Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 085/2019
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 230/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera o art. 27, da Lei Municipal nº 1.759, de 19 de maio de /2003, que (Dispõe sobre a política municipal de proteção aos direitos da criança e do adolescente, regulamenta a formação e atuação do conselho municipal dos direitos da criança e do adolescente, do conselho tutelar, dispondo, ainda, sobre o fundo municipal para a criança e o adolescente e dá outras providências)"

1. Relatório:

O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei nº 085/2019 à Câmara Municipal, objetivando alterar o art. 27 da Lei Municipal nº 1.759/03. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 105 do RI.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, por fim, aos Municípios.

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

A Constituição Federal, em matéria de proteção da infância e juventude (art. 24, inciso XV), estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esse tema. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no art. 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber.

No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. Resumidamente, os Municípios só podem legislar na competência suplementar caso existam, de fato, normas federais ou estaduais sobre a matéria e se respeite o campo de abrangência das leis complementadas.

A respeito da matéria de proteção da infância e juventude, notadamente quanto ao funcionamento do Conselho Tutelar, a Lei Federal nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê regras gerais sobre a organização desse órgão municipal, havendo previsão, inclusive, de um título específico no diploma legal sobre a organização, a natureza, as atribuições dos conselhos tutelares e sobre os direitos dos conselheiros (Título V).

Quanto à organização dos conselhos tutelares, prevê o art. 132:

Art. 132. Em cada Município e em cada Região Administrativa do Distrito Federal haverá, no mínimo, 1 (um) Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública local, composto de 5 (cinco) membros, escolhidos pela população local para mandato de 4 (quatro) anos, permitida recondução por novos processos de escolha.

Veja-se, então, que a proposta não afronta a organização geral dos conselhos tutelares prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, pois preserva a composição de 5 membros, eleitos pela população local para mandato de 4 anos, com a possibilidade de recondução por sucessivos processos de escolha. Portanto, não havendo usurpação da competência suplementar, por ter sido respeitado o regramento geral federal, tem-se como atendida a competência legislativa municipal.

Quanto à matéria, também não há qualquer óbice à proposta. O art. 227, caput, da CF/88 prevê que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” A expressão “Estado”, obviamente, traduz-se em um conceito amplo, abrangendo União, Estados, DF e Municípios.

Mais especificamente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), atendendo às diretrizes constitucionais, estabeleceu um verdadeiro conjunto de normas destinadas à proteção integral e absoluta das crianças e dos adolescentes, que passaram a ser tratadas como efetivos sujeitos de direitos. Os artigos 3º, 4º e 5º do referido Estatuto indicam, resumidamente, todos os direitos garantidos às crianças e adolescentes:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

É perceptível, portanto, que a medida pretendida no Projeto de Lei nº 085/2019 é compatível com os interesses defendidos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90).

Quanto à iniciativa legislativa, para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

A partir da análise do Projeto de Lei nº 085/19, tem-se que o texto não cria órgão novo, não dispõe sobre atribuições nem sobre a estrutura e o funcionamento do Conselho Tutelar naquilo que invada a reserva de administração e a discricionariedade do Chefe do Executivo; pelo contrário, como já registrado anteriormente, a proposição apenas atualiza a legislação municipal ao que prevê a atual redação do art. 132 do Estatuto da Criança e do Adolescente, visando a harmonizar as ordens legais. De qualquer forma, mesmo que não houvesse a pretendida alteração, o Município ainda assim estaria obrigado a cumprir a norma geral da Lei nº 8.069/1990, por derivar de competência concorrente (art. 24 da CF).

Portanto, entende-se não haver vício de iniciativa. Por fim, a técnica legislativa precisa ser ajustada, pois o art. 2º do Projeto de Lei nº 085/19 está em desacordo com o art. 9º da Lei Complementar nº 95/98, que dispõe sobre a redação das leis: “Art. 9º A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas”. Assim, a expressão “revogadas as disposições em contrário” afronta o comando do art. 9º, visto que as leis revogadas devem ser especificamente enumeradas.

Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela constitucionalidade e pela legalidade do Projeto de Lei nº 085/2019, desde que se altere a redação do art. 2º para “Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”, já que a atual redação viola o art. 9º da Lei Complementar nº 95/98, o que pode ser providenciado através de emenda durante a tramitação do projeto de lei.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 29 de agosto de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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