Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 008/2020
PROPONENTE : Ver. Florindo Motorista
     
PARECER : Nº 017/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Fica instituída, a Semana Municipal de Incentivo à Adoção e Acolhimento, a ser realizada, anualmente na semana que antecede o dia 25 de maio e dá outras providências"

1. Relatório:

 O Vereador Florindo Motorista (PSD) apresentou o Projeto de Lei nº 008/2020 à Câmara Municipal, objetivando instituir a “Semana Municipal de Incentivo à Adoção e Acolhimento, a ser realizada, anualmente, na semana que antecede o dia 25 de maio”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores.

2. Parecer:

A matéria de fundo insere-se na competência local, não havendo qualquer óbice à proposta. O E. Supremo Tribunal Federal precisou que as competências legislativas do município caracterizam-se pelo princípio da predominância do interesse local e ressaltou ser salutar que a interpretação constitucional de normas dessa natureza seja mais favorável à autonomia legislativa dos Municípios, haja vista ter sido essa a intenção do constituinte ao elevar os Municípios ao status de ente federativo na Constituição Cidadã de 1988.[1]

A Suprema Corte assentou ainda que nessas circunstâncias há de se prestigiar a vereança local, que bem conhece a realidade e as necessidades da comunidade, inexistindo, de fato, um critério objetivo que possa delimitar de maneira absolutamente garantida se a matéria normatizada extrapola o interesse da municipalidade. Para o STF, essa autonomia revela-se fundamentalmente quando o Município exerce, de forma plena, sua competência legislativa em matéria de interesse da municipalidade, como previsto no art. 30, I, da CF.[2]

Sendo assim, a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativa do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, princípio estruturante da organização institucional do Estado brasileiro que garante a autonomia a este ente, bem como no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios. O referido artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, dispõe que:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

(...)

A instituição de datas a serem celebradas no âmbito municipal é assunto de interesse local, verificando-se que a proposta legislativa ora em análise encontra-se ao abrigo do comando constitucional que estabelece a competência legislativa ao Município, não havendo, portanto, sob esse prisma, óbice material à regular tramitação do Projeto de Lei n.º 008/2020, de autoria do Ver. Florindo Motorista (PSD).

Cada ente federado possui autonomia para a instituição de datas comemorativas que digam respeito a fatos ou pessoas que façam parte de sua história ou que interessem à comunidade local, só havendo limites quanto à fixação de feriados, por força de legislação federal de regência (Lei nº 9.093/1995), o que, no entanto, não se verifica na situação em análise (vide ADI nº 3.069/DF e ADI nº 4.820/Amapá - a data em tela não pode ser constituída feriado por norma local, mas tão somente data comemorativa, destituída dos efeitos àquele atribuídos.).

Não resta caracterizada afronta ao princípio da separação entre os poderes, insculpido no art. 2º da Constituição Federal, já que a proposição não pretende incluir a “Semana Municipal de Incentivo à Adoção e Acolhimento” no Calendário Municipal de Eventos.

Nada impede, conforme tem entendido esta Procuradoria, iniciativa parlamentar no sentido de instituir a celebração em si, com previsão de objetivos específicos, desde que não imponha ou “permita” medidas ao Executivo.

Nesse sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

DECISÃO: Trata-se de agravo de instrumento cujo objeto é decisão que negou seguimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CRIAÇÃO DO DIA MUNICIPAL DO ALCOÓLICO ANÔNIMO - AUSÊNCIA DE VÍCIO DE INICIATIVA. A Lei que instituiu o dia Municipal do Alcoólico Anônimo, não interfere em matéria cuja iniciativa legislativa é exclusiva do Poder Executivo, não padecendo, consequentemente, de vício de iniciativa.” O recurso extraordinário busca fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal. A parte recorrente alega violação ao art. 2º da Constituição. Por meio de despacho de fls. 142, o relator originário, Ministro Joaquim Barbosa, determinou o sobrestamento do feito até o julgamento do RE 586.224-RG. Afasto o sobrestamento e passo à análise do recurso. O recurso extraordinário é inadmissível. De início, nota-se que a parte recorrente não apresentou mínima fundamentação quanto à repercussão geral das questões constitucionais discutidas, limitando-se a fazer observações genéricas sobre o tema. Tal como redigida, a preliminar de repercussão geral apresentada poderia ser aplicada a qualquer recurso, independentemente das especificidades do caso concreto, o que, de forma inequívoca, não atende ao disposto no art. 543-A, § 2º, do CPC/1973, vigente à época. Como já registrado por este Tribunal, a “simples descrição do instituto da repercussão geral não é suficiente para desincumbir a parte recorrente do ônus processual de demonstrar de forma fundamentada porque a questão específica apresentada no recurso extraordinário seria relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico e ultrapassaria o mero interesse subjetivo da causa” (RE 596.579-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski). O Tribunal de origem julgou improcedente o pedido de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 9.607/2008, que instituiu o Dia Municipal dos Alcoólicos Anônimos – AA, sob o fundamento de que referida norma “não dispõe ou regulamenta funcionamento e/ou organização da Administração Pública ou de qualquer de seus órgãos”. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que não há burla à reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo na hipótese em que o projeto de lei parlamentar: (i) não preveja aumento de despesas fora dos casos constitucionalmente autorizados; e (ii) não disponha sobre atribuições ou estabeleça obrigações a órgãos públicos.

