Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 039/2019
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 257/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dá nova redação aos artigos 93 e 125 da Lei Municipal n.º 2586, de 20 de abril de 2010, que Dispõe sobre o Estatuto do Servidor Público do Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 039/2019 à Câmara Municipal, que dá nova redação aos arts. 93 e 125 da Lei Municipal nº 2.586/10 (Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Guaíba). A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva, no sentido de alertar para inconformidades que possam estar presentes. Conforme Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe alterações no Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Guaíba, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, já que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Portanto, foram respeitadas a iniciativa e a competência para a propositura do Projeto de Lei nº 039/2019, uma vez que apresentado pelo Chefe do Executivo Municipal, enquanto responsável pelo regime jurídico dos servidores públicos municipais.

A respeito do teor do Projeto de Lei nº 039/2019, tem-se que o seu objeto é alterar disposições específicas do Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, no que diz respeito ao prazo da licença-adotante (art. 93) e ao regramento do regime especial de dedicação exclusiva. A exposição de motivos refere que “O presente Projeto de Lei visa ajustar a licença adotante ao entendimento que o Supremo Tribunal Federal tem dispensado a matéria, bem como clarear o texto do art. 125 a intenção do servidor municipal investido em função gratificada trabalhar em regime de dedicação exclusiva”.

Quanto à alteração do art. 93, o objetivo, de fato, atende à atual jurisprudência do STF sobre o tema, exarada no Recurso Extraordinário (RE) nº 778.889:

DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. EQUIPARAÇÃO DO PRAZO DA LICENÇA-ADOTANTE AO PRAZO DE LICENÇA-GESTANTE. 1. A licença maternidade prevista no art. 7º, XVIII, da Constituição abrange tanto a licença gestante quanto a licença adotante, ambas asseguradas pelo prazo mínimo de 120 dias. Interpretação sistemática da Constituição à luz da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre filhos biológicos e adotados, da doutrina da proteção integral, do princípio da prioridade e do interesse superior do menor. 2. As crianças adotadas constituem grupo vulnerável e fragilizado. Demandam esforço adicional da família para sua adaptação, para a criação de laços de afeto e para a superação de traumas. Impossibilidade de se lhes conferir proteção inferior àquela dispensada aos filhos biológicos, que se encontram em condição menos gravosa. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente. 3. Quanto mais velha a criança e quanto maior o tempo de internação compulsória em instituições, maior tende a ser a dificuldade de adaptação à família adotiva. Maior é, ainda, a dificuldade de viabilizar sua adoção, já que predomina no imaginário das famílias adotantes o desejo de reproduzir a paternidade biológica e adotar bebês. Impossibilidade de conferir proteção inferior às crianças mais velhas. Violação do princípio da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente. 4. Tutela da dignidade e da autonomia da mulher para eleger seus projetos de vida. Dever reforçado do Estado de assegurar-lhe condições para compatibilizar maternidade e profissão, em especial quando a realização da maternidade ocorre pela via da adoção, possibilitando o resgate da convivência familiar em favor de menor carente. Dívida moral do Estado para com menores vítimas da inepta política estatal de institucionalização precoce. Ônus assumido pelas famílias adotantes, que devem ser encorajadas. 5. Mutação constitucional. Alteração da realidade social e nova compreensão do alcance dos direitos do menor adotado. Avanço do significado atribuído à licença parental e à igualdade entre filhos, previstas na Constituição. Superação de antigo entendimento do STF. 6. Declaração da inconstitucionalidade do Art. 210 da Lei nº 8.112/1990 e dos parágrafos 1º e 2º do art. 3º da Resolução CJF nº 30/2008. 7. Provimento do recurso extraordinário, de forma a deferir à recorrente prazo remanescente de licença parental, a fim de que o tempo total de fruição do benefício, computado o período já gozado, corresponda a 180 dias de afastamento remunerado, correspondentes aos 120 dias de licença previstos no Art. 7º, XVIII,CF, acrescidos de 60 dias de prorrogação, tal como estabelecido pela legislação em favor da mãe gestante. 8. Tese da repercussão geral: “Os prazos da licença adotante não podem ser inferiores aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada”. (STF. Plenário. RE 778889/PE, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 10/3/2016) (repercussão geral) (Info 817).

Ocorre que o art. 1º do Projeto de Lei nº 039/19 traz modificação no art. 93 que, ainda assim, mantém a inconstitucionalidade do regramento. Perceba-se que a redação pretendida para o art. 93 é a seguinte: “À servidora adotante será concedida licença a partir da concessão do termo de guarda ou adoção, pelo prazo fixado na legislação federal”. A legislação federal sobre a matéria (Lei nº 8.112/1990) regula a licença-adotante no art. 210, prevendo o seguinte:

Art. 210. À servidora que adotar ou obtiver guarda judicial de criança até 1 (um) ano de idade, serão concedidos 90 (noventa) dias de licença remunerada. (Vide Decreto nº 6.691, de 2008)

Parágrafo único. No caso de adoção ou guarda judicial de criança com mais de 1 (um) ano de idade, o prazo de que trata este artigo será de 30 (trinta) dias.

A redação da legislação federal prevê períodos reduzidos de licença-maternidade com origem em adoção, bem como prazos diferenciados em razão da idade da criança adotada, sendo a discriminação considerada inconstitucional pelo STF, nos termos da jurisprudência acima apresentada. No entanto, como o julgamento se deu em recurso extraordinário, envolvendo um caso concreto, o controle de constitucionalidade teve natureza difusa, sem gerar a eliminação do art. 210 da Lei nº 8.112/1990, apenas conferindo o inerente efeito multiplicador da repercussão geral aos casos concretos semelhantes.

