Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 052/2019
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 312/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Município de Guaíba a doar, com encargos, área de terras ao Sport Clube Internacional"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 052/2019 à Câmara Municipal, o qual “Autoriza o Município de Guaíba a doar, com encargos, área de terras ao Sport Clube Internacional”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno.

2. das funções da procuradoria jurídica:

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO:

A norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

Verifica-se, também, estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da transferência de bens municipais e, sobre este tema, dispõe a Lei Orgânica do Município de Guaíba:

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos;

Art. 92 Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços.

Como justificativa para a desafetação e doação de uma área de terras de 22.130,00 m², o Poder Executivo alega, na exposição de motivos, que o ato tem por objetivo permitir a instalação e construção de um Centro de Treinamento para o Sport Club Internacional, abrangendo atividades esportivas, culturais, sociais e de lazer. Sustenta, ainda, que recentemente o Sport Club Internacional recebeu em doação do Estado do Rio Grande do Sul uma área de terras de cerca de 90.000m² (noventa mil metros quadrados)[1] também para a finalidade de construção de um centro de treinamento, sendo que dentro da área doada pelo Estado há uma tira de terras de propriedade do Município, conforme se verifica de mapa encaminhado em anexo.

O Chefe do Poder Executivo sustenta ainda, na exposição de motivos, que a doação pressupõe uma contrapartida por parte do Sport Club Internacional, correspondendo a 45% do valor de avaliação de R$ 562.102,00 (quinhentos e sessenta e dois mil cento e dois reais) da área a ser doada, totalizando o valor de R$ 252.945,90 a ser aplicados pelo donatário em campos de futebol localizados em áreas públicas do Município.

Inicialmente, a Constituição Federal de 1988, ao tratar da matéria de licitações, estabelece, no seu art. 37, inciso XXI, que “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. A Lei Geral de Licitações (Lei Federal nº 8.666/93), por sua vez, dispõe:

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)

Como se vê da leitura do dispositivo legal, um dos principais motivos da existência da licitação, na Administração Pública, é a possibilidade concreta da obtenção de propostas vantajosas e econômicas, de modo a atender ao interesse público e a efetivar, na prática, os princípios constitucionais administrativos. Assim, tem-se que a licitação, enquanto regra constitucional, garante que a Administração Pública obtenha a proposta mais vantajosa e, simultaneamente, concretize os princípios constitucionais explícitos e implícitos aplicáveis, mormente o da impessoalidade.

Há, contudo, hipóteses em que a Lei de Licitações estabelece a dispensa da licitação, que tanto podem refletir casos de licitação dispensável (art. 24) como de licitação dispensada (art. 17). Quanto a esta última, o art. 17 prevê que bens da Administração Pública podem ser alienados, cumpridos alguns requisitos para tanto: 1) existência de interesse público devidamente justificado; 2) avaliação; 3) quando imóveis, a prévia autorização legislativa; 4) em regra, licitação na modalidade concorrência. A licitação poderá ser dispensada, entre outras causas, na doação (art. 17, I, “b”, da Lei nº 8.666/93).

A redação prevista na alínea “b” do inciso I do art. 17 da Lei de Licitações prevê que a doação com licitação dispensada só é viável quando feita para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo. Ocorre, entretanto, que a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 927-3, processada no STF, recebeu medida cautelar para suspender, em relação aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, os efeitos do art. 17, I, “b”, porque a competência legislativa da União, em matéria de licitações e contratos administrativos, se limita a estabelecer normas gerais, razão pela qual a restrição “permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública” teria extrapolado os limites de competência legislativa federal. Assim, segundo a interpretação do STF na medida cautelar, ficaria suspenso o trecho que restringe doações apenas a órgãos e a entes públicos, tornando-se possível, como regra, quaisquer doações com licitação dispensada, desde que atendidos os demais requisitos do art. 17 da Lei nº 8.666/93.

Suspensa, então, a aplicabilidade da restrição prevista na alínea “b” do inciso I do art. 17 da Lei Federal nº 8.666/93 quanto aos Estados, Distrito Federal e Municípios, os requisitos básicos para as doações de imóveis da Administração Pública com licitação dispensada são: (i) interesse público devidamente justificado; (ii) autorização legislativa prévia; (iii) avaliação dos bens a serem doados. Soma-se a esses requisitos o que consta no art. 101 do Código Civil: “Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.” Só estão sujeitos à alienação, portanto, os bens de natureza dominical, isto é, aqueles bens que apenas compõem o patrimônio da Administração Pública, mas que não estão destinados a uma finalidade pública específica.

Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 052/2019 está devidamente instruído com o laudo de avaliação do imóvel a ser doado, o qual não pode ser dispensado sob hipótese alguma, já que toda e qualquer alienação de bens públicos pressupõe a apuração do seu adequado valor de mercado. Quanto ao interesse público devidamente justificado, trata-se de matéria de mérito a ser verificada pelos Vereadores, que deverão ponderar, através de seu voto, sobre a existência de justificativa plausível para a doação dos bens públicos, possuindo tais agentes públicos a legitimidade democrática para tanto. Todavia, um fator importante sobre a justificativa de interesse público que precisa ser enfrentado pelo Poder Executivo consta no art. 96 da Lei Orgânica Municipal: “O Município, preferentemente a venda ou doação de seus bens imóveis, outorgará concessão de direito real de uso, mediante prévia autorização legislativa e concorrência pública”.

 

Nesses termos, para justificar o interesse público na doação das áreas em detrimento de outros institutos que não provoquem a transferência da propriedade, o Poder Executivo justifica, na exposição de motivos, que o Centro de Treinamento a ser construído constitui importante empreendimento no Município, abrangendo atividades desportivas, culturais, sociais e de lazer, além da previsão de contrapartida através da qualificação de campos de futebol na cidade de Guaíba.

Da análise do Projeto de Lei nº 052/2019, constata-se encargo na previsão do art. 3º, que estabelece elaboração, contratação e execução de projetos de obras e serviços de engenharia para fins de reformas, adequações e/ou ampliações de espaços físicos dos campos de futebol selecionados.

Nesse sentido, é preciso destacar que embora doações com encargos, como regra geral, devam ser licitadas, mormente quando esses ônus possam ser cumpridos em condições de competitividade, com escolha da proposta de execução mais vantajosa à Administração Pública, a licitação poderá igualmente ser dispensada havendo interesse público devidamente justificado. Leia-se o art. 17, § 4º, da Lei de Licitações: “A doação com encargo será licitada e de seu instrumento constarão, obrigatoriamente os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato, sendo dispensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado.”

A respeito desse ponto, veja-se novamente a doutrina de Marçal Justen Filho, na obra “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, 16. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 326-327:

Uma hipótese peculiar, objeto de tratamento específico no § 4º, é a doação com encargo. A opção por essa alternativa dependerá da relevância do encargo para consecução dos interesses coletivos e supraindividuais. Em determinadas hipóteses, a doação com encargo apresentará regime jurídico próprio, inclusive com a obrigatoriedade da licitação.

Assim, por exemplo, poderá ser do interesse estatal a construção de um certo edifício em determinada área. Poderá surgir como solução a doação de imóvel com encargo para o donatário promover a edificação. Essa é uma hipótese em que a doação deverá ser antecedida de licitação, sob pena de infringência do princípio da isonomia. Em outras hipóteses, porém, o encargo assumirá relevância de outra natureza. A doação poderá ter em vista a situação do donatário ou sua atividade de interesse social. Nesse caso, não caberá a licitação. Assim, por exemplo, uma entidade assistencial poderá receber doação de bens gravados com determinados encargos. A situação se subsumiria à alínea a do inc. II, mesmo existindo o encargo.

Assim, seguindo a regra legal do art. 17, § 4º, da Lei nº 8.666/93, a lição doutrinária acima transcrita, para os encargos que não possam ser cumpridos por mais de um interessado por levarem em conta, especificamente, a situação do donatário ou sua atividade de interesse social, fica dispensada a licitação, o que deve ser avaliado na situação em análise, com vistas a não se dispensar irregularmente a realização do devido processo licitatório.

Merece referência, ademais, a justificativa do Chefe do Poder Executivo Estadual, quando do envio do Projeto de Lei buscando autorizar a doação de duas frações de terra do Estado, com encargos, asseverando o Governador:

Destarte, a presente transferência de domínio com encargos possibilitará incrementar ações de largo alcance social em infraestrutura, ensino e pesquisa, tecnologia, práticas desportivas, recreação e atividades extracurriculares, proporcionando melhores oportunidades e bem-estar aos alunos, professores e funcionários, atendendo, dessa maneira, o elevado interesse público e econômico.

[1] Lei Estadual Nº 15.376/2019, de 27 de novembro de 2019.

Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das Comissões Permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria Jurídica opina pela viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 052/2019, tendo em vista este encontrar-se instruído com a cópia da matrícula do imóvel objeto da doação e do laudo de avaliação do bem, permitindo assim a verificação, por parte das Comissões temáticas e dos Vereadores, da regularidade jurídica da doação, da existência de interesse público apto a dispensar a realização de licitação e da maior vantagem dessa medida em comparação à outorga de direitos que não impliquem transferência da propriedade.

É o parecer.

Guaíba, 28 de novembro de 2019.

 

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136



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