Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 042/2019
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 291/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Município de Guaíba a doar uma fração de terras à empresa Brasiles Associação de Papelarias Regional do Rio Grande do Sul e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 042/2019 à Câmara Municipal, que autoriza o Município de Guaíba a doar uma fração de terras à empresa Brasiles Associação de Papelarias Regional do Rio Grande do Sul e dá outras providên-cias. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para aná-lise nos termos do art. 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previ-são no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurí-dico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislati-vos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fun-damentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifesta-ções escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não dete-nha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legisla-tivos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consulti-va desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O pa-recer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os parti-culares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou puni-tiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. Parecer: 

A norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

Verifica-se, também, estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da transferência de bens municipais e, sobre este tema, dispõe a Lei Orgânica do Município de Guaíba:

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

[...]

XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos;

Art. 92 Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços.

Como justificativa para a doação, o Poder Executivo alega, na exposição de motivos, que o ato tem por objetivo permitir a instalação de um centro de distribuição e o início das atividades comerciais da empresa Brasiles Associação de Papelarias Regional do Rio Grande do Sul no Município de Guaíba, o que permitirá a abertura de aproximadamente 60 (sessenta) novos postos de trabalho em cinco anos. Sustenta, ainda, que a empresa realizará um investimento inicial de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) na fração de terras recebida pelo Município, com a construção de um prédio de 2.100 m², havendo estimativa de construção de um segundo prédio de iguais proporções nos próximos cinco anos.

Inicialmente, a Constituição Federal de 1988, ao tratar da matéria de licitações, estabelece, no seu art. 37, inciso XXI, que “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. A Lei Geral de Licitações (Lei Federal nº 8.666/93), por sua vez, dispõe:

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)

Como se vê da leitura do dispositivo legal, um dos principais motivos da existência da licitação, na Administração Pública, é a possibilidade concreta da obtenção de propostas vantajosas e econômicas, de modo a atender ao interesse público e a efetivar, na prática, os princípios constitucionais administrativos. Assim, tem-se que a licitação, enquanto regra constitucional, garante que a Administração Pública obtenha a proposta mais vantajosa e, simultaneamente, concretize os princípios constitucionais explícitos e implícitos aplicáveis, mormente o da impessoalidade.

Há, contudo, hipóteses em que a Lei de Licitações estabelece a dispensa da licitação, que tanto podem refletir casos de licitação dispensável (art. 24) como de licitação dispensada (art. 17). Quanto a esta última, o art. 17 prevê que bens da Administração Pública podem ser alienados, cumpridos alguns requisitos para tanto: 1) existência de interesse público devidamente justificado; 2) avaliação; 3) quando imóveis, a prévia autorização legislativa; 4) em regra, licitação na modalidade concorrência. A licitação poderá ser dispensada, entre outras causas, na doação (art. 17, I, “b”, da Lei nº 8.666/93).

A redação prevista na alínea “b” do inciso I do art. 17 da Lei de Licitações prevê que a doação com licitação dispensada só é viável quando feita para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo. Ocorre, entretanto, que a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 927-3, processada no STF, recebeu medida cautelar para suspender, em relação aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, os efeitos do art. 17, I, “b”, porque a competência legislativa da União, em matéria de licitações e contratos administrativos, se limita a estabelecer normas gerais, razão pela qual a restrição “permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública” teria extrapolado os limites de competência legislativa federal. Assim, segundo a interpretação do STF na medida cautelar, ficaria suspenso o trecho que restringe doações apenas a órgãos e a entes públicos, tornando-se possível, como regra, quaisquer doações com licitação dispensada, desde que atendidos os demais requisitos do art. 17 da Lei nº 8.666/93.

Suspensa, então, a aplicabilidade da restrição prevista na alínea “b” do inciso I do art. 17 da Lei Federal nº 8.666/93 quanto aos Estados, Distrito Federal e Municípios, os requisitos básicos para as doações de imóveis da Administração Pública com licitação dispensada são: (i) interesse público devidamente justificado; (ii) autorização legislativa prévia; (iii) avaliação dos bens a serem doados. Soma-se a esses requisitos o que consta no art. 101 do Código Civil: “Os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei.” Só estão sujeitos à alienação, portanto, os bens de natureza dominical, isto é, aqueles bens que apenas compõem o patrimônio da Administração Pública, mas que não estão destinados a uma finalidade pública específica.

Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 042/2019 está devidamente instruído com os laudos de avaliação dos imóveis a serem doados, que não podem ser dispensados sob hipótese alguma, já que toda e qualquer alienação de bens públicos pressupõe a apuração do seu adequado valor de mercado. Quanto ao interesse público devidamente justificado, trata-se de matéria de mérito a ser verificada pelos vereadores, que deverão ponderar, através de seu voto, sobre a existência de justificativa plausível para a doação dos bens públicos. Todavia, um fator importante sobre a justificativa de interesse público que precisa ser enfrentado pelo Poder Executivo consta no art. 96 da Lei Orgânica Municipal: “O Município, preferentemente a venda ou doação de seus bens imóveis, outorgará concessão de direito real de uso, mediante prévia autorização legislativa e concorrência pública”.

Nesses termos, para justificar o interesse público na doação das áreas em detrimento de outros institutos que não provoquem a transferência da propriedade, o Poder Executivo justifica, na exposição de motivos, que houve projeto de intenção para utilização de área industrial devidamente protocolado pelo donatário e aprovado pela Comissão Municipal de Avaliação dos Projetos de Instalação da Zona Especial de Desenvolvimento Econômico (ZEDE). Nesse sentido, prevê o art. 2º da Lei Municipal nº 2.664/10, que dispõe sobre a política de incentivo ao desenvolvimento econômico e social do Município de Guaíba:

Art. 2º O Município poderá conceder, nos termos desta Lei e mediante prévia demonstração do interesse público, incentivos econômicos e fiscais às empresas agroindustriais, industriais, comerciais e de prestação de serviços que no território municipal venham a se instalar ou ampliar suas atividades.

§1º As empresas já em atividade no Município e que ampliarem suas instalações objetivando o aumento de sua produção poderão receber os benefícios proporcionalmente à ampliação das atividades.

§2º Os incentivos de que trata este artigo, dar-se-ão levando-se em conta a função social decorrente da criação de emprego e renda e da importância para a economia do Município.

Já o art. 3º da referida lei elenca quais são os incentivos que podem ser concedidos pelo Município às empresas, estando expressamente previsto, em seu inciso I, o deferimento de incentivo consistente em doação ou concessão de uso de área destinada à construção ou instalação do empreendimento. Para tanto, porém, exigem os arts. 8º e 9º que haja requerimento do interessado, acompanhado de projeto circunstanciado do investimento que se pretende realizar com diversas informações sobre a regularidade da empresa e sobre as características do investimento pretendido.

Tal exigência encontra-se cumprida no caso concreto, pois o Projeto de Lei nº 042/2019 foi instruído com o projeto de instalação do centro de distribuição da empresa na zona industrial de desenvolvimento econômico de Guaíba, relativo à concessão do incentivo econômico pleiteado, elaborado pelo representante da empresa Brasiles Associação de Papelarias Regional do Rio Grande do Sul, permitindo a análise de sua regularidade pelas comissões temáticas e pelos vereadores. As matrículas dos bens objeto da doação, aptas à comprovação da propriedade dos imóveis, também integram o Projeto de Lei nº 042/2019, tendo sido juntados todos os documentos imprescindíveis à análise do cumprimento da legislação local sobre a concessão de incentivos econômicos, uma condicionante à legalidade e ao interesse público na doação.

As doações realizadas como forma de incentivo econômico, com base na Lei Municipal nº 2.664/10, por óbvio conterão a previsão de encargo a ser cumprido pelo donatário, eis que o deferimento do incentivo consistente em doação ou concessão de uso objetiva justamente a construção ou instalação do empreendimento na área recebida. Nesse sentido, encargos são cláusulas acessórias do negócio jurídico que atribuem uma finalidade ou destinação específica do seu objeto, não suspendendo a aquisição nem o exercício do direito (art. 136 do Código Civil). De acordo com Carlos Roberto Gonçalves, na obra “Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações, 15. ed., São Paulo: Saraiva, 2018”:

