Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 002/2020
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 014/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a concessão de 20% (vinte por cento) de desconto para pagamento em parcela única do IPTU, exercício 2020"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 002/2020 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a concessão de 20% (vinte por cento) de desconto para o pagamento em parcela única do IPTU no exercício de 2020. O projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico, com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, uma vez que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, além de referir-se à competência constitucional de arrecadar os tributos que cabem ao referido ente federativo, entre os quais está o IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano, objeto do presente projeto de lei.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 002/2020 propõe a concessão de benefício àqueles que fizerem o pagamento do IPTU em parcela única até o dia 15 de março de 2020, matéria para a qual é reconhecida a iniciativa concorrente, nos termos do artigo 61 da CF/88, artigo 59 da CE/RS e artigo 38 da Lei Orgânica Municipal.

A respeito disso, cumpre salientar que, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, cabe ao Município a responsabilidade pela consecução de sua legislação tributária, pertencendo ao Executivo, ao Legislativo e, ainda, à população, através de iniciativa popular, a iniciativa dos referidos projetos de lei, por não haver qualquer restrição expressa à iniciativa para matéria tributária:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA PERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I. A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II. A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III. Agravo Regimental improvido. (STF - RE: 590697 MG, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-171 DIVULG 05-09-2011 PUBLIC 06-09-2011 EMENT VOL-02581-01 PP- 00169).

No caso, o projeto em questão partiu do próprio Poder Executivo, que procura, como de praxe, instituir o direito de o contribuinte obter desconto de 20% no pagamento do IPTU em cota única, não havendo, pois, qualquer obstáculo constitucional à competência e à iniciativa exercidas na proposta.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o desconto pelo pagamento em cota única do IPTU caracteriza remissão parcial do crédito tributário, prevista no artigo 156, inc. IV, do Código Tributário Nacional, considerando que o desconto ocorre após o lançamento do crédito tributário. A isenção e a anistia, por sua vez, excluem o crédito tributário, sendo anteriores ao lançamento e impedindo que aquele se forme, com a diferença de que a isenção se refere ao tributo em espécie, enquanto a anistia se liga às penalidades pecuniárias (multas, juros de mora...). Tratando-se de remissão – já que, como visto, o desconto sobre o valor do IPTU ocorre após lançamento –, exige o artigo 150, § 6º, da CF/88 a edição de lei específica para a concessão do benefício, nos seguintes termos:

  • 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.

O artigo 30 do Código Tributário Municipal, da mesma forma, estabelece a possibilidade de concessão de remissão parcial ao crédito tributário, mediante desconto no pagamento integral do IPTU em cota única, desde que haja regulamentação específica anualmente, como se vê:

Art. 30 Anualmente o Município disporá sobre o pagamento do IPTU, indicando a possibilidade de pagamento integral em cota única ou em parcelas, estipulando o número de parcelas e fixando datas dos vencimentos, vedado que ultrapassem o exercício financeiro.

Parágrafo Único. O Município poderá conceder desconto diferenciado pelo pagamento do IPTU, em cota única ou em prestações, entre 20% (vinte por cento) e 2% (dois por cento), na forma que a lei dispuser. (Redação dada pela Lei nº 3243/2015).

A remissão de créditos tributários, à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal, configura renúncia de receita, de acordo com o previsto no § 1º do artigo 14:

A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.”

Para que a renúncia de receita seja legal e regular, é necessário que seja demonstrado o cumprimento dos requisitos do artigo 14 da LRF:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: (Vide Medida Provisória nº 2.159, de 2001) (Vide Lei nº 10.276, de 2001):

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

Para que a renúncia de receita seja regular, necessária a demonstração de que tenha sido previamente considerada na proposta orçamentária anual ou que haja medidas de compensação, como exigem os incisos I e II do art. 14 da Lei Complementar Federal nº 101/00. Na situação da proposição em análise, o Anexo VII da Lei Orçamentária Anual de 2020, aprovada através do Projeto de Lei nº 044/2019 do Executivo, prevê a renúncia de receita de R$ 686.400,00, dentre outros pela concessão de desconto por pagamento em cota única do IPTU, objetivando maior arrecadação. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2020 também estabelece essa previsão de renúncia em seu artigo 32, b). Ambos os documentos estão anexos ao presente parecer.

Assim, embora tenha sido demonstrada a previsão, na Lei Orçamentária Anual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias, de que a renúncia foi considerada na estimativa da receita a partir de um anexo de renúncias, nos termos do inciso I do artigo 14 da LRF, por força do que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal, considerando que a estimativa de impacto orçamentário-financeiro não foi apresentada neste projeto, para que não haja obstáculos materiais ou formais, deve ser apresentado estudo de impacto orçamentário e financeiro Pelo Poder Executivo Municipal contemplando as exigências do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº 101/00).

Quanto às condutas vedadas aos agentes públicos em período eleitoral estabelecidas pela Lei nº 9.504/1997 – Lei Eleitoral -, verifica-se que o benefício fiscal em tela não se trata de ato episódico da administração municipal, inserindo-se no contexto de planejamento governamental, fundado em estudos técnicos que evidenciam a viabilidade da concessão (RO nº. 733/GO e RCEd nº. 703/SC), tendo sido inclusive previstos na LDO 2020 e na LOA 2020 e a priori não podem ser caracterizados como objeto de uso promocional em favor de candidato, partido ou coligação.

