Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 040/2019
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 267/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Município de Guaíba a receber em doação área privada e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 040/2019 à Câmara Municipal, buscando gerar autorização legislativa para receber em doação área privada com extensão de 2.109,32m². A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva, no sentido de alertar para inconformidades que possam estar presentes. Conforme Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe gerar autorização legislativa para o recebimento de bem imóvel em doação, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 59 da Constituição Estadual:

Art. 59. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão técnica da Assembléia Legislativa, à Mesa, ao Governador, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça, às Câmaras Municipais e aos cidadãos, nos casos e na forma previstos nesta Constituição.

Parágrafo único. As leis complementares serão aprovadas pela maioria absoluta dos Deputados.

Portanto, foram respeitadas a iniciativa e a competência para a propositura do Projeto de Lei nº 040/19, uma vez que apresentado pelo Chefe do Executivo Municipal, enquanto responsável pela administração do patrimônio municipal.

A respeito do teor do Projeto de Lei nº 040/2019, tem-se que o seu objeto é gerar autorização legislativa para o recebimento, pelo Município de Guaíba, de bens imóveis em doação pura por particular (SIMILMAQ TRANSPORTE E COMÉRCIO DE RESÍDUOS E SUCATAS LTDA – ME, CNPJ nº 90.228.727/0001-13). Segundo a exposição de motivos da proposição, trata-se de área onde estão consolidados a passagem de parte da Rua Augusto da Costa Oliveira e o prolongamento da Rua Mário Marques da Cunha, que contam com infraestrutura completa, com pavimentação executada pelo Município, cuja propriedade, todavia, é da empresa doadora (matrícula 38.131, fl. 20).

Ainda de acordo com a exposição de motivos, “O proprietário do imóvel, ora requerente da doação, deseja apenas regularizar a situação fática, doando ao Município as áreas ocupadas pelas vias citadas, que totalizam uma área de 2.109,32m² (dois mil, cento e nove metros quadrados e trinta e dois decímetros quadrados), resultando o remanescente em três áreas distintas, descritas no memorial descritivo e plantas em anexo.” A proposição veio acompanhada de adequada instrução, sendo juntadas as cópias do protocolo de abertura do processo administrativo (fl. 04), da consolidação do contrato social (fls. 05-15), de solicitação para doação com fotos e ART (fls. 16-19), da matrícula do bem imóvel (fl. 20) e de levantamento e plantas da área (fls. 21-26).

Da leitura do Projeto de Lei nº 040/19, percebe-se que se trata de doação pura, pois o Município de Guaíba receberá a área como simples liberalidade do proprietário, inexistindo qualquer encargo que possa onerar o ato. Nesses termos, dispõe o art. 536 do Código Civil: “Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”.

A doação pura e simples, entre outras características, é identificada por ser: a) unilateral: cria obrigações para apenas um dos contratantes, configurando-se como verdadeiro ato de liberalidade; b) gratuita: atribui apenas vantagens ao donatário, com a intenção de beneficiá-lo, sem criar obrigações a este; c) formal: como regra, a doação deve ser feita mediante instrumento particular ou escritura pública (art. 541 do CC), sendo esta obrigatória nas doações envolvendo imóveis com valor superior a 30 vezes o salário mínimo (art. 108 do CC); d) inter vivos: é contrato firmado para a transferência de direitos ainda em vida dos contratantes; e) receptícia: depende da manifestação de vontade expressa ou tácita pelo donatário, conhecida pelo doador.

No presente caso, o Município de Guaíba, com a aprovação da proposta, estará autorizado a receber em doação os imóveis descritos no projeto, medida que inegavelmente lhe é benéfica, considerando a inexistência de qualquer encargo sobre o ato de liberalidade. Por tratar-se do recebimento de bens imóveis em doação pura e simples pelo Município de Guaíba, incidem regras diversas das previstas para o caso de doação promovida pelo Poder Público (art. 17 da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos – Lei nº 8.666/1993). Veja-se a lição doutrinária de Marçal Justen Filho, na obra “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, 16. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 62-63:

Observe-se que a Lei 8.666/1993 não se refere nem aos contratos unilaterais em favor da Administração nem aos atos de disposição praticados por particulares em favor dela. Trata-se de figuras regidas pelo direito privado, na maior parte dos casos. Esse é o caso, por exemplo, de doação de uma biblioteca realizada por um particular em favor do Estado. Sempre que a contratação retratar efetiva liberalidade em favor do Estado, não se cogitará de licitação. A doação de bens em favor da Administração Pública não comporta licitação prévia, tal como se infere da sistemática jurídica adotada pelo nosso ordenamento.