Obrigação modal (com encargo ou onerosa) é a que se encontra onerada por cláusula acessória, que impõe um ônus ao beneficiário de determinada relação jurídica. Trata-se de pacto acessório às liberalidades (doações, testamentos), pelo qual se impõe um ônus ou obrigação ao beneficiário. É admissível, também, em declarações unilaterais da vontade, como na promessa de recompensa, e raramente nos contratos onerosos (pode ocorrer na compra e venda de um imóvel, com o ônus de franquear a passagem ou a utilização por terceiros, p. ex.). É comum nas doações feitas ao município, em geral com a obrigação de construir um hospital, escola, creche ou algum outro melhoramento público; e nos testamentos, em que se deixa a herança a alguém, com a obrigação de cuidar de determinada pessoa ou de animais de estimação. Em regra, é identificada pelas expressões “para que”, “a fim de que”, “com a obrigação de”.

Da leitura do Projeto de Lei nº 042/2019, constata-se encargo na previsão do art. 2º, que direciona o bem doado à instalação do centro de distribuição da empresa, que atuará no ramo de comercialização de produtos de casa, mesa, banho, escola e escritório, sendo estipulados no Projeto prazos para o seu cumprimento e cláusulas de reversão.

Nesse sentido, é preciso destacar que embora doações com encargos, como regra geral, devam ser licitadas, mormente quando esses ônus possam ser cumpridos em condições de competitividade, com escolha da proposta de execução mais vantajosa à Administração Pública, a licitação poderá igualmente ser dispensada havendo interesse público devidamente justificado. Leia-se o art. 17, § 4º, da Lei de Licitações: “A doação com encargo será licitada e de seu instrumento constarão, obrigatoriamente os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato, sendo dispensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado.”

A respeito desse ponto, veja-se novamente a doutrina de Marçal Justen Filho, na obra “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, 16. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 326-327:

Uma hipótese peculiar, objeto de tratamento específico no § 4º, é a doação com encargo. A opção por essa alternativa dependerá da relevância do encargo para consecução dos interesses coletivos e supraindividuais. Em determinadas hipóteses, a doação com encargo apresentará regime jurídico próprio, inclusive com a obrigatoriedade da licitação. Assim, por exemplo, poderá ser do interesse estatal a construção de um certo edifício em determinada área. Poderá surgir como solução a doação de imóvel com encargo para o donatário promover a edificação. Essa é uma hipótese em que a doação deverá ser antecedida de licitação, sob pena de infringência do princípio da isonomia. Em outras hipóteses, porém, o encargo assumirá relevância de outra natureza. A doação poderá ter em vista a situação do donatário ou sua atividade de interesse social. Nesse caso, não caberá a licitação. Assim, por exemplo, uma entidade assistencial poderá receber doação de bens gravados com determinados encargos. A situação se subsumiria à alínea a do inc. II, mesmo existindo o encargo.

Assim, seguindo a regra legal do art. 17, § 4º, da Lei nº 8.666/93, a lição doutrinária acima transcrita e as disposições da Lei Municipal nº 2.664/10, para os encargos que não possam ser cumpridos por mais de um interessado por levarem em conta, especificamente, a situação do donatário ou sua atividade de interesse social, fica dispensada a licitação, o que deve ser avaliado na situação em análise, com vistas a não se dispensar irregularmente a realização do devido processo licitatório.

4.Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria Jurídica opina pela viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 042/2019, tendo em vista este encontrar-se instruído com as cópias das matrículas dos imóveis objeto da doação, do procedimento administrativo previsto nos arts. 8º e 9º da Lei Municipal nº 2.664/10 e dos laudos de avaliação dos bens, permitindo assim a verificação, por parte das comissões temáticas e dos Vereadores, da regularidade jurídica da doação, da existência de interesse público apto a dispensar a realização de licitação e da maior vantagem dessa medida em comparação à outorga de direitos que não impliquem transferência da propriedade.

É o parecer.

Guaíba, 06 de novembro de 2019.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS                        JULIA ZANATA DAL OSTO

                Procurador-Geral                                                               Procuradora

              OAB/RS nº 107.136                                                      OAB/RS nº 108.241



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