Quanto ao desconto para pagamento do IPTU em ano eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral já assentou entendimento de que evidenciadas a identidade do meio normativo e períodos concedidos em outros exercícios financeiros, como também o mesmo índice, já previsto no Código Tributário Municipal, tratando-se, pois, de mera repetição mediante critérios objetivos não há que se falar em conduta vedada. É o que se extrai do recente Acórdão nº 27263, de 07/05/2019, do TSE no Recurso Eleitoral nº 16631:

ELEIÇÕES 2016. RECURSOS ELEITORAIS. REPRESENTAÇÃO. PREFEITO. VICE-PREFEITO. CONDUTAS VEDADAS AOS AGENTES PÚBLICOS. ART. 73, DA LEI 9.504/97. CONCESSÃO DE DESCONTO PARA PAGAMENTO DO IPTU (§10). NÃO-OCORRÊNCIA.  PRECEDENTE TSE. ANÁLISE FÁTICA. PRÁTICA REITERADA. PREVISÃO LEGAL DO ÍNDICE. CRITÉRIOS OBJETIVOS. VEICULAÇÃO DE PROPAGANDA INSTITUCIONAL VIA RESPECTIVO CARNÊ. INSUFICIÊNCIA.  CONTRATAÇÃO E DEMISSÃO DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS (INCISO V). EXCEPCIONALIDADE NÃO-COMPROVADA. ILÍCITO CONFIGURADO. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. MANUTENÇÃO DE PLACA DE OBRA PÚBLICA NO PERÍODO VEDADO (INCISO VI, "B"). AUSÊNCIA DE PROVA. GASTOS COM PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. NÃO-DEMONSTRAÇÃO. COMPROVAÇÃO E VALORES CORRESPONDENTES À MÉDIA. AFASTAMENTO. MANUTENÇÃO DA MULTA POR FUNDAMENTO DIVERSO. SOLIDARIEDADE RECONHECIDA. CASSAÇÃO DE DIPLOMAS INADEQUADA AO CASO. RECURSO PROVIDO EM PARTE. 1. Ao teor da Cta 368-15/DF, do Tribunal Superior Eleitoral, a análise de implementação de medidas de natureza fiscal com escopo no § 10, do art. 73, da Lei 9.504/1997, deve ser feita com vistas ao quadro fático-jurídico extraído do caso concreto. 2. Na situação sub judice a controvérsia refere-se ao desconto concedido para o pagamento em cota única aos contribuintes do IPTU, contudo, restaram evidenciadas a identidade do meio normativo e períodos concedidos em outros exercícios financeiros, como também o mesmo índice, já previsto no Código Tributário Municipal, tratando-se, pois, de mera repetição mediante critérios objetivos. 3. As circunstâncias expostas em conjunto com o entendimento da Corte Superior Eleitoral desconstituem a teoria de que a conduta foi casuística pelo período eleitoral. 4. Os carnês de IPTU, isoladamente, são extremamente frágeis para uma eventual configuração de propaganda institucional, mesmo porque se trata de uma das principais receitas tributárias do município, e, ainda que seja impositivo, é comum que os entes trabalhem com regras de marketing para conscientizar a importância do pagamento. 5. A simples nomenclatura de cargos pela legislação para a contração temporária não é suficiente, devendo ser avaliado os requisitos constitucionais inerentes à espécie: necessidade temporária e excepcional interesse público. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 6. A par disso, as contratações em exame são, em sua maioria, atividades permanentes e não se interligam ao caráter de essencialidade diretamente à população, mas sim reflete a ausência de planejamento e/ou não atendimento da regra do concurso público. No âmbito eleitoral, ganha contornos ainda maiores, a fim de que a máquina pública não seja empregada como meio de favorecimento a determinado candidato, notadamente pelo equilíbrio do pleito. 7. Não estando os cargos contratados respaldados pela exceção contida na alínea d, do inciso V, do artigo 73 da Lei nº 9.504/97, impõe-se o reconhecimento da prática vedada. 8. Ausente a data de identificação da publicidade supostamente mantida em período vedado não é autorizada a presunção pelo simples fato de constar a data do término da obra. 9. Não comprovada a alegação de que todos os gastos apresentados com publicidade ocorreram durante o período eleitoral, bem como sendo estes compatíveis com a média dos anos anteriores, deve ser mantida a decisão que afastou a prática. 10. Recurso parcialmente provido para alterar apenas o fundamento, ante o reconhecimento da prática vedada do art. 73, inciso V, alínea d, da Lei 9.504/1997, mantendo, porém, a condenação solidária aos candidatos ao pagamento de multa no quantum arbitrado em primeiro grau, eis que compatível com os fatos. 11. Única infringência. Não-adequação a penalidade de cassação dos diplomas, nos termos do §4º, do art. 73, da Lei 9.504/1997, sendo suficiente a aplicação de multa. (Recurso Eleitoral nº 16631, ACÓRDÃO nº 27263 de 07/05/2019, Relator(a) ANTÔNIO VELOSO PELEJA JÚNIOR, Publicação: DEJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 2925, Data 22/05/2019, Página 2-4)

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 002/2020, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que seja apresentado estudo de impacto orçamentário e financeiro contemplando as exigências do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar Federal nº 101/00).

É o parecer.

Guaíba, 24 de janeiro de 2020.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136



O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 24/01/2020 ás 13:54:12. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 4ae8d7a84f8ee9d3f03706bea87a7c8f.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 77708.