Resumidamente, o STF, no RE nº 778.889, não extirpou do ordenamento jurídico o art. 210 da Lei nº 8.112/90, declarando a sua inconstitucionalidade apenas em controle difuso, de modo que, por ainda subsistir o dispositivo legal no ordenamento, é tecnicamente incorreto dispor, na legislação municipal, que a servidora adotante terá licença pelo prazo fixado na legislação federal. Essa remissão à legislação federal fará o intérprete chegar ao art. 210 da Lei nº 8.112/90 e perceber a presença de prazos diversos da licença-maternidade pela maternidade biológica e pela maternidade adotiva, bem como a diferença de períodos tendo em conta a idade da criança adotada, o que é inconstitucional.

Necessária, assim, a correção do texto do art. 93, para que fique clara e evidente a concessão de idêntico tratamento da mãe adotante em comparação à mãe biológica, sem qualquer diferença de prazos de licença-maternidade.

No que concerne à alteração proposta no art. 125 do Estatuto, registra-se, inicialmente, o esclarecedor conteúdo da Orientação Técnica nº 42.691/2019 do IGAM:

Quanto ao art. 125, observa-se que está sendo suprimido da redação do caput, a atividade privada, o que não se entende por correto. Ademais, o § 1º conflita com a redação posta no caput, uma vez que por si só, em se tratando de dedicação exclusiva de 40h semanais, inviabiliza a acumulação de cargos, assim como de qualquer outra atividade, inclusive privada. Por esta razão que o caput do art. 125 atualmente vigente impede a acumulação de cargos, empregos ou funções públicas ou privadas, visto que o servidor está dedicado exclusivamente a função/cargo que labora uma carga horária mínima de 40hs semanais e recebe remuneração diferenciada por isso, inclusive o dobro do percentual estabelecido para aquele que se encontra em regime de tempo integral, previsto no § 3º do art. 123 da Lei nº 2.586, de 2010.

Neste sentido, recomenda-se que a redação do § 1º seja suprimida, a fim de não conflitar com a previsão posta no caput do art. 125, tendo em vista que alterar a legislação, possibilitando que o servidor que perceba gratificação por dedicação exclusiva desempenhe outra atividade profissional, acabaria por burlar a essência do instituto. Ademais, da mesma forma entende-se inadequada a supressão pretendida relativamente ao atual texto do caput do art. 125.

A exposição de motivos justifica a apresentação do Projeto de Lei nº 039/19 na intenção de permitir que o servidor público municipal investido em função gratificada possa trabalhar em regime de dedicação exclusiva, previsto no art. 125 da Lei nº 2.586/2010. Da leitura da proposição, no entanto, percebe-se que sua redação vai além, já que: (1) retira as atividades privadas da vedação de exercício cumulativo pelo servidor convocado para o regime de dedicação exclusiva; (2) autoriza, como exceção, o exercício cumulativo, pelo servidor público convocado para o regime de dedicação exclusiva, de cargos acumuláveis (art. 37, XVI, “b” e “c”, da CF) e de cargos e funções desempenhados em mesmo órgão do Município.

Todavia, conforme expôs o IGAM na Orientação Técnica nº 42.691/2019, a redação pretendida do art. 125 do Estatuto acaba por desnaturar a essência do instituto “dedicação exclusiva”, que pressupõe a concentração de esforços e atividades pelo servidor público em apenas uma função. Ao permitir-se o exercício de cargo público em regime de dedicação exclusiva com atividades privadas, bem como o exercício cumulativo de cargos públicos acumuláveis no mesmo regime de dedicação, há uma burla à essência do instituto, que passa a estar equiparado, em termos práticos, ao regime de tempo integral previsto no art. 123, § 2º, inciso I, e § 3º, do Estatuto dos Servidores, este remunerado com 50%.

Entende-se não haver vedação a que o servidor público designado para exercer função gratificada seja também convocado para o regime de dedicação exclusiva, uma vez que, segundo o art. 138 da Lei Municipal nº 2.586/2010, a função gratificada é instituída por lei para atender a encargo de chefia, direção ou assessoramento, de forma que o servidor não estará acumulando cargos ou cargas horárias, mas desempenhando uma função de confiança apenas, com o propósito de chefiar, dirigir ou assessorar outros servidores. Esse, aliás, é o fim exposto na exposição de motivos.

Desse modo, necessária, também, a correção do texto do art. 125, a fim de que o “caput” mantenha a vedação de exercício cumulativo de atividades privadas com cargo público sob regime de dedicação exclusiva, bem como para que se permita, no § 1º, a convocação ao regime de dedicação exclusiva do servidor titular de função gratificada.

Por fim, como o Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Guaíba é uma lei complementar (art. 46, inciso VI, da LOM), só pode ser alterado por outra lei da mesma natureza, aprovada por maioria absoluta, razão pela qual devem ser garantidas à proposição a ampla divulgação e a realização de consulta pública para o recebimento de sugestões, na forma do § 1º do art. 46 da Lei Orgânica Municipal.

4. Conclusão

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, observadas as linhas gerais da Orientação Técnica nº 42.691/19 do IGAM, a Procuradoria opina pela necessidade de correções nos arts. 1º e 2º, que alteram os arts. 93 e 125 do da Lei Municipal nº 2.586/10, sob pena de sua inviabilidade jurídica.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 19 de setembro de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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