Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 093/2019
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 262/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Acrescenta Capítulo XVII-A e Artigos à Lei n° 194/1973- Código de Obras de Guaíba"

1. Relatório:

Veio ao exame desta Procuradoria o Projeto de Lei nº 093/2019, apresentado pelo Vereador Alex Medeiros (PP), o qual “Acrescenta Capítulo XVII-A e Artigos à Lei n° 194/1973- Código de Obras de Guaíba”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

A alteração proposta pretende alterar o Código de Obras para regulamentar a utilização de containeres como técnica construtiva para fins comerciais no Município de Guaíba.

2. Parecer:

Preliminarmente, constata-se que a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativo do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente e no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

 IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Leciona Alexandre de Moraes que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)". (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Assim, a matéria normativa constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei nº 018/2019, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), visa regular matéria relativa ao exercício de polícia administrativa em âmbito local, especificamente com a alteração de normas previstas no Código de Posturas Municipal que regulam o manejo vegetal.

Além disso, a CE/RS, no artigo 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.” No presente caso, a medida está realmente inserida no âmbito das posturas municipais, cuja competência para definição é do Município. O poder de polícia, no magistério de Hely Lopes Meirelles é a “faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”, estando limitado seu exercício através da “Constituição Federal, de seus princípios e da lei”.[1]

A própria Constituição Federal garante tal prerrogativa aos entes municipais em seu artigo 174, caput, in verbis:

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

No mesmo sentido estabelece a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, no seu artigo 13, inciso I, anteriormente citado:

Art. 13. É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado:

I – exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais;

Com efeito cumpre observar que consoante a lição do doutrinador Hely Lopes Meirelles, as atribuições municipais no campo urbanístico desdobram-se em dois setores distintos: "o da ordenação espacial, que se consubstancia no plano diretor e nas normas de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano e urbanizável, abrangendo o zoneamento, o loteamento e a composição estética e paisagística da cidade; e o controle da construção, incidindo sobre o traçado urbano, os equipamentos sociais, até a edificação particular nos seus requisitos funcionais e estéticos, expressos no Código de Obras e normas complementares". (in Direito Municipal Brasileiro, 6ª ed., Malheiros Editores, pág. 392).

A matéria de fundo diz respeito ao Código de Obras, conceituado como um conjunto de normas onde se encontram definidas regras que visam garantir a segurança, salubridade e acessibilidade das edificações, possibilitando que a administração municipal controle e fiscalize o espaço construído e seu entorno.

Destarte, do ponto de vista da competência, a proposição encontra amparo no ordenamento jurídico e na repartição constitucional de competências entre os entes federados, encontrando amparo no art. 30, inciso I, da Constituição Federal, bem como no exercício do poder de polícia relativo às construções, ou à polícia edilícia, a qual decorre do art. 30, inciso VIII, da Constituição Federal.

Quanto à iniciativa, o E. STF assentou o entendimento de que “A matéria respeitante a loteamento, uso e ocupação do solo urbano, zoneamento, construções e edificações é da iniciativa legislativa concorrente.” (STF, RE 218.110-SP), cabendo a iniciativa parlamentar:

Ementa: “Recurso extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade contra lei municipal, dispondo sobre matéria tida como tema contemplado no art. 30, VIII, da Constituição Federal, da competência dos Municípios. 2. Inexiste norma que confira a Chefe do Poder Executivo municipal a exclusividade de iniciativa relativamente à matéria objeto do diploma legal impugnado. Matéria de competência concorrente. Inexistência de invasão da esfera de atribuições do Executivo municipal. 3. Recurso extraordinário não conhecido” (STF, RE 218.110-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, 02-04-2002, v.u., DJ 17-05-2002, p. 73).

Portanto, constitucionais os textos normativos cuja iniciativa do processo legislativo deu-se no âmbito do Poder Legislativo e que digam respeito ao loteamento, uso e ocupação do solo urbano, zoneamento, construções e edificações, desde que não determinem atribuições aos órgãos da administração municipal de maneira a afrontar o princípio da separação e independência entre os poderes insculpido no artigo 10 da Carta Estadual. É esta a interpretação do Supremo Tribunal Federal:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 742.532 SÃO PAULO. CONSTITUCIONAL. LEI MUNICIPAL (Código de Obras e Edificações): OBRIGATORIEDADE DE PRÉDIOS COMERCIAIS DISPOREM DE FRALDÁRIOS. INEXISTÊNCIA DE CONTRARIEDADE AO PRINCÍPIO DA RESERVA DE INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.