A lei que autoriza o Poder Executivo a agir em matérias de sua iniciativa privada implica, em verdade, uma determinação, sendo, portanto, inconstitucional. Nesse sentido, em observância à referida jurisprudência dos tribunais, devem ser suprimidas do artigo 3º da proposição as expressões “Poder Executivo, Poder Judiciário e Ministério Público”, já que pretendem determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional a realizar campanhas referentes à Semana Municipal:

TJ-RS - Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 70023542715 RS (TJ-RS) Data de publicação: 22/09/2008 Ementa: ADIN. GUAPORÉ. LEI Nº 20/07 QUE DISPÕE SOBRE A CRIAÇÃO DA PATRULHA AMBIENTAL MIRIM NO MUNICÍPIO DE GUAPORÉ E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. LEI MERAMENTE AUTORIZATIVA, COM INICIATIVA NA CÂMARA DOS VEREADORES, QUE CRIA DESPESAS PARA A ADMINISTRAÇÃO E DETERMINA PRAZOS AO EXECUTIVO. VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA, INTERFERINDO NA ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. OFENSA AOS ARTS. 8º, 10, 60, II D E 82, II E VII DA CARTA ESTADUAL. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70023542715, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vasco Della Giustina, Julgado em 30/06/2008)

“LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir. O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o principio constitucional da separação de poderes. VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal. LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (TJSP, ADI 142.519-0/5-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, 15-08-2007). “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALÍDADE - LEI N° 2.057/09, DO MUNICÍPIO DE LOUVEIRA - AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A COMUNICAR O CONTRIBUINTE DEVEDOR DAS CONTAS VENCIDAS E NÃO PAGAS DE ÁGUA, IPTU, ALVARÁ A ISS, NO PRAZO MÁXIMO DE 60 DIAS APÓS O VENCIMENTO – INCONSTITUCIONALÍDADE FORMAL E MATERIAL - VÍCIO DE INICIATIVA E VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - INVASÃO DE COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO - AÇÃO PROCEDENTE. A lei inquinada originou-se de projeto de autoria de vereador e procura criar, a pretexto de ser meramente autorizativa, obrigações e deveres para a Administração Municipal, o que redunda em vício de iniciativa e usurpação de competência do Poder Executivo. Ademais, a Administração Pública não necessita de autorização para desempenhar funções das quais já está imbuída por força de mandamentos constitucionais” (TJSP, ADI 994.09.223993-1, Rel. Des. Artur Marques, v.u., 19-05-2010).

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal n° 2.531, de 25 de novembro de 2009, do Município de Andradina, 'autorizando' o Poder Executivo Municipal a conceder a todos os alunos das escolas municipais auxílio pecuniário para aquisição de material escolar, através de vale-educação no comércio local. Lei de iniciativa da edilidade, mas que versa sobre matéria reservada à iniciativa do Chefe do Executivo. Violação aos arts. 5º, 25 e 144 da Constituição do Estado. Não obstante com caráter apenas 'autorizativo', lei da espécie usurpa a competência material do Chefe do Executivo. Ação procedente” (TJSP, ADI 994.09.229479-7, Rel. Des. José Santana, v.u., 14-07-2010).

Quanto à técnica legislativa, a proposição deve também ser corrigida para estar em consonância com o que dita a Lei Complementar N.º 95 de 26 de fevereiro de 1998, que “Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona” com suas alterações posteriores (LC nº 107/2001). O artigo 3º da LC 95/98 elenca como deve ser estruturada a lei, sendo que a EPÍGRAFE deve ser grafada em caracteres maiúsculos (art. 4º da LC 95/98).

[1] RE 1.151.237; RE 1.052.719.

[2] RE 610.221 RG

Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 008/2020, de autoria do Ver. Florindo Motorista (PSD), por inexistirem óbices de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que suprimidas a expressões “Poder Executivo, Poder Judiciário e Ministério Público, por pretenderem determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, configurando-se inconstitucional, observada ainda a correção de técnica legislativa.

É o parecer.

Guaíba, 28 de janeiro de 2020.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136



O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 28/01/2020 ás 11:01:04. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 1abb5966252bedf153534404b5e0d11a.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 77720.