Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 100/2019
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 288/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dá nova redação ao Art. 2.º da Lei nº 2664/2010, que "dispõe sobre a política de incentivo ao desenvolvimento econômico e social do município e dá outras providências""

1. Relatório:

 O Projeto de Lei n.º 100/2019, de autoria do Vereador Manoel Eletricista (CIDADANIA), que “Dá nova redação ao Art. 2.º da Lei nº 2664/2010, que "dispõe sobre a política de incentivo ao desenvolvimento econômico e social do município e dá outras providências", foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pela Presidente em Exercício da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

Constata-se que a matéria constante do Projeto de Lei n.º 100/2019, de autoria do Vereador Manoel Eletricista (CDD), de fato insere-se no âmbito de matérias de interesse local, nos termos do artigo 30, I da Constituição Federal, portanto de competência legislativa do município, ao qual ainda cabe suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, por força do artigo 30, II da CF/88. Dispõe o artigo 30 da Constituição Federal, prevendo a faculdade normativa dos Municípios, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

 

É lapidar a lição de Hely Lopes Meirelles quanto à fixação de competência dos Municípios sob o ponto de vista do que a Carta Republicana precisou como interesse local, que seria o interesse da cidade, que predomina quando confrontado com o interesse do Estado-membro e com o interesse da União:

“Estabelecida essa premissa é que se deve partir em busca dos assuntos da competência municipal, a fim de selecionar os que são e os que não são de seu interesse local, isto é, aqueles que predominantemente interessam à atividade local. Seria fastidiosa – e inútil, por incompleta – a apresentação de um elenco casuístico de assuntos de interesse local do Município, porque a atividade municipal, embora restrita ao território da Comuna, é multifária nos seus aspectos e variável na sua apresentação, em cada localidade. Acresce, ainda, notar a existência de matérias que se sujeitam simultaneamente à regulamentação pelas três ordens estatais, dada sua repercussão no âmbito federal, estadual e municipal. Exemplos típicos dessa categoria são o trânsito e a saúde pública, sobre os quais dispõem a União (regras gerais: Código Nacional de Trânsito, Código Nacional de Saúde Pública), os Estados (regulamentação: Regulamento Geral de Trânsito, Código Sanitário Estadual) e o Município (serviços locais: estacionamento, circulação, sinalização, etc.; regulamentos sanitários municipais). Isso porque sobre cada faceta do assunto há um interesse predominante de uma das três entidades governamentais. Quando essa predominância toca ao Município a ele cabe regulamentar a matéria, como assunto de seu interesse local. Dentre os assuntos vedados ao Município, por não se enquadrarem no conceito de interesse local, é de se assinalar, o serviço postal, a energia em geral, a informática, o sistema monetário, a telecomunicação e outros mais, que, por sua própria natureza e fins, transcendem o âmbito local.” (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 12ª ed., p. 135).

A matéria objeto da proposição, qual seja, concessão de incentivo fiscal, trata de questões atinentes ao Direito Financeiro, sujeita, nos termos constitucionais a legislação concorrente da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Também não incorre em inconstitucionalidade formal, visto que ao não criar obrigações ou atribuições a órgãos públicos, não usurpa a esfera de competência do Poder Executivo Municipal prevista no art. 61 da Constituição Federal, tendo quanto a isso observado os requisitos formais do processo legislativo, além de não ultrapassar o disposto no art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul quanto à separação dos poderes. Não há, nos termos dispostos no art. 61, combinado com o art. 84, ambos da Constituição Federal, prescrição de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo na matéria tratada no projeto.

As matérias de competência e iniciativa reservadas são rol taxativo na CF/88 e nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, lecionando HELY LOPES MEIRELLES que:

 “Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores, são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, §1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de lei que disponham sobre criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e á Câmara, na forma regimental. (grifo nosso)

Com base nesses fundamentos, vê-se que o alcance material da norma diz respeito ao direito financeiro e tributário no âmbito do Município de Guaíba, não havendo a reserva de iniciativa, já que não se insere dentre o rol taxativo de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.

Nessa perspectiva, quanto à inocorrência de invasão de competência do Poder Executivo da proposição, é longa a lista de julgados nesse sentido. A propósito, confiram-se os seguintes precedentes:

 

