Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 001/2020
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 015/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui o Calendário de Eventos do Município de Guaíba para o exercício de 2020"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 001/2020 à Câmara Municipal, objetivando instituir o Calendário de Eventos do Município de Guaíba para o exercício de 2020. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Com efeito, a CF/88 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas: 1) auto-organização, através da Lei Orgânica Municipal; 2) autogoverno, através da eleição de prefeito e vereadores; 3) autolegislação, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais; 4) autoadministração ou autodeterminação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, porque diz respeito aos eventos de natureza turística, cultural e desportiva no estrito âmbito do Município de Guaíba para o exercício de 2020.

A iniciativa para a deflagração do processo legislativo, por sua vez, está adequada, já que o projeto trata da fixação de calendário oficial dos eventos a serem realizados pelo Poder Executivo no exercício de 2020, o que envolve as matérias de organização administrativa, planejamento e execução de serviços públicos. Nesse ponto, é importante salientar que, de acordo com o artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, são de iniciativa privativa do Chefe do Executivo as propostas que versem sobre organização administrativa, o que é reforçado, em âmbito municipal, pelo disposto no artigo 52, inc. VI e X, da Lei Orgânica Municipal:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

(...)

X – planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais;

Em Guaíba, o calendário oficial de eventos é reavaliado anualmente, tendo sido aprovado, no ano de 2019, pela Lei Municipal nº 3.751, de 1º de fevereiro de 2019, a qual, como já foi dito, é de iniciativa do Prefeito enquanto responsável pelas questões relacionadas à organização administrativa e à execução dos serviços públicos. O anexo único à Lei nº 3.751/19 detalha, mês a mês, os eventos realizados pelo Município, o que novamente ocorre através da proposta em análise, a qual apresenta, em documento próprio, todos os eventos culturais, turísticos e esportivos planejados pelo Poder Executivo.

Em relação à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. A respeito disso, vale destacar que o artigo 215 da Constituição Federal refere que: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.” O seu § 2º, por sua vez, menciona: “A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos éticos nacionais”.

Igualmente, no que concerne ao turismo, o artigo 180 da CF/88 é claro ao referir que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico.” A CE/RS, por sua vez, estabelece, no artigo 240, que “O Estado instituirá política estadual de turismo e definirá as diretrizes a observar nas ações públicas e privadas, com vista a promover e incentivar o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico.” A Lei Orgânica de Guaíba, por fim, preceitua competir ao Município, concorrentemente com a União ou o Estado, ou supletivamente a eles, “incentivar o comércio, a indústria, a agricultura, o turismo e outras atividades que visem ao desenvolvimento econômico (artigo 9º, inc. XI).

Ademais, a CF/88 também cria o dever estatal de fomentar e promover as práticas desportivas formais e informais, visto que essencialmente ligado ao direito fundamental à saúde, também de responsabilidade do Estado em sentido amplo:

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;

III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não-profissional;

IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.

(...)

§ 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.

O grande número de eventos previstos pelo Calendário Oficial de Eventos atende ainda a questionamentos do TCE/RS, o que foi observado também quando instituído o Calendário Oficial de Eventos do exercício de 2019, uma vez que muitos desses eventos já eram executados pelo Município, mas não havia previsão no calendário oficial, o que deveria existir para fins de justificação da despesa.

Faz-se mister mencionar que, embora alguns eventos possam revelar, à primeira vista, vinculação à religiosidade, há outros aspectos jurídicos que também estão envolvidos, como a cultura – e aqui estão presentes os eventos como manifestações populares e até mesmo folclóricas – e o turismo, já que alguns desses eventos atraem milhares de pessoas de outros locais, fomentando a economia e o desenvolvimento local, interesses legítimos à luz da CF/88, da CE/RS e da Lei Orgânica Municipal. Ademais, destaca-se que a fixação do calendário oficial de eventos é medida que se inclui no poder discricionário do Chefe do Executivo, cabendo-lhe privativamente o exame da conveniência e da oportunidade das ações administrativas, assim como a responsabilidade pela regularidade das ações já planejadas.

