Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 034/2019
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 217/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui a Operação Balada Segura e dá outras providências"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 034/2019 à Câmara Municipal, que institui a Operação Balada Segura e dá outras providências. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA:

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

3.1 Da competência legislativa e da iniciativa do processo legislativo

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o art. 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o art. 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

Verifica-se, também, estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da criação de programa de fiscalização e educação no trânsito, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana e Segurança, instituindo, também, uma gratificação aos servidores efetivos que serão designados para as operações, medidas de iniciativa privativa do Prefeito, nos termos do art. 60, II, alíneas “a” e “d”, da Constituição Estadual e, simetricamente, nos termos do artigo 119, inc. II, da Lei Orgânica Municipal:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Importante registrar, por fim, que a matéria do projeto não invade competências materiais e legislativas de outros entes federados, ante o disposto no art. 23, inciso XII, da Constituição Federal de 1988, que atribui à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a competência comum administrativa de “estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito”.

Quanto à matéria de fundo, as gratificações são definidas como “vantagens de ordem financeira, precária, atribuídas ao servidor público que presta serviços comuns da função em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade ou são concedidas em face de certos encargos pessoais. Essas gratificações não são liberalidade da Administração Pública, mas sim são atribuições dadas aos servidores por interesses recíprocos: primeiro da administração em ter os serviços extras do servidor e este em receber pelos serviços prestados. São vantagens pecuniárias transitórias que não se incorporam automaticamente no vencimento do servidor e nem estabelece direito subjetivo à sua percepção contínua, mas em razão somente das circunstâncias peculiares impostas pelos interesses mútuos.”[1].

Por sua vez, o TCE-MT estabelece que “é possível à Administração Pública instituir gratificações especiais para recompensar os seus servidores efetivos que exerçam atribuições excepcionais, eventuais e transitórias, passíveis de serem acumuladas com aquelas ordinárias e inerentes aos cargos públicos que ocupam”.

Quanto à natureza jurídica das gratificações, observe-se a lição de Hely Lopes Meirelles:

(…) são vantagens pecuniárias atribuídas precariamente aos servidores que estão prestando serviços comuns da função em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço), ou concedida como ajuda aos servidores que reúnam as condições pessoais que a lei especifica (gratificações especiais). As gratificações – de serviços ou pessoais – não são liberalidades puras da Administração; são vantagens pecuniárias concedidas por recíproco interesse do serviço e do servidor, mas sempre vantagens transitórias, que não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem geram direito subjetivo à continuidade de sua percepção.(...) Gratificação de serviço (propter laborem) é aquela que a Administração institui para recompensar riscos ou ônus decorrentes de trabalho normais executados em condições anormais de perigo ou de encargos para o servidor, tais como os serviços realizados com risco a vida e saúde ou prestados fora do expediente, da sede ou das atribuições ordinárias do cargo. O que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor. Nessa categoria de gratificações entram, dentre outras, as que a Administração paga pelos trabalhos realizados com risco de vida e saúde; pelos serviços extraordinários; pelo exercício do Magistério; pela representação de gabinete; pelo exercício em determinadas zonas ou locais; pela execução de trabalho técnico ou científico não decorrente do cargo; pela participação em banca examinadora ou comissão de estudo ou de concurso; pela transferência de sede (ajuda de custo); pela prestação de serviços fora da sede (diárias). Essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro lobore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento. Daí por que não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem são auferidas na disponibilidade e na aposentadoria (…).

Essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias ‘pro labore faciendo’ e ‘propter laborem’. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justifiquem, extingue-se a razão de seu pagamento. Daí porque não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem são auferidas na disponibilidade e na aposentadoria...’ (Direito Administrativo Brasileiro, 18ª edição, Malheiros Editores, pág. 411).

A doutrina é clara no sentido de que as vantagens pecuniárias sempre implicam a ocorrência de um “suporte fático específico para gerar o direito a sua percepção”. (Carvalho Filho, 2016). Segue a doutrina de Hely Lopes Meirelles quanto ao tema:

 “O que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é ser aquele uma recompensa ao tempo de serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor...”.

Com efeito, a gratificação que se pretende instituir mantém relação com a especificidade da situação fática do exercício da função, o que se pode observar da análise da matéria proposta pelo Projeto de Lei nº 034/2019, já que é possível identificar a situação fática efetiva ou os motivos especiais que justificam a pretendida gratificação – a atuação na Operação Balada Segura em horário diverso da sua jornada diária de trabalho (art. 4º, § 1º).

3.2 Do cumprimento das exigências orçamentário-financeiras

Além do atendimento da competência e da iniciativa, o projeto que verse sobre a concessão de vantagens deve demonstrar o cumprimento de requisitos de ordem orçamentária, previstos no artigo 169, § 1º, da CF/88, e na Lei Complementar Federal nº 101/00 – Lei de Responsabilidade Fiscal.