“ADI - LEI N.º 7.999/85, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, COM A REDAÇÃO QUE LHE DEU A LEI N.º 9.535/92 - BENEFÍCIO TRIBUTÁRIO - MATÉRIA DE INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE - REPERCUSSÃO NO ORÇAMENTO ESTADUAL - ALEGADA USURPAÇÃO DA CLÁUSULA DE INICIATIVA RESERVADA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO - AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA - MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA. – A Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na instauração do processo legislativo em tema de direito tributário. - A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que - por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo - deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. - O ato de legislar sobre direito tributário, ainda que para conceder benefícios jurídicos de ordem fiscal, não se equipara - especialmente para os fins de instauração do respectivo processo legislativo - ao ato de legislar sobre o orçamento do Estado.” (ADI-MC 724/RS, rel. Min. Celso de Mello, Pleno, DJ 27.4.2001)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. STF - ADI 3796/PR. A Carta em vigor não trouxe disposição semelhante à do art. 60, inciso I, da Constituição de 1967, que reservava à competência exclusiva do Presidente da República a iniciativa das leis que disponham sobre matéria financeira. Não há, no texto constitucional em vigor, qualquer mandamento que determine a iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo quanto aos tributos. Não se aplica à matéria nenhuma das alíneas do inciso II do § 1º do art. 61, tampouco a previsão do art. 165. Como já decidiu diversas vezes este Tribunal, a regra do art. 61, §1º, II, b, concerne tão somente aos Territórios. A norma não reserva à iniciativa privativa do Presidente da República toda e qualquer lei que cuide de tributos, senão apenas a matéria tributária dos Territórios. Também não incide, na espécie, o art. 165 da Constituição Federal, uma vez que a restrição nele prevista limita-se às leis orçamentárias plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias e lei orçamentária anual e não alcança os diplomas que aumentem ou reduzam exações fiscais. Ainda que acarretem diminuição das receitas arrecadadas, as leis que concedem benefícios fiscais tais como isenções, remissões, redução de base de cálculo ou alíquota não podem ser enquadradas entre as leis orçamentárias a que se referem o art. 165 da Constituição Federal.” “Inexiste, na Constituição Federal de 1988, reserva de iniciativa para leis de natureza tributária, inclusive para as que concedem renúncia fiscal.”

“Ratificando argumentos desenvolvidos no item anterior, sendo a iniciativa legislativa geral a regra, e a iniciativa reservada exceção, não há como reconhecer ser privativa do Chefe do Executivo a iniciativa legislativa das leis que instituem benefícios fiscais. O art. 61, § 1º, II, b, não admite outra interpretação que não a de sua aplicação apenas e tão somente no âmbito dos Territórios. Não se pode, pois, com fundamento no referido texto constitucional, atribuir iniciativa legislativa privativa ao Chefe do Poder Executivo para leis de matéria tributária. Não havendo outro dispositivo constitucional ou legal que torne expressa a reserva de iniciativa, prevalece a regra, que é iniciativa legislativa geral. Mesmo assim, é interessante discorrer sobre a iniciativa legislativa em matéria tributária quando a questão envolve os benefícios fiscais em geral pelo fato de que eles se equiparam aos gastos públicos, pois importam em redução de receita. Ou seja, a concessão de um benefício fiscal é, em certa medida, uma despesa pública. [...] Sendo assim, não obstante o impacto orçamentário causado pela concessão de benefícios fiscais, conclui-se serem também de iniciativa geral as leis tributárias que tratam desta e das demais modalidades de gasto tributário.”( CONTI, José Maurício. Iniciativa legislativa em matéria financeira. In: Fernando Facury Scaff; Jose Mauricio Conti (Org). (Org.). Orçamentos Públicos e Direito Financeiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 283-307. )

(Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.796 - Paraná, 08/03/2017, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário)

Verifica-se que a jurisprudência acima colacionada do E. STF amolda-se perfeitamente ao projeto em análise, que ademais não disciplina atos de gestão ou atribuições típicas da função administrativa, não havendo ainda previsão de atribuição ao Poder Executivo, por parte do Legislativo, não afrontando assim o princípio da separação dos poderes.

 

Cabe ademais referir que, tratando-se o exercício seguinte (2020) de ano eleitoral, o artigo 73, §º 10, da Lei Federal nº 9.504/97, com as alterações da Lei Federal nº 11.300, de 10 de maio de 2006 (a qual estabelece normas gerais para as eleições), fixa que no ano em que se realizar eleição fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

Sobrevém, além disso, sobre a matéria, a vedação constante do art. 42 da Lei Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal) combinado com o art. 167, II, da Constituição Federal. Adverte-se que recentemente o TSE considerou que a concessão de benefício fiscal que envolva redução do valor da dívida ativa ou dos tributos devidos pelos contribuintes é equiparada à distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios incidindo, dessa maneira, o regramento contido no §º 10 do art. 73, da Lei Federal 9.504/97 (Consulta nº 1531-69.2010.6.00.0000/DF, rel. Min. Marco Aurélio, em 20.9.2011). Destarte, no ano de eleições municipais é vedada a proposição e aprovação de projetos de lei que concedam benefício fiscal. Entretanto, as restrições acima mencionadas não impedem a instrução de projetos de lei que tenham sido propostos anteriormente às limitações.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei n.º 100/2019, de autoria do Vereador Manoel Eletricista (PPS), por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Há que se atentar para o fato de que da forma como está redigida a proposição, a alteração prevista no art. 2º acarretará a revogação dos atuais §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei Municipal nº 2.664/2010.

É o parecer.

Guaíba, 31 de outubro de 2019.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136



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