A exigência de prévia licitação relaciona-se preponderantemente com os contratos bilaterais de que participa a Administração Pública. Quando a Administração participa de contrato bilateral, isso significa que a avença produzirá para ela também deveres e não apenas direitos. A Administração será constrangida a realizar uma certa prestação, a qual corresponderá ao dever de a outra parte promover a sua própria prestação. Essa conceituação se apresenta absolutamente procedente nos chamados contratos comutativos ou sinalagmáticos, que se constituem na grande maioria dos contratos bilaterais firmados pela Administração Pública. Na hipótese, a causa da prestação de uma das partes é a obtenção da prestação que incumbe à outra. Nos contratos bilaterais, a regra é a execução contratual produzir modalidade de troca no patrimônio de cada parte. Ao executar a prestação que lhe cabia, o sujeito reduz seu patrimônio o qual é reintegrado através do recebimento da prestação executada pela outra parte.

Diversa é a situação quando o contrato se traduz no dever de um particular realizar um benefício em favor da Administração. Em primeiro lugar, não se cogita da "racionalidade" na gestão dos recursos públicos. Não está em jogo o princípio da economicidade. A Administração estará auferindo benefícios, exclusivamente. Não haverá aquele fenômeno de "troca”. O patrimônio público estará sendo ampliado, eis que não incumbirá à Administração promover qualquer espécie de contraprestação pelo benefício recebido. Todo contrato unilateral favorável à Administração retrata uma contratação vantajosa. É que a Administração recebe vantagens, em virtude de contratos com essa natureza.

Como se constata da leitura da esclarecedora doutrina acima colacionada, sendo a doação pura e simples em favor da Administração Pública um contrato unilateral que, por consequência, não atribui qualquer obrigação ao donatário, senão vantagens patrimoniais, não se cogita a realização de procedimento licitatório. A licitação é pressuposto da formação de contratos bilateriais (ou sinalagmáticos), isto é, daqueles em que ambas as partes assumem prestações recíprocas, classificação em que não se enquadra a doação pura.

Além disso, o mesmo doutrinador (2014, p. 63) classifica o recebimento de bens em doação pura e simples pela Administração Pública como uma hipótese de inexigibilidade de licitação, por inexistir condições de competição:

Quando alguém pretende doar algo em favor da Administração não existe, em princípio, possibilidade de competição. Como o doador é titular do poder de determinar as condições da doação, não haverá possibilidade de seleção de uma única proposta como a mais vantajosa. A doação em favor do Estado configura, em última análise, hipótese de inexigibilidade de licitação. Não há viabilidade de estabelecer parâmetros objetivos de competição. Cada particular, dispondo-se a doar bens, determina a extensão e as condições do contrato. Ademais, nem há contrapartida por parte da Administração que pudesse ser eleita como critério para identificar a maior vantagem. Tem de reconhecer-se, portanto, ser pressuposto da licitação a existência de uma prestação a ser realizada pela Administração em favor de particulares. A razão de ser da licitação não consiste, pura e simplesmente, em a Administração participar de um contrato. O que exige a licitação é o contrato importar o dever de a Administração realizar uma prestação em benefício de particular. Nessa hipótese é que terá cabimento procedimento seletivo, destinado a identificar a melhor proposta, com observância do princípio da isonomia.

Ademais, a doutrina defende a desnecessidade de autorização legislativa específica para que a Administração Pública possa receber bens em doação, desde que se trate de doação pura e simples, considerando que a obrigatoriedade prevista no art. 17 da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 8.666/1993) incide apenas para os atos de disposição praticados pela Administração Pública, em prejuízo do patrimônio público:

Para o recebimento de bens em doação, móveis ou imóveis, não é necessária prévia autorização legislativa. Exceção deve ser feita quando a doação é feita com alguma obrigação remanescente, seja financeira ou não, ou, então, haja previsão de autorização na lei orgânica do município. É necessária ampla análise quanto à doação e o seu interesse público, de forma motivada (FLORES, 2007).

Na Lei Orgânica Municipal, não há dispositivo obrigando a aprovação de projeto de lei para o recebimento de bens públicos em doação. O mais próximo que existe é a regra do art. 97, que prevê: “A aquisição de bens imóveis, por permuta, dependerá de prévia avaliação e autorização legislativa.” Veja-se que o caso aqui analisado não se refere à permuta, e sim à doação (contrato unilateral e gratuito), não se aplicando, portanto, a referida regra. Mesmo que eventualmente desnecessária a aprovação de projeto de lei, a proposta apresentada é válida e reflete a importância da Câmara de Vereadores de Guaíba nas decisões políticas de governo.

Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela constitucionalidade e pela legalidade do Projeto de Lei nº 040/19, por inexistirem vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário. É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 02 de outubro de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS 110.114B



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