Prevê o artigo 169, caput e § 1º, da CF/88:

Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas: (Renumerado do parágrafo único, pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Em relação à prévia dotação orçamentária, a estimativa de impacto orçamentário-financeiro comprova que há recursos suficientes para o atendimento da despesa, sem que se atinjam os limites aplicáveis ao Poder Executivo em âmbito municipal. A despesa correrá por conta da estrutura programática “3319011000000 – Vencimentos e Vantagens Fixas – Pessoal Civil” da Lei Orçamentária Anual, no valor mensal de R$ 10.131,17. Quanto à autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias, o item 2 da estimativa demonstra que há previsão no enquadramento “8146 – FUNCIONAMENTO E MANUTENÇÃO DA FISCALIZAÇÃO”, também existindo autorização no art. 30, inc. I, da LDO (Lei Municipal nº 3.725/2018). Ainda, a estimativa contempla a descrição da situação, a demonstração do impacto no exercício corrente e nos dois posteriores, indicação dos percentuais de despesa, declaração de compatibilidade com as metas fiscais e referência à compensação mediante diminuição de despesas obrigatórias de caráter continuado, consistente na extinção de 13 cargos de Operário, constantes no inciso V do art. 14 da Lei Municipal nº 1.116/1993 (art. 6º).

Na Lei de Responsabilidade Fiscal, preceituam os artigos 15 e 16, inc. I e II:

Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.

Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:

I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;

II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

Tais regras estão atendidas na estimativa de impacto orçamentário-financeiro apresentada no projeto de lei, que contempla as informações necessárias. Ainda, dispõe o art. 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00):

Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.

§ 1º Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.

§ 2º Para efeito do atendimento do § 1º, o ato será acompanhado de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no § 1º do art. 4º, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa.

§ 3º Para efeito do § 2º, considera-se aumento permanente de receita o proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 4º A comprovação referida no § 2º, apresentada pelo proponente, conterá as premissas e metodologia de cálculo utilizadas, sem prejuízo do exame de compatibilidade da despesa com as demais normas do plano plurianual e da lei de diretrizes orçamentárias.

§ 5º A despesa de que trata este artigo não será executada antes da implementação das medidas referidas no § 2º, as quais integrarão o instrumento que a criar ou aumentar.

§ 6º O disposto no § 1º não se aplica às despesas destinadas ao serviço da dívida nem ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X do art. 37 da Constituição.

§ 7º Considera-se aumento de despesa a prorrogação daquela criada por prazo determinado.

Quanto ao referido dispositivo legal, cabe reiterar que a estimativa de impacto orçamentário-financeiro apresenta a origem dos recursos para o custeio da despesa e contém as premissas básicas, comprovando-se, ainda, que a despesa criada não afetará as metas de resultados fiscais.

Por fim, estabelecem os artigos 19 e 20 da LC nº 101/00:

Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:

I - União: 50% (cinqüenta por cento);

II - Estados: 60% (sessenta por cento);

III - Municípios: 60% (sessenta por cento).

Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais:

[...]

III - na esfera municipal:

b) 54% (cinquenta e quatro) para o Executivo.

De acordo com a estimativa de impacto orçamentário-financeiro, a receita corrente líquida para o exercício de 2019 é de R$ 261.322.120,00, de modo que 54% desse valor resultariam no montante de R$ 141.113.944,80. A despesa total com pessoal projetada para o final do exercício, com o impacto, é de R$ 124.742.620,26, representando 51,03% da receita corrente líquida. Ainda, da análise de certidão extraída do site do Tribunal de Contas Estadual, a respeito dos limites aplicáveis ao Poder Executivo Municipal no 1º quadrimestre de 2019, constata-se que a despesa com pessoal foi de R$ 107.223.975,02, correspondente a 50,02% da receita corrente líquida, ultrapassando o limite para emissão de alerta (art. 59, § 1º, II, da LRF), porém não atingindo o limite prudencial do art. 22, parágrafo único, da LRF (51,3%), que vedaria a criação de novas vantagens.

Portanto, atendidas as exigências da CF/88 e da LRF no aspecto orçamentário e financeiro, o Projeto de Lei nº 034/2019, salvo melhor juízo, está apto para tramitação regimental, por estar compreendido nas competências municipais de natureza legislativa e material, bem como na iniciativa privativa do Chefe do Executivo.

[1] Hely Lopes Meirelles , Direito administrativo brasileiro, p. 523/524

4. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei nº 034/19 do Poder Executivo Municipal, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 15 de agosto de 2019.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS                                                      GUSTAVO DOBLER

Procurador-Geral                                                                                                Procurador

OAB/RS 107.136                                                                                                OAB/RS 110.114B



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