Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 087/2019
PROPONENTE : Ver. Miguel Crizel
     
PARECER : Nº 249/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Chefe do Poder Executivo e Legislativo Municipal a conceder um dia de folga remunerada aos Servidores Públicos Municipais Efetivos na data de seus respectivos aniversários e da outras providencias"

1. Relatório:

O Vereador Miguel Crizel apresentou o Projeto de Lei nº 087/19 à Câmara Municipal, objetivando autorizar o Chefe do Executivo e o Chefe do Legislativo a concederem um dia de folga remunerada aos servidores públicos municipais efetivos na data de seus respectivos aniversários. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende criar novo direito aos servidores públicos municipais, consistente em descanso remunerado na data de seu respectivo aniversário. Tal medida, todavia, caracteriza inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa. A matéria invade de modo indevido a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da CF, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF, ao dispor a respeito de direito estatutário dos servidores públicos, competindo exclusivamente ao Chefe do Executivo iniciar o processo legislativo.

O Projeto de Lei nº 087/2019, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “b”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul:

Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul):

“A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental.” (em "Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 1993, págs. 438/439).

A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, a qual constitui atribuição político-administrativa do Prefeito, caracterizando inconstitucionalidade formal. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer novo direito estatutário aos servidores públicos municipais, por se tratar de matéria de iniciativa privativa do Chefe do Executivo (art. 60, II, “b”, da CE/RS). Vejam-se precedentes da jurisprudência em que já restou declarada a inconstitucionalidade de leis municipais com conteúdo similar:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL DE VIAMÃO QUE INSTITUI PONTO FACULTATIVO AO SERVIDOR MUNICIPAL NO DIA DO SEU ANIVERSÁRIO - ORIGEM NA CÂMARA DE VEREADORES - VÍCIO DE INICIATIVA - LEI QUE AFETA O FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO, RAZÃO PELA QUAL SÓ PODE DERIVAR DE DECISÃO DO CHEFE DO EXECUTIVO, APÓS AVALIAÇÃO DA CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DA MEDIDA. - AFRONTA AOS ARTIGOS 8º, 10 E 60, II, "B", DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. Ação julgada procedente.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70006742134, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Carlos Branco Cardoso, Julgado em: 15-03-2004)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL N. 1961, DE 10 DE JULHO DE 2008, QUE DISPÕE SOBRE LICENÇA AO SERVIDOR EM SEU DIA DE ANIVERSÁRIO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. JULGARAM PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70027148071, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em: 16-03-2009)

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITU­CIONALIDADE. LEI VERSANDO SOBRE REGIME JU­RÍDICO DE SERVIDOR. INICIATIVA EXCLUSIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO. 1. É inconstitucional a Lei 2.235/05, do Município de Cambará do Sul, que criou Prêmio ao Funcionalismo Público Municipal através da folga na data de seu aniversário, pois versa matéria relativa ao regime jurídico dos servidores, que somente pode se tornar lei através da iniciativa do Chefe do Executivo. 2. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70015317175, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em: 21-08-2006)

O Projeto de Lei nº 087/19 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem de servidores públicos e seu regime jurídico:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Por fim, ainda que não houvesse vício de iniciativa, a proposição poderia gerar questionamentos acerca da sua constitucionalidade material, tendo em vista a existência de precedente específico, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG, declarando inconstitucionalidade de lei similar por afronta aos princípios da moralidade e do interesse público, pois a instituição de descanso remunerado ao servidor tão somente em razão de seu aniversário privilegia o interesse particular em detrimento do interesse público, sem qualquer correspondência semelhante no regime celetista:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 1.974/2013. MUNICÍPIO DE BRUMADINHO. INSTITUIÇÃO DE ABONO DE ANIVERSÁRIO PARA OS SERVIDORES DA CÂMARA MUNICIPAL. NORMA QUE DESRESPEITA O INTERESSE PÚBLICO E A MORALIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. A instituição de abono de aniversário por meio da Lei nº 1.974/2013 do Município de Brumadinho viola o princípio da moralidade, na medida em que privilegia o interesse particular do servidor em detrimento do interesse público. Inconstitucionalidade material configurada. (TJMG - Ação Direta Inconst 1.0000.14.042637-0/000, Relator(a): Des.(a) Wagner Wilson , ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento: 28/09/16, publicação da súmula: 07/10/16)

Assim, o Projeto de Lei nº 087/19 contém vício de iniciativa e afronta ao princípio da separação dos poderes, por dispor sobre matéria cuja iniciativa é reservada ao Chefe do Executivo, nos termos dos arts. 2º e 61, § 1º, II, “c”, da CF/88, dos arts. 5º e 60, II, “b”, da CE/RS e art. 119, III, da Lei Orgânica Municipal.

Conclusão:

Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe – PL nº 087/2019, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, II, c, da CF/88; art. 60, II, b, da CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88; art. 5º da CE/RS), bem como afronta ao art. 119, III, da Lei Orgânica Municipal.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 11 de setembro de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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