Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 054/2019
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 326/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Regulamenta o exercício da fiscalização municipal dos estabelecimentos de baixo risco que dispensam atos públicos de liberação e dá outras providências"

1. Relatório:

 O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 054/2019 à Câmara Municipal, o qual “Regulamenta o exercício da fiscalização municipal dos estabelecimentos de baixo risco que dispensam atos públicos de liberação e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

Constata-se, preliminarmente, quanto à competência legislativa dos entes federados, que a matéria constante do Projeto de Lei n.º 054/2019, de autoria do Pode Executivo Municipal, encontra-se inserida no âmbito de matérias de interesse local, tendo a CF/88 instituído para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber.

Efetivamente, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

  • auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;
  • auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;
  • faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;
  • auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

Alexandre de Moraes traz lição lapidar quanto à competência municipal, considerando a primordial e essencial competência legislativa do município a possibilidade de auto-organizar-se através da edição de sua Lei Orgânica. As competências legislativas dos Municípios se evidenciam, ademais, pelo princípio da predominância do interesse local, o qual tem que ver com as peculiaridades e premências do ente em questão, configurando interesses específicos mais pontualmente atrelados às precisões particulares de cada município. O E. Min. Gilmar Ferreira Mendes trata do tema com particular ilustração:

As competências implícitas decorrem da cláusula do art. 30, I, da CF, que atribui aos Municípios ‘legislar sobre assuntos de interesse local’, significando interesse predominantemente municipal, já que não há fato local que não repercuta, de alguma forma, igualmente, sobre as demais esferas da Federação. Consideram-se de interesse local as atividades, e a respectiva regulação legislativa, pertinentes a transportes coletivos municipais, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, entre outras.

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A proposta pretende efetivamente suplementar a legislação nacional que através da Lei Nº 13.874, de 20 de Setembro de 2019, já em vigor, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, reduzindo a burocracia nas atividades econômicas e estabelecendo garantias de livre mercado e a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas.

Pela competência suplementar, compete ao município suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, ou seja, o município pode suprir as omissões e lacunas da legislação federal e estadual, sem obviamente contraditá-las e ainda estabelecer normas que digam respeito às realidades específicas do Município. Tal competência se aplica também às matérias elencadas no artigo 24 da Constituição Federal.

É pertinente destacar trecho da obra de Gilmar Mendes sobre o tema:

É claro que a legislação municipal, mesmo que sob o pretexto de proteger interesse local, deve guardar respeito a princípios constitucionais acaso aplicáveis. Assim, o STF já decidiu que a competência para estabelecer o zoneamento da cidade não pode ser desempenhada de modo a afetar princípios da livre concorrência. O tema é objeto da Súmula 646.     

Aos Municípios é dado legislar para suplementar a legislação estadual e federal, desde que isso seja necessário ao interesse local. A normação municipal, no exercício dessa competência, há de respeitar as normas federais e estaduais existentes. A superveniência de lei federal ou estadual contrária à municipal, suspende a eficácia desta.

A competência suplementar se exerce para regulamentar as normas legislativas federais e estaduais, inclusive as enumeradas no art. 24 da CF, a fim de atender, com melhor precisão, aos interesses surgidos das peculiaridades locais.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, através do voto do Desembargador Roberto MacCracken, no julgamento da ADI nº 01752128420138260000, manifestou-se sobre a competência legislativa dos municípios:

A questão da competência legislativa deve ser apreciada sobre a exegese dos artigos 24 e 30 da CF/88, isto é, enquanto o primeiro arrola as competências concorrentes da União, Estados e Distrito Federal para legislar, principalmente, sobre proteção do meio ambiente (artigo 24, inciso VI), o segundo autoriza o Município a “suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (artigo 30, inciso II), assim, a lei impugnada, que dispôs sobre proteção do meio ambiente na comercialização, na troca e no descarte de óleo lubrificante, não ingressou na matéria ambiental de forma genérica, mas apenas promoveu regulamentação suplementar e nitidamente específica, não ofendendo a competência legislativa de qualquer outra Unidade da Federação, mas, pelo contrário, exerceu preceito constitucional dentro dos limites próprios e atinentes ao seu campo de atuação. (SÃO PAULO, 2014)

Está bem exercida, ademais, a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, tratando a proposta de atos públicos de liberação que cabem ao Poder Executivo Municipal, versando sobre a organização e o funcionamento da administração pública, sendo de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, por força do art. 60, II, d e 82, VII, ambos da Constituição Estadual, consoante já havia afirmado esta Procuradoria Jurídica no Parecer Nº 137/2019.

No que diz respeito à matéria de fundo, uma das medidas é a dispensa de alvarás, licenças, autorizações e demais formalidades para atividades de baixo risco (Resolução CGSIM nº 51 de 11 de junho de 2019) e a presunção por parte de administração pública da boa-fé do particular. A norma federal prevê ainda a aprovação tácita de solicitações de atos públicos de liberação da atividade econômica, devidamente instruídos, após transcorrido o prazo máximo para sua apreciação.

Quanto à matéria de fundo, portanto, não se verificam óbices, indo ao encontro das normas gerais estabelecidas pela legislação federal.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 054/2019, de iniciativa do Poder Executivo Municipal, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 17 de dezembro de 2019.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136



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