Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 106/2019
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 320/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Permite o transporte de animais domésticos de pequeno porte no sistema público municipal de transporte coletivo de passageiros no âmbito do Município de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório:

 O Vereador Ale Alves (PDT) apresentou à Câmara Municipal o Projeto de Lei nº 106/2019, o qual “Permite o transporte de animais domésticos de pequeno porte no sistema público municipal de transporte coletivo de passageiros no âmbito do Município de Guaíba e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica, pela Presidência da Câmara, para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Alexandre de Moraes afirma que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)".[1]

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Com efeito, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

- auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;

- auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;

- faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;

- auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

Porém, apesar de relevante e louvável a proposição, as normas constitucionais de reserva de iniciativa para a deflagração do processo legislativo acarretam na inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 106/2019, por afronta ao artigo 61, § 1º da CF/88.

A iniciativa para a deflagração do processo legislativo, diante disso, não está adequada, já que o projeto de lei apresentado cria obrigações a serem realizados pelo Poder Executivo quanto aos serviços públicos municipais, o que envolve as matérias de organização administrativa, planejamento e execução de serviços públicos. Nesse ponto, é importante salientar que, de acordo com o artigo 61, § 1º, inc. II, alínea “b”, da CF/88, são de iniciativa privativa do Chefe do Executivo as propostas que versem sobre organização administrativa e planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais, o que é reforçado, em âmbito municipal, pelo disposto no artigo 52, inc. VI e X, da Lei Orgânica Municipal:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

(...)

X – planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais;

A inconstitucionalidade da matéria por via parlamentar já foi declarada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao julgar a Lei Municipal nº 6.094/2014, do Município de Pelotas, que possuía teor normativo quase idêntico ao da proposição ora em análise, verbis:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE PELOTAS. LEI MUNICIPAL N.º 6.094/2014. TRANSPORTE DE ANIMAIS DOMÉSTICOS DE PEQUENO PORTE NO TRANSPORTE COLETIVO URBANO NO MUNICÍPIO DE PELOTAS. MATÉRIA DE NATUREZA ADMINISTRATIVA DE INICIATIVA DO EXECUTIVO MUNICIPAL. VÍCIO FORMAL. Padece de inconstitucionalidade a Lei Municipal, de iniciativa do Poder Legislativo, dispondo sobre matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. Afronta ao disposto nos artigos 8º, "caput", 10, 60, inciso II, alínea "d", todos da Constituição Estadual. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70062437959, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em: 06-04-2015).

No mesmo sentido observa-se a jurisprudência do TJSP, ao declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 13.076, de 04 de setembro de 2013, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal de Ribeirão Preto, sobre a autorização do Poder Executivo disciplinar o transporte de animais domésticos no serviço municipal de transporte coletivo de passageiros no Município, por ofensa ao princípio da separação entre os poderes, consoante se depreende do acórdão:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL 13.076 - RIBEIRÃO PRETO - DISPÕE SOBRE O TRANSPORTE DE ANIMAIS DOMÉSTICOS NOS COLETIVOS DE PASSAGEIROS - INICIATIVA PARLAMENTAR - DESCABIMENTO - MATÉRIA DE NATUREZA EMINENTEMENTE ADMINISTRATIVA, PERTINENTE AO PODER EXECUTIVO - OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - PRECEDENTES - AÇÃO JULGADA PROCEDENTE PARA DECLARAR INCONSTITUCIONAL A NORMA EM QUESTÃO.

E ainda o mesmo TJSP:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Município de Hortolândia. Lei nº 2.975/14, que dispõe sobre o “Dia municipal da luta pela eliminação da discriminação racial”, e Lei nº 2.994/14, disciplinando o “transporte de animais domésticos pelo serviço público municipal de transporte coletivo de passageiros”. Alegado vício de iniciativa e falta de indicação da fonte de custeio para seu cumprimento. 1. Vício de iniciativa, a configurar invasão de competência do chefe do Poder Executivo na instituição de programas, campanhas e serviços administrativos, incidindo igualmente no óbice da ausência de previsão orçamentária. 2. Ofensa à Constituição do Estado de São Paulo, especialmente os seus artigos 5º, 24, §2º, 2; 25, 47, II, XIV e XVIII; 144, 158, parágrafo único e 176, I. 3. Julgaram procedente a ação, declarando a inconstitucionalidade das Leis nºs 2.975/14 e 2.994/14, do Município de Hortolândia.” (ADI nº 2141004-06.2014.8.26.0000 rel. Des. Vanderci Álvares j. 10/12/2014).

[1] Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela possibilidade de o Presidente devolver ao autor o Projeto de Lei n.º 106/2019, de autoria do Vereador Ale Alves (PDT), visto que caracteriza invasão da iniciativa legislativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo Municipal e eivada de inconstitucionalidade manifesta, em afronta ao que dispõe a Constituição Federal, por extrapolar a iniciativa legislativa do Prefeito Municipal expressa no art. 61, § 1º, II, b, da Constituição Federal e por afronta aos artigos 60, II, d, e 82, II e VII, ambos da Constituição Estadual.

É o parecer.

Guaíba, 06 de dezembro de 2019.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136



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