PARECER JURÍDICO |
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"Altera o Inciso III do Artigo 4º da Lei Municipal n.º 2931, de 05 de setembro de 2012, e dá outras providências" 1. RelatórioO Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 053/19 à Câmara Municipal, objetivando alterar o inciso III do art. 4º da Lei Municipal nº 2.931, de 5 de setembro de 2012. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno. 2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICAA Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante. Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva, no sentido de alertar para inconformidades que possam estar presentes. Conforme Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”. Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico. 3. MÉRITODe fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A norma que se pretende editar no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local e na competência municipal, já que o Projeto de Lei nº 053/19 objetiva alterar a regulamentação do transporte coletivo municipal para possibilitar que o Município contrate, alternativamente à concessão regida pela Lei nº 8.987/95, a prestação de serviços na forma da Lei nº 8.666/93. No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o art. 125, § 2º, da CF/88 e o art. 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS:
Embora não haja, especificamente, previsão da reserva de iniciativa no art. 60 da Constituição Estadual para tratar de serviços públicos, certo é que tal medida está sob a reserva de administração do Chefe do Executivo, consubstanciada no princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, cabendo exclusivamente ao Prefeito regulamentar a forma de prestação do serviço público. Em relação aos aspectos materiais da proposição, importante registrar algumas considerações. O Projeto de Lei nº 053/2019 busca alterar a regulamentação do transporte coletivo municipal para possibilitar que o Município contrate, alternativamente à concessão regida pela Lei nº 8.987/95, a prestação de serviços na forma da Lei nº 8.666/93, com gratuidade aos usuários das linhas rurais. Ocorre que, à luz das disposições constitucionais sobre serviços públicos, não se mostra possível a contratação sob o regime exclusivo da Lei nº 8.666/1993. Isso porque, segundo o inciso V do art. 30 da CF/88, já citado em momento anterior, competem aos Municípios a organização e a prestação dos serviços públicos de interesse local, entre os quais o de transporte coletivo, podendo a execução ser direta ou sob regime de concessão ou permissão. Da mesma forma, o art. 175, “caput”, da CF/88 é claro ao estabelecer que “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. Os contratos regidos exclusivamente pela Lei nº 8.666/93 dizem respeito à prestação de atividades materiais à Administração Pública, que não se confundem com os serviços públicos prestados à população, com princípios e critérios próprios de organização. Conforme explicam Ricardo Alexandre e João de Deus, na obra “Direito Administrativo”, 3. ed., 2017, p. 463-464,
Como se percebe, os contratos administrativos regidos pela Lei nº 8.666/93 têm por objetivo a prestação de determinadas atividades materiais à Administração Pública, que não se confundem com os serviços públicos prestados à população, cuja prestação descentralizada ocorre por meio de delegação a particulares, na forma de concessão ou permissão, consoante a regulamentação da Lei nº 8.987/95, ou através de outorga a pessoas jurídicas criadas por lei ou com a autorização de lei. A CF/88, conforme já mencionado, possibilita a prestação dos serviços públicos diretamente ou por meio de concessão ou permissão. A execução direta tem definição na Lei nº 8.666/93, sendo aquela “que é feita pelos órgãos e entidades da Administração, pelos próprios meios” (art. 6º, VII). A concessão e a permissão de serviços públicos, por sua vez, estão definidas na própria Lei nº 8.987/95:
A delegação da prestação dos serviços públicos, disciplinada pela Lei Federal nº 8.987/1995, submete-se a princípios e a regras próprias que destoam das contratações típicas da Administração Pública regidas pela Lei nº 8.666/1993. Exemplo disso é a previsão das características de serviço adequado e dos direitos e obrigações dos usuários, estabelecidas nos arts. 6º, 7º e 7º-A da Lei nº 8.987/1995, assim reproduzidas:
Ainda sobre as formas de prestação de serviços públicos, destacam Ricardo Alexandre e João de Deus, na obra “Direito Administrativo”, 3. ed., 2017, p. 607,
Dessa forma, a prestação do serviço público de transporte coletivo pelo Município de Guaíba pode ocorrer diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, de acordo com o previsto no inciso V do art. 30 e no art. 175 da CF/88. Caso, eventualmente, a justificativa para a opção apresentada no Projeto de Lei nº 053/2019 (contratação de serviços) seja a dificuldade para a atração de investimentos privados sem contrapartida do Poder Público (concessão comum), ou mesmo a carência da população rural para o custeio da tarifa de transporte coletivo, tem-se como possível, em tese, a adoção da modalidade especial “concessão patrocinada”, espécie de parceria público-privada regida pela Lei nº 11.079/04 e cuja definição consta no seu art. 2º, § 1º: “Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado”. Novamente, Ricardo Alexandre e João de Deus, na obra “Direito Administrativo”, 3. ed., 2017, p. 629, expõem um exemplo de aplicação da concessão patrocinada:
Assim, considerando que o transporte coletivo é um serviço público de interesse local que deve ser executado diretamente ou sob regime de concessão ou permissão (arts. 30, V, e 175, “caput”, da CF/88), na forma da Lei nº 8.987/95, admitindo, inclusive, as chamadas modalidades especiais de concessão (a exemplo da concessão patrocinada – Lei nº 11.079/04), entende-se como juridicamente inviável a opção introduzida no PL nº 053/2019 para a espécie de serviço a que se refere, visto que a contratação de serviços estabelecida exclusivamente na Lei nº 8.666/1993 se refere aos serviços prestados à Administração, e não aos serviços delegados à iniciativa privada. 4. ConclusãoDiante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela inviabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 053/2019. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 26 de dezembro de 2019. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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