Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 082/2019
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros e Ver. Nelson do Mercado
     
PARECER : Nº 250/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera o art.29, Inciso VII da Lei n.° 3.208 de 11 de novembro de 2014 - Código Tributário Municipal"

1. Relatório:

Os Vereadores Alex Medeiros e Nelson do Mercado apresentaram o Projeto de Lei nº 082/2019 à Câmara Municipal, objetivando alterar o art. 29, inciso VII, da Lei Municipal nº 3.208, de 11 de novembro de 2014 (Código Tributário Municipal). A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno. O parecer orientou pela constitucionalidade da proposição, por não haver vício de iniciativa, porém ressaltou a necessidade de cumprimento das disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal quanto à ampliação da renúncia de receita. Foram juntadas partes dos anexos da LDO de 2019 e, em seguida, apresentado substitutivo, que retornou à Procuradoria para nova análise jurídica.

2. Parecer:

Inicialmente, é preciso destacar que a presente análise jurídica se restringirá, tão somente, ao substitutivo apresentado à fl. 46, já que o projeto original foi devidamente analisado em momento anterior pelo parecer jurídico de fls. 04-10, de autoria do Procurador-Geral da Câmara de Guaíba.

O substitutivo ao Projeto de Lei nº 082/2019 inova o projeto original ao restringir o alcance da isenção inicialmente prevista. Na proposição original, a isenção do IPTU abrangeria os contribuintes com imóvel matriculado no Registro de Imóveis e os usucapientes ou possuidores com justo título e boa-fé com residência utilizada para fim exclusivamente familiar, desde que a renda mensal do proprietário não ultrapasse 2 salários mínimos e nenhum membro da composição familiar tenha qualquer outro imóvel. Através do substitutivo, busca-se limitar a isenção aos usucapientes e possuidores com justo título e boa-fé com posse mansa e pacífica de, pelo menos, 5 anos.

Ainda que o substitutivo tenha restringido o alcance da isenção tributária inicialmente proposta no projeto original, é inegável que, mesmo assim, está a ampliar a atual abrangência do benefício previsto no art. 29, inciso VII, do Código Tributário Municipal, já que, até então, somente os proprietários de imóveis devidamente registrados no Ofício de Registro de Imóveis e com renda de até 2 salários mínimos têm direito à isenção, observados os demais requisitos legais.

Nesses termos, quanto à iniciativa legislativa, reitera-se a argumentação do parecer jurídico anterior, de autoria do Procurador-Geral da Câmara, no sentido de que a instituição de isenções tributárias é matéria para a qual a iniciativa é concorrente, conforme reconhecem o art. 61 da CF/88, o art. 59 da CE/RS e o art. 38 da LOM.

A respeito disso, cumpre salientar que, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, cabe ao Município a responsabilidade pela consecução de sua legislação tributária, pertencendo ao Executivo, ao Legislativo e, ainda, à população, através de iniciativa popular, a deflagração dos referidos projetos, por não haver restrição expressa à iniciativa para matéria tributária:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA PERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I. A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II. A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III. Agravo Regimental improvido. (STF - RE: 590697 MG, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-171 DIVULG 05-09-2011 PUBLIC 06-09-2011 EMENT VOL-02581-01 PP- 00169).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE ANTA GORDA. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. LEI MUNICIPAL N.º 2.047/2014 QUE DISPÕE SOBRE A SOBRE A CONCESSÃO DE ISENÇÃO DE IPTU PARA PORTADORES DE ALGUMAS DOENÇAS GRAVES. COMPETÊNCIA COMUM OU CONCORRENTE DOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO MUNICIPAIS. Caso em que é de ser julgada improcedente a ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 2.047/2014 do Município de Anta Gorda, que dispõe sobre a concessão de isenção de IPTU para portadores de algumas doenças graves. Em se tratando de matéria tributária, a competência para iniciar o processo legislativo é comum ou concorrente dos Poderes Executivo e Legislativo Municipais. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. JULGARAM IMPROCEDENTE A AÇÃO. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70060245008, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 06/10/2014).

Quanto à matéria de fundo, também não óbices para a instituição de isenções. De acordo com o art. 176 do Código Tributário Nacional, “A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.” A premissa lógica para a instituição de isenções é a competência do ente para dispor sobre o tributo, visto que, à luz do art. 151, III, da CF/88, a União não pode instituir isenções de tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, o que se denomina, na doutrina, de vedação às isenções heterônomas. Isto é, já que é do Município de Guaíba a instituição do IPTU, apenas e somente ele pode, através da sua política tributária, determinar os casos e as condições de isenção desse tributo.

