e da lei” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 133 e 137).

A própria Constituição Federal garante tal prerrogativa aos entes municipais em seu artigo 174, caput, in verbis:

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Como referido supra, é o que estabelece a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, no seu artigo 13, inciso I:

Art. 13. É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado:

I – exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais;

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado. A Lei Orgânica Municipal também prevê a competência para tanto.

Destarte, quanto à matéria de fundo não há qualquer óbice à proposta.

  

A jurisprudência colacionada a seguir ampara a legalidade da proposição em análise, inclusive com a previsão de multas por incumprimento das normas atinentes às posturas veiculadas, valendo a pena trazer à tona decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo nesse sentido:

TJSP. 1024383-87.2016.8.26.0576 Apelação / Multas e demais Relator(a): Rezende Silveira Comarca: São José do Rio Preto Órgão julgador: 15ª Câmara de Direito Público. Data do julgamento: 23/03/2017. Data de registro: 27/03/2017. Ementa: APELAÇÃO – EMBARGOS À EXECUÇÃO – Multa por descumprimento de Lei Municipal – Município de São José do Rio Preto – Atendimento em agência bancária – Lei Municipal nº 10.761/2010, que determinou a instalação de divisórias entre os caixas das agências bancárias – Lei que já foi declarada constitucional pelo C. Órgão Especial - Violação à Constituição não configurada – Multa que, ademais, não possui caráter confiscatório, mostrando-se adequada ao propósito de desestimular as condutas que a ensejam - Sentença mantida – Recurso improvido.

E no mesmo sentido tem assentado o TJRS:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR Nº. 530/2017, DO MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL, QUE REGULAMENTA A OBRIGAÇÃO QUE OS PROPRIETÁRIOS OU INQUILINOS POSSUEM DE REALIZAR A LIMPEZA E A MANUTENÇÃO DO PASSEIO PÚBLICO FRONTEIRIÇO AO IMÓVEL QUE POSSUEM. AUSÊNCIA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES, DA AMPLA DEFESA E DA IGUALDADE. I) Inexiste ofensa aos artigos 60, ‘d’, e 82, VII, da Constituição Estadual, visto que a Lei Complementar nº. 530/2017 não dispõe sobre organização, funcionamento ou estruturação da administração pública municipal. II) A referida Lei, ao prever a obrigação de ressarcimento ao Município de Caxias do Sul pelas eventuais despesas com a realização dos reparos, não está criando a obrigação de o Poder Público providenciar a manutenção devida, mas tão-somente o dever de o particular ressarci-lo. III) Da mesma forma ausente ofensa aos princípios da ampla defesa e da isonomia na aplicação da multa na primeira notificação, porquanto há previsão de defesa do particular no Código de Posturas do Município. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE IMPROCEDENTE. UNÂNIME.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70075985747, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em: 13-08-2018).

Faz-se necessária correção quanto à disposição normativa do art. 4º, podendo o parlamentar estabelecer detalhadamente eventual multa por descumprimento da conduta imposta, já que multas podem ser estabelecidas apenas por lei, em observância ao princípio da reserva legal – somente a lei pode descrever infração e impor penalidade, consoante assentado pelo E. STF:

STF. O Plenário, por maioria, (...) deu interpretação conforme a Constituição ao art. 161, parágrafo único, do CTB, para afastar a possibilidade de estabelecimento de sanção por parte do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) e, por decisão majoritária, declarou a nulidade da expressão ‘ou das Resoluções do Contran’ constante do art. 161, caput, do CTB (...). O requerente alegou (...) a incompatibilidade do parágrafo único do art. 161 do CTB com o disposto no art. 5º, II, da Constituição Federal (CF), pois a possibilidade de edição, pelo Contran, de resoluções com previsão de sanções administrativas sem a instauração do correspondente processo administrativo violaria o princípio da legalidade. (...) Em relação ao art. 161, o colegiado conferiu interpretação conforme a Constituição, para declarar inconstitucional a possibilidade do estabelecimento de sanção por parte do Contran, como se órgão legislativo fosse, visto que as penalidades têm de estar previstas em lei em sentido formal e material. Assim, por ato administrativo secundário, não é possível inovar na ordem jurídica. A Corte declarou, ainda, a nulidade da expressão ‘ou das Resoluções do Contran’ constante do art. 161, caput, do CTB, pelos mesmos motivos.

[ADI 2.998, rel. p/ o ac. min. Ricardo Lewandowski, j. 10-4-2019, P, 

Informativo 937.]

Preconiza-se também a verificação de necessidade de dar prazo para que a lei entre em vigor, nos termos da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998:

Art. 8º A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão.

Ademais, a atual redação, como disposta na proposta original, acaba por obrigar todos os proprietários de cães a afixarem a placa, o que nos parece desproporcional, visto que nem todos os proprietários possuem cão bravo.

Sendo assim, recomenda-se, em observância à Lei Complementar nº 95/98, a qual estabelece regras acerca da redação das leis e dispõe em seu artigo 11 que as disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica e obriga a articulação da linguagem de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma e em homenagem ao princípio da razoabilidade, que o artigo 1º seja redigido de tal forma que especifique a obrigação apenas aos proprietários de cães bravos:

“Art. 1º Ficam os proprietários de cães bravos obrigados a colocarem placas nos muros, grades e portões de suas residências com o dizer “CUIDADO CÃO BRAVO”.

[1] RE 1.151.237; RE 1.052.719.

[2] RE 610.221 RG

Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 009/2020, por inexistirem óbices de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que observadas as alterações recomendadas quanto aos arts. 1º e 4º.

É o parecer.

Guaíba, 31 de janeiro de 2020.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136



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