PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a proibição da queima e a soltura de fogos de artifício e artigos pirotécnicos com estampido e efeitos sonoros e dá outras providências" 1. Relatório:O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei nº 103/2019 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a proibição da queima e a soltura de fogos de artifício e artigos pirotécnicos com estampido e efeitos sonoros. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 2. Parecer:O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A regulamentação que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, além de revestir-se do caráter de norma suplementar à legislação estadual. Isso porque o Projeto de Lei nº 103/2019, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (art. 22 da CF/88), estabelece a proibição de soltura de fogos de artifício com estampido em Guaíba que ultrapassem 80 decibéis, matéria relacionada ao conceito de poluição sonora, previsto genericamente na Lei nº 6.938/81. Segundo o referido diploma legal, considera-se poluição a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: 1) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; 2) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; 3) afetem desfavoravelmente a biota; 4) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; 5) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. Importante lembrar, ainda, que a Constituição Federal de 1988 foi inovadora no tratamento do direito ao meio ambiente, trazendo-o de forma autônoma e, portanto, destacada das demais garantias que lhe constituem o fundamento (direito à vida, direito à saúde, dignidade da pessoa humana etc.), sendo então disciplinado pelo artigo 225, o qual prevê: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” De modo a assegurar a efetividade desse direito, o texto constitucional impôs ao Poder Público – incluindo, no caso, os Municípios – o dever de “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” (§ 1º, VII). Tal diretriz é repetida na Constituição Gaúcha, através do disposto no artigo 251, § 1º, VII, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 38, de 12 de dezembro de 2003. Assim, considerando o dever de os Municípios promoverem a qualidade ambiental, protegendo a fauna e a flora contra quaisquer atos que lhes causem danos, presente a competência do Município de Guaíba para legislar sobre a matéria. Inclusive, a respeito da competência suplementar dos Municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:
Para sanar quaisquer dúvidas remanescentes, relevante destacar o entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal (ARE nº 748.206 AgR, julgado em 14/3/2017), publicado no Informativo nº 857, no sentido de que os Municípios podem legislar, em matéria ambiental, de forma mais restritiva em relação aos Estados-membros, em atenção ao critério da norma mais favorável ao meio ambiente (in dubio pro ambiente):
Assim sendo, desde que haja adequada motivação, podem os Municípios legislar em matéria ambiental até mesmo de maneira mais restritiva em comparação aos Estados-membros e à União, aplicando-se o critério da norma mais favorável (in dubio pro ambiente). No caso em análise, embora a Lei Estadual nº 15.366/2019 (cópia em anexo) proíba, em todo território rio-grandense, a queima e a soltura de fogos de estampidos e artifícios que ultrapassem 100 decibéis, seguindo o critério da norma mais favorável ao meio ambiente, pode o Município de Guaíba estabelecer disposição legal mais protetora da qualidade ambiental, sem incidir em inconstitucionalidade de natureza formal. No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:
Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre a matéria, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema tratado. Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 103/2019 é promover a proteção dos animais enquanto componentes do meio ambiente natural, assim como garantir a tranquilidade e o sossego da população de Guaíba, tarefas que constituem deveres do Poder Público e que, portanto, fundamentam a legitimidade da vedação proposta no projeto de lei. A proposição, notadamente, também versa sobre poder de polícia e posturas municipais, matérias sobre as quais os Municípios podem legislar (art. 13, inc. I, da CE/RS). Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 103/2019, podendo seguir o seu trâmite nos termos do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Guaíba. Recomenda-se, porém, que o proponente avalie qual dos projetos de lei manterá em tramitação na Casa Legislativa: PL 154/2018 ou PL 103/2019, diante do seu objeto similar. Caso não haja opção por qual dos projetos retirar, a aprovação de um deles tornará o segundo prejudicado, na forma do art. 31, inciso I, “b”, do Regimento Interno. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 27 de novembro de 2019. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 27/11/2019 ás 16:20:28. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação da19b44ca0ccb80428f57d3000445486.
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