Assim, nada impede que o Município defina, no seu Código Tributário, causas de outorga de isenções de tributos municipais, desde que atendidas as exigências de natureza orçamentário-financeiras previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal. Nesse sentido, note-se o que dispõe o art. 150, § 6º, da CF: “Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g.”

Na presente situação, todavia, embora não haja inconstitucionalidade no sentido formal ou material, não se demonstrou, até o momento, o cumprimento das disposições previstas no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00) quanto à ampliação da renúncia de receita, o que vem a prejudicar a proposição em termos de legalidade.

Isso porque, ao prever uma ampliação do alcance da isenção tributária já existente, o Município agrava a sua renúncia de receitas, exigindo-se, para tanto, a juntada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, com a demonstração do atendimento ao disposto na LDO e, ao menos, de uma das seguintes condições: 1) comprovação de que essa renúncia ampliada foi considerada na Lei Orçamentária Anual – LOA e de que não afetará as metas de resultados fiscais; ou 2) demonstração de medidas de compensação, no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Eis a redação do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00), sobre as exigências financeiras para a concessão de benefícios fiscais:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

§ 3º O disposto neste artigo não se aplica:

I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1º;

II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.

Assim, como referem expressamente o caput e o § 1º do dispositivo, a concessão de isenções tributárias configura renúncia de receita, só sendo juridicamente viável quando estiver acompanhada de demonstração de que foi devidamente planejada e estimada na lei orçamentária anual, não afetando as metas de resultados fiscais, ou de que haverá compensação mediante aumento de receitas por outras fontes, além da necessária previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Tais complementações são necessárias à total viabilidade jurídica do Projeto de Lei nº 082/2019, visto que ausentes na proposta, considerando que foram juntadas partes da LDO de 2019 com previsão da renúncia tendo em conta os atuais requisitos da isenção (R$ 80.000,00), menos amplos do que os pretendidos nesta proposta.

Essa complementação documental, de todo modo, poderá ser obtida no âmbito da Comissão de Justiça e Redação, regimentalmente competente para aferir a constitucionalidade e a legalidade das proposições em trâmite na Câmara de Vereadores. Como já se esclareceu em outros momentos, a prerrogativa conferida ao Presidente pelo art. 105 do Regimento Interno só autoriza a devolução das proposições manifestamente inconstitucionais, não cabendo juízo de mera legalidade pelo titular do Poder Legislativo. Tal análise cabe, regimentalmente, à Comissão de Justiça e Redação, já que a formação do Poder Legislativo como órgão colegiado e democrático referenda a premissa de ser coletiva a apreciação final da constitucionalidade das proposições. É por esse motivo que o servidor que subscreve somente emite parecer desfavorável, à luz do art. 105 do Regimento, quando a inconstitucionalidade for inquestionável, remetendo as demais proposições à análise das comissões competentes mesmo quando exista dúvida ou falta de total clareza sobre a viabilidade jurídica.

Na presente situação, como informado, não há inconstitucionalidade manifesta quanto à possibilidade de se ampliar a isenção, ficando, desde já, o alerta de que a completa viabilidade jurídica está condicionada ao cumprimento das recomendações deste parecer jurídico, notadamente do exigido no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00) e do art. 46, III e § 1º, da Lei Orgânica Municipal, sem impedimento para que sejam solicitados novos pareceres jurídicos.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do substitutivo ao Projeto de Lei nº 082/2019, podendo seguir o trâmite regimental. No entanto, fica já destacado que a total viabilidade jurídica está condicionada: I) à tramitação na forma de projeto de lei complementar, com ampla divulgação, consulta pública para o recebimento de sugestões e aprovação por maioria absoluta (art. 46, III e § 1º, da LOM); II) à demonstração do cumprimento dos requisitos previstos no art. 14 da Lei Complementar Federal nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), quais sejam: II.I) estimativa de impacto orçamentário-financeiro para o presente exercício e os dois seguintes; II.II) atendimento da Lei de Diretrizes Orçamentárias; II.III) comprovação de que essa ampliação da renúncia foi considerada na Lei Orçamentária Anual – LOA e de que não afetará as metas de resultados fiscais, OU de que há medidas de compensação no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, por meio do aumento de receita proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 11 de setembro de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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