(...)

Não há na Lei Complementar n. 475/2009, de iniciativa parlamentar, regulamentação de matéria outorgada ao Chefe do Poder Executivo pela Constituição da República. Assim, não se há cogitar de afronta ao princípio da independência e harmonia dos Poderes.

                       

Foi nesse sentido o teor do parecer da Procuradoria-Geral da República quando do julgamento do RE 742.532, acolhido em seus fundamentos pelo STF:

“O único fundamento para o Tribunal de Justiça declarar a inconstitucionalidade da norma residiu no que entendeu se tratar de invasão da reserva de iniciativa do Chefe do Executivo municipal. A apreciação da controvérsia, desse modo, beneficia-se do entendimento assentado no Supremo Tribunal Federal de que ‘a iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que - por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo - deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca’ (ADI 724 MC, rel. o Ministro Celso de Mello, DJ 27-04- 2001). Por isso, também, tem sido reiterado que ‘não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo’ (ADI 3.394, rel. o Ministro Eros Grau, DJe 15.8.2008) e que, ‘se se entender que qualquer dispositivo que interfira no orçamento fere a iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo para lei orçamentária, não será possível legislar’ (ADI 2.072-MC, rel. o Ministro Moreira Alves, DJ 19.9.2003). Não há, no plano federal, exclusividade de iniciativa em tema de exigências para edificações e obras. A lei, a par disso, não permite supor que ocasione alteração alguma na ordem burocrática do Município, tampouco importa direto dispêndio de recursos públicos. Não se positiva, por certo, hipótese em que, em face do princípio da similitude com o modelo federal de processo legislativo, a iniciativa da lei impugnada estivesse reservada ao Prefeito. Insubsistente a causa de inconstitucionalidade apontada no acórdão recorrido, o parecer é pelo provimento do recurso” (fls. 195- 196).

Ressalta-se, ademais, a exigência de ampla divulgação por meio de Audiência Pública[2] da presente proposição conforme exige a Lei Orgânica Municipal em seu artigo 46, já que pretende alterar o Código de Posturas Municipal, e, ainda, a necessidade de aprovação por maioria absoluta dos membros da Casa Legislativa, já que se trata de matéria reservada a Lei Complementar.

Anote-se, ademais, que o Estatuto da Cidade (Lei Federal n.° 10.257, de 10 de julho de 2001) estabelece um processo amplamente participativo da população e de associações representativas dos vários segmentos sociais e econômicos durante a implementação de normas e diretrizes relativas ao desenvolvimento urbano:

Art. 2°. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

[...]

II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE– LEI COMPLEMENTAR DISCIPLINANDO O USO E OCUPAÇÃO DO SOLO – PROCESSO LEGISLATIVO SUBMETIDO À PARTICIPAÇÃO POPULAR – VOTAÇÃO, CONTUDO, DE PROJETO SUBSTITUTIVO QUE, A DESPEITO DE ALTERAÇÕES SIGNIFICATIVAS DO PROJETO INICIAL, NÃO FOI LEVADO AO CONHECIMENTO DOS MUNÍCIPES – VÍCIO INSANÁVEL – INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. ‘O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses envolvidos e a conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta.

Infere-se, por outro lado, que a proposta não pretende o relaxamento, pela via legislativa, das restrições urbanístico-ambientais anteriormente convencionadas pelo Código de Obras de Guaíba ou no Plano Diretor do Município, extraindo-se da Justificativa a motivação lastreada em interesse público da alteração proposta, estando, a princípio, em harmonia com os valores e exigências da Constituição Federal, da Constituição Estadual e das normas infraconstitucionais que regem o uso e a ocupação do solo urbano.

[1] Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 133 e 137.

[2] FERNANDES, Edésio. Direito urbanístico. 1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, p. 61.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 093/2019, de autoria do Vereador Alex Medeiros (PP), por inexistirem óbices de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 26 de setembro de 2019.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136



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