Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 001/2020
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 003/2020
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria a política de incentivo à participação de estudantes e professores da Rede Municipal de Ensino em eventos de pesquisa, inovação e ciências; incentivo a esportiva, audiovisuais e às bandas municipais e dá outras providências"

1. Relatório:

 O Projeto de Lei n.º 001/2020, de autoria do Vereador Dr. João Collares (PDT), que “Cria a política de incentivo à participação de estudantes e professores da Rede Municipal de Ensino em eventos de pesquisa, inovação e ciências; incentivo a esportiva, audiovisuais e às bandas municipais e dá outras providências”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições. 

2. Parecer:

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, §1º) - parlamento em que o controle vem sendo exercido, e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende criar obrigações ao Poder Executivo Municipal, particularmente no âmbito de sua Secretaria de Educação, o que se depreende da leitura de seus arts. 1º e 2º, dos quais decorre a inconstitucionalidade da proposição. Os referidos artigos tratam literalmente de diretrizes da política municipal de educação.

A matéria invade de maneira indevida a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º da Constituição Federal e consequência da substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, ao dispor a respeito da organização e coordenação das políticas públicas administrativas, as quais cabe exclusivamente ao Poder Executivo legislar e normatizar. Resta claro que a organização das atividades do ensino público na esfera da Secretaria de Educação é de competência do Poder Executivo.

Os artigos 1º e 2º tratam eminentemente de disciplina tipicamente administrativa, as quais constituem atribuições político-administrativas do Prefeito Municipal, caracterizando inconstitucionalidade e vício de competência, consoante se extrai da análise dos julgados do E. STF:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ALAGONA N. 6.153, DE 11 DE MAIO DE 2000, QUE CRIA O PROGRAMA DE LEITURA DE JORNAIS E PERIÓDICOS EM SALA DE AULA, A SER CUMPRIDO PELAS ESCOLAS DA REDE OFICIAL E PARTICULAR DO ESTADO DE ALAGOAS. 1. Iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Estadual para legislar sobre organização administrativa no âmbito do Estado. 2. Lei de iniciativa parlamentar que afronta o art. 61, § 1º, inc. II, alínea e, da Constituição da República, ao alterar a atribuição da Secretaria de Educação do Estado de Alagoas. Princípio da simetria federativa de competências. 3. Iniciativa louvável do legislador alagoano que não retira o vício formal de iniciativa legislativa. Precedentes. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (ADI n. 2.329, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Pleno, DJe de 25.6.10).

 

O Projeto de Lei ora em análise vai de encontro ao disposto no artigo 60, inciso II, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, inciso II da Constituição Estadual:

Art. 60 - São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

 

Art. 82 - Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

[...]

O Projeto de Lei n.º 001/2020 apresenta, da mesma forma, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que em seu artigo 119 reserva a iniciativa exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa municipal:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

 

  Tem sido nesse sentido o posicionamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, entendo haver afronta ao princípio da separação entre os poderes insculpido no art. 8º da Constituição Estadual a iniciativa do Poder Legislativo que disponha acerca da criação, estruturação e atribuições de Secretaria do Poder Executivo:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO. LEI MUNICIPAL. INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO. INSERÇÃO DE AULAS DE XADREZ NA GRADE CURRICULAR DA REDE DE ENSINO. VÍCIO FORMAL E MATERIAL. Lei n.º 3.036/2017 do Município de Novo Hamburgo, que institui como matéria curricular o ensino do jogo de xadrez nas escolas municipais de ensino fundamental, como suporte pedagógico para outras disciplinas. Lei de iniciativa do Poder Legislativo. Lei que padece de vício formal e material, na medida em que o Poder Legislativo Municipal invadiu a seara de competência do Poder Executivo Municipal, pois afronta dispositivos constitucionais que alcançam ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa privativa para editar leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuições de Secretarias e órgãos da Administração Pública. Presença de vícios de inconstitucionalidade de ordem formal e material, por afronta aos artigos 8º, 10, 60, inciso II, alínea d, 82, incisos II, III e VII, 149, incisos I, II e III, e 154, incisos I e II, todos da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70074889619, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 12/03/2018)

O E. STF possui jurisprudência remansosa quanto à violação dos limites de iniciativa do Poder Legislativo, afrontando, assim, o princípio da separação dos poderes, de matéria que imponha atribuições a órgãos do Poder Executivo e que versem sobre a organização administrativa do Município:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. LEI MUNICIPAL N. 10.729/2009. INICIATIVA PARLAMENTAR CRIA O PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DIFERENCIADA PARA CRIANÇAS DIABÉTICAS NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO. IMPOSIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PARA AGENTES E ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. ANÁLISE DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 280 DO STF. 1. Padece de inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, lei municipal que, resultante de iniciativa parlamentar, imponha políticas de prestação de serviços públicos para órgãos da Administração Pública. (Precedentes: ADI n. 2.857, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, Pleno, DJe de 30.11.07; ADI n. 2.730, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Pleno, DJe de 28.5.10; ADI n. 2.329, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Pleno, DJe de 25.6.10; ADI n. 2.417, Relator o Ministro Maurício Corrêa, Pleno, DJ de 05.12.03; ADI n. 1.275, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, Pleno, DJe de 08.06.10; RE n. 393.400, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 17.12.09; RE n. 573.526, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 07.12.11; RE n. 627.255, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 23.08.10, entre outros)... 5. Recurso extraordinário DESPROVIDO. RE 704450 / MG. Brasília 14 de maio de 2014. Ministro LUIZ FUX Relator.

Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de tratar-se de matéria inconstitucional em afronta aos arts. 61, § 1º e 2º da Constituição Federal, aos artigos 8º, 10, 60, inciso II, alínea d, da CERS, bem como caracterizada por vício de iniciativa frente ao art. 119 da Lei Orgânica Municipal, cabendo recurso ao Plenário. Sugere-se ao autor a possibilidade de a matéria ser proposta por meio de Indicação ao Poder Executivo, nos termos regimentais.

É o parecer.

Guaíba, 07 de janeiro de 2019.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136



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