PARECER JURÍDICO |
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"Altera o art. 204, e a tabela IV da Lei n° 3.208 de 11 de Novembro de 2014 - Código Tributário Municipal" 1. Relatório:Os Vereadores Alex Medeiros, Claudinha Jardim e Nelson do Mercado apresentaram o Projeto de Lei nº 099/2019 à Câmara Municipal, objetivando alterar o art. 204 e a Tabela IV da Lei Municipal nº 3.208, de 11 de novembro de 2014 (Código Tributário Municipal). A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno. 2. Parecer:Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios. A auto-organização dos Municípios está disciplinada, originariamente, no artigo 29, caput, da Constituição Federal, que prevê: “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos”. O autogoverno se expressa na existência de representantes próprios dos Poderes Executivo e Legislativo em âmbito municipal – Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores –, que são eleitos diretamente pelo povo. A autoadministração e a autolegislação contemplam o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na CF/88. A respeito da autoadministração e da autolegislação, transcreve-se o artigo 30 da Constituição Federal, que enumera as competências materiais e legislativas dos Municípios:
Veja-se que, entre as competências legislativas municipais, encontra-se o poder de legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber. Tal função deve ser exercida nos termos e nos limites da CF/88, visando a estabelecer normas específicas, de acordo com a conjuntura municipal, e a complementar a legislação já existente em âmbito federal e estadual para adequar a aplicação na esfera local. Assim, não há dúvidas de que ao Município se conferem diversas possibilidades no que diz respeito à atividade legislativa, estando este legitimado a legislar sobre assuntos diversos de interesse local e a suplementar a legislação federal e estadual no que couber, desde que a matéria não adentre o rol de competências privativas da União (art. 22 da CF). Quanto à iniciativa legislativa, cumpre salientar que, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, cabe ao Município a responsabilidade pela consecução de sua legislação tributária, pertencendo ao Executivo, ao Legislativo e, ainda, à população, através de iniciativa popular, a deflagração dos referidos projetos, por não haver restrição expressa à iniciativa para matéria tributária:
As matérias de iniciativa reservada são rol taxativo na CF/88 e nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, lecionando HELY LOPES MEIRELLES que:
As leis que dispõem sobre matéria tributária não se inserem dentre as de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, afirmando os tribunais que a iniciativa para deflagrar o processo legislativo acerca da matéria é concorrente:
A matéria proposta também não trata de lei orçamentária, mas meramente de matéria tributária, possuindo viabilidade quanto à iniciativa:
Na presente situação, todavia, embora a iniciativa para a matéria tributária seja concorrente, não se demonstrou, até o momento, o cumprimento das disposições previstas no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00) quanto à ampliação da renúncia de receita, o que vem a prejudicar a proposição em termos de legalidade. Isso porque, ao prever uma redução do valor da taxa de licença para localização, vistoria, funcionamento e renovação do funcionamento em horário normal, o Município agrava a sua renúncia de receitas, exigindo-se, para tanto, a juntada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, com a demonstração do atendimento ao disposto na LDO e, ao menos, de uma das seguintes condições: 1) comprovação de que essa renúncia ampliada foi considerada na Lei Orçamentária Anual – LOA vigente e de que não afetará as metas de resultados fiscais; ou 2) demonstração de medidas de compensação, no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Eis a redação do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00), sobre as exigências financeiras para a concessão de benefícios fiscais:
Assim, como referem expressamente o caput e o § 1º do dispositivo, a modificação da base de cálculo ou alíquotas de tributo configura renúncia de receita, só sendo juridicamente viável quando estiver acompanhada de demonstração de que foi devidamente planejada e estimada na lei orçamentária anual, não afetando as metas de resultados fiscais, ou de que haverá compensação mediante aumento de receitas por outras fontes, além da necessária previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Tais complementações são necessárias à viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 099/2019, visto que ausentes na proposta, e devem ser cuidadosamente analisadas pelas comissões permanentes, diante do possível impacto para a receita municipal. Essa complementação documental, de todo modo, poderá ser obtida no âmbito da Comissão de Justiça e Redação, regimentalmente competente para aferir a constitucionalidade e a legalidade das proposições em trâmite na Câmara de Vereadores. Como já se esclareceu em outros momentos, a prerrogativa conferida ao Presidente pelo art. 105 do Regimento Interno só autoriza a devolução das proposições manifestamente inconstitucionais, não cabendo juízo de mera legalidade pelo titular do Poder Legislativo. Tal análise cabe, regimentalmente, à Comissão de Justiça e Redação, já que a formação do Poder Legislativo como órgão colegiado e democrático referenda a premissa de ser coletiva a apreciação final da constitucionalidade das proposições. É por esse motivo que o servidor que subscreve somente emite parecer desfavorável, à luz do art. 105 do Regimento, quando a inconstitucionalidade for inquestionável, remetendo as demais proposições à análise das comissões competentes mesmo quando exista dúvida ou falta de total clareza sobre a viabilidade jurídica. Por fim, especificamente quanto à tributação da atividade do microempreendedor individual (MEI), há inviabilidade jurídica com base no art. 24 da Constituição Federal de 1988 e na Lei Complementar Federal nº 123/2006. A Constituição Federal, em matéria de direito tributário (art. 24, inciso I), estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esse tema. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no art. 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber. No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. Resumidamente, os Municípios só podem legislar na competência suplementar caso existam, de fato, normas federais ou estaduais sobre a matéria e se respeite esse regramento de natureza geral. A respeito da matéria de tributação do MEI, a Lei Complementar nº 123/2006, norma geral de natureza tributária (art. 24, I, da CF/88), proíbe em todo o território nacional a cobrança de quaisquer custos relativos à abertura, inscrição, registro, funcionamento, alvará, licença, cadastro, alterações e procedimentos de baixa e encerramento dos microempreendedores individuais:
Portanto, sendo a LC nº 123/2006 uma norma geral com dispositivos de natureza tributária, decorrente da competência concorrente do art. 24, I, da CF/88, não pode o Município de Guaíba, ao complementá-la com base no art. 30, II, da CF/88, contrariar a disposição que veda a tributação do MEI, pois, do contrário, estará desrespeitando o regramento geral aplicável em todo o território nacional e, em última análise, o próprio sistema constitucional de divisão de competências. Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela possibilidade de devolução, por meio de despacho fundamentado, da proposição em epígrafe, para ajuste da Tabela IV, com a retirada da tributação do MEI, porque proibida pelo art. 4º, § 3º, da Lei Complementar Federal nº 123/2006. Ainda que apresentado substitutivo com a medida sugerida, salienta-se que a viabilidade jurídica está condicionada: I) à tramitação na forma de projeto de lei complementar, com ampla divulgação, consulta pública para o recebimento de sugestões e aprovação por maioria absoluta (art. 46, III e § 1º, da LOM); II) à demonstração do cumprimento dos requisitos previstos no art. 14 da Lei Complementar Federal nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), quais sejam: II.I) estimativa de impacto orçamentário-financeiro para o presente exercício e os dois seguintes; II.II) atendimento da Lei de Diretrizes Orçamentárias; II.III) comprovação de que essa ampliação da renúncia foi considerada na Lei Orçamentária Anual – LOA e de que não afetará as metas de resultados fiscais, OU de que há medidas de compensação no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, por meio do aumento de receita proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Por fim, cabível a revisão da redação dos §§ 1º e 2º, para adequá-la à técnica legislativa prevista no art. 11 da Lei Complementar Federal nº 95/1998. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 23 de outubro de 2019. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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