PARECER JURÍDICO |
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"Concede o direito ao cadeirante o embarque e desembarque em qualquer local dentro da rota que seja seguro ao trânsito e ao cadeirante no transporte público do município" 1. Relatório:A Vereadora Fernanda Garcia apresentou o Projeto de Lei nº 081/2019 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a permissão para embarque e desembarque de passageiros cadeirantes em qualquer local dentro do itinerário do transporte coletivo municipal. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 2. Parecer:De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A norma que se pretende editar no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local e na competência municipal, visto que o Projeto de Lei nº 081/19 objetiva estabelecer o direito do usuário cadeirante de requerer o embarque e o desembarque em lugar dentro da rota pré-estabelecida que atenda à sua condição física. Tal medida se insere na competência municipal e está alinhada aos objetivos de proteção previstos na Constituição Estadual Gaúcha. Quanto à matéria de fundo, também não há óbices. Isso porque o texto constitucional determina a obrigação do Estado, em sentido amplo, de oferecer condições de segurança, conforto e bem-estar às pessoas com deficiência, sendo esse o objetivo principal da norma que se pretende instituir. Nesse sentido, refere o art. 23, inciso II, da CF/88: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;” O Decreto nº 6.949, de 25/8/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção”. A mesma convenção internacional, que integra o texto constitucional por ter sido aprovada na forma do art. 5º, § 3º, da CF/88, define pessoas com deficiência como “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” (artigo 1º). Da mesma forma, no âmbito infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, estabelece, no artigo 2º: “Considera-se pessoa com deficiência aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” Prevê, ainda, o art. 8º do Estatuto, a respeito do direito à acessibilidade:
Desse modo, a partir da introdução, na Constituição Federal de 1988, de todas as normas previstas na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado, abrangendo não só as condições previstas no art. 5º do Decreto nº 5.296/04, como também todo impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que possa obstruir a participação da pessoa na sociedade em igualdade de condições com os demais. Quanto à iniciativa, há alguns precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e um precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceram a constitucionalidade de leis municipais com o mesmo propósito. Leiam-se alguns fundamentos da decisão do STF (RE nº 573.040/SP):
No mesmo sentido, veja-se parte da fundamentação jurídica nas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) nº 2015501-04.2016.8.26.0000 e 2030709-28.2016.8.26.0000, ambas do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
Não foram encontrados precedentes no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) sobre a matéria em estudo. No entanto, considerando a existência de um precedente do Supremo Tribunal Federal e dois do Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido da constitucionalidade de leis municipais que veiculem tal direito, é possível sustentar, no caso, que não há vício de iniciativa, pelos fundamentos acima apresentados. Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 081/2019, tendo em vista os três precedentes da jurisprudência apresentados. Sugere-se emenda para alteração do art. 1º nos seguintes termos:
É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 30 de agosto de 2019. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 30/08/2019 ás 18:23:11. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 0311c1214029281d43dab8ee8ced7316.
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