Lapidar a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo quanto à Lei que institui como evento cultural do Município de Suzano o Dia da Bíblia, assentando entendimento por sua constitucionalidade:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei que institui como evento cultural oficial do município de Suzano o Dia da Bíblia – Ato normativo que cuida de matéria de interesse local – Mera criação de data comemorativa. Constitucionalidade reconhecida. Não ocorrência de vício de iniciativa do projeto de lei por vereador. Norma editada que não estabelece medidas relacionadas à organização da administração pública, nem cria deveres diversos daqueles genéricos ou mesmo despesas extraordinárias. Ação de Inconstitucionalidade julgada improcedente. Por força da Constituição, os municípios foram dotados de autonomia legislativa, que vem consubstanciada na capacidade de legislar sobre assuntos de interesse local, inclusive a fixação de datas comemorativas, e de suplementar a legislação federal e estadual no que couber (art. 30, I e II, da CF). A fixação de datas comemorativas por lei municipal não excede os limites da autonomia legislativa de que foram dotados os municípios. (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0140772-62.2013.8.26.0000, Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Des. Rel. Antonio Carlos Malheiros, j. 23/10/2013).

Ainda no que diz respeito à instituição de datas comemorativas alusivas a figuras ou símbolos religiosos, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal analisou a constitucionalidade de lei que instituiu o Dia do Evangélico, assentando o entendimento de que não há afronta ao principio da laicidade. No julgamento da AC 20010110875766 DF pela 4ª Turma Cível, o TJ/DF entendeu ser constitucional o feriado associando a ele o exercício regular de direito de culto religioso (art. 5º, VI, da CF). Da decisão extrai-se o seguinte ponto digno de nota, o qual sublinha que o ordenamento jurídico brasileiro admite a instituição de feriados religiosos:

1 - A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NO ART. 19, I, VEDA A UNIÃO, OS ESTADOS, O DISTRITO FEDERAL E OS MUNICÍPIOS, ESTABELECER CULTOS RELIGIOSOS OU IGREJAS, SUBVENCIONÁ-LOS, EMBARAÇAR-LHES O FUNCIONAMENTO OU MANTER COM ELES OU SEUS REPRESENTANTES RELAÇÕES DE DEPENDÊNCIA OU ALIANÇA. 2 - NÃO PROÍBE QUE ALGUM DESSES ENTES DA FEDERAÇÃO, NO EXERCÍCIO DE SUA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA, INSTITUA DATA COMEMORATIVA, A EXEMPLO DO QUE FEZ O DISTRITO FEDERAL, QUANDO INSTITUIU O DIA DO EVANGÉLICO. 3 - NÃO É, PORTANTO, INCONSTITUCIONAL LEI ASSIM EDITADA. E OS ATOS COMETIDOS COM BASE NELA SÃO VÁLIDOS, COMO SÓI ACONTECER COM A COMEMORAÇÃO DO DIA DO EVANGÉLICO QUE SE CARACTERIZA EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO - O DE CULTO RELIGIOSO (CF, ART. 5º, VI). E QUEM EXERCE UM DIREITO, SALVO ABUSO, NÃO CAUSA DANO A OUTREM (CC, ART. 160, I). 4 - VISLUMBRAR EM SITUAÇÕES QUE TAL PRECONCEITO OU DISCRIMINAÇÃO É EMPRESTAR RAZÃO À INTOLERÂNCIA RELIGIOSA, PRAGA QUE, AO LONGO DA HISTÓRIA, TEM FEITO E CONTINUA FAZENDO INÚMERAS VÍTIMAS. 5 - APELAÇÃO NÃO PROVIDA. Por outro lado, de se observar que instituir data comemorativa, religiosa, cívica ou atinente a alguma manifestação cultural, como ocorre com o carnaval, não configura discriminação ou preconceito. Sem qualquer razão de ser, portanto, a invocação da L. 9.459/97. Registre-se ainda que da mesma maneira que se instituiu, por lei, no âmbito do Distrito Federal, feriado no dia 30 de novembro, data comemorativa do dia do evangélico, vários são outros dias do ano, por tradição da religião católica, considerados feriados nacionais, em comemoração a algum dia santo, a exemplo dos feriados da Semana Santa, Corpus Christi, Nossa Senhora da Aparecida, Natal, para não dizer dos feriados municipais em comemoração ao dia da santa ou santo padroeiro da cidade. São dias dedicados à oração, peregrinação, meditação e reflexão dos católicos, mas que os crédulos de outras religiões, a exemplo dos evangélicos, não podem sentir constrangimento, vergonha, humilhação ou que estão sendo desmoralizados, porque obrigados a escutar referências a respeito da data comemorativa... De se observar, portanto, que a instituição do ferido religioso comemorativo ao dia do Evangélico está em perfeita harmonia com a Constituição Federal e com a legislação específica que rege a matéria. (TJ-DF AC 20010110875766 DF; 4ª Turma Cível, o TJ/DF. Data de publicação: 27/02/2002.) 

3. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 1/2020, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 24 de janeiro de 2020.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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