Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 076/2019
PROPONENTE : Ver. Arilene Pereira
     
PARECER : Nº 212/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a proibição do uso de canudos plásticos em bares, restaurantes, hotéis e demais estabelecimentos comerciais, e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Arilene Pereira apresentou o Projeto de Lei nº 076/2019 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a proibição do uso de canudos plásticos em bares, restaurantes, hotéis e demais estabelecimentos comerciais. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

A forma federativa de Estado adotada pelo Brasil na CF/88 implica, entre outras consequências, a distribuição de competências materiais e legislativas a todos os entes que a compõem, de acordo com o critério da predominância do interesse: as matérias de interesse geral devem ser atribuídas à União; as de interesse regional devem ser entregues aos Estados e ao DF; as de interesse local, aos Municípios.

No que concerne às competências legislativas, a CF/88 as divide em: a) privativa (artigo 22): atende ao interesse nacional, atribuída apenas à União, com possibilidade de outorga aos Estados para legislar sobre pontos específicos, desde que por lei complementar; b) concorrente (artigo 24, caput): atende ao interesse regional, atribuída à União, para legislar sobre normas gerais, e aos Estados e ao DF, para legislar sobre normas específicas; c) exclusiva (artigo 30, I): atende ao interesse local, atribuída aos Municípios; d) suplementar (artigo 24, § 2º, e artigo 30, II): garante aos Estados suplementar a legislação federal, no que couber, bem como aos Municípios fazer o mesmo em relação às leis federais e estaduais; e) remanescente estadual (artigo 25, § 1º): aos Estados são atribuídas as competências que não sejam vedadas pela Constituição; f) remanescente distrital (artigo 32, § 1º): ao DF são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.

A Constituição Federal, em matéria de proteção do meio ambiente (art. 24, VI), estabelece a competência concorrente para a União legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e para os Estados e o Distrito Federal suplementá-las (art. 24, § 2º). Os Municípios, por sua vez, sob a ótica do artigo 24 da CF/88, não estão legitimados a legislar concorrentemente sobre esse tema. Sua competência legislativa está adstrita ao previsto no art. 30 da CF/88, limitando-se, basicamente, aos assuntos de interesse especificamente local e à suplementação da legislação federal e estadual, no que couber.

No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. A respeito da competência dos Municípios para legislar sobre a proteção e defesa do meio ambiente, transcreve-se a esclarecedora lição de Paulo de Bessa Antunes, um dos maiores expoentes em Direito Ambiental:

Na forma do artigo 23 da Lei Fundamental, os Municípios têm competência administrativa para defender o meio ambiente e combater a poluição. Contudo, os Municípios não estão arrolados entre as pessoas jurídicas de direito público interno encarregadas de legislar sobre meio ambiente. No entanto, seria incorreto e insensato dizer-se que os Municípios não têm competência legislativa em matéria ambiental. O artigo 30 da Constituição Federal atribui aos Municípios competência para legislar sobre: assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e estadual no que couber, promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Está claro que o meio ambiente está incluído no conjunto de atribuições legislativas e administrativas municipais e, em realidade, os Municípios formam um elo fundamental na complexa cadeia de proteção ambiental. A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente.” (‘Direito ambiental’. 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, pp. 77-8).

O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu, no RE nº 586.224/SP, julgado em 5 de maio de 2015, que “O Município é competente para legislar sobre o meio ambiente, juntamente com a União e o Estado-membro/DF, no limite do seu interesse local e desde que esse regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CF/88)”. Assim, ao menos até o momento, o entendimento predominante é pela competência legislativa dos Municípios para disporem sobre matéria ambiental, desde que respeitados os limites do seu interesse local.

Acerca da proibição de distribuição de canudos plásticos, vários Municípios vêm adotando políticas com tal propósito, inclusive pela via legislativa de iniciativa parlamentar, tendo como fundamento o dever de proteção do meio ambiente para as presentes e futuras gerações (art. 225, “caput”, da CF/88). Importa destacar que o STF estará julgando, nos próximos meses, o Recurso Extraordinário nº 732.686, especificamente quanto ao Tema nº 970 com repercussão geral (“970 - Análise das inconstitucionalidades formal e material de lei municipal que dispõe sobre o meio ambiente”), a fim de definir se os Municípios podem – e em que medida – legislar sobre questões ligadas ao meio ambiente. O caso que estará sob julgamento retrata lei municipal decorrente de iniciativa parlamentar que determina a substituição de sacolas plásticas por embalagens ecológicas (Lei Municipal nº 7.281/2011, do Município de Marília/SP).

O Ministério Público Federal, em parecer exarado no referido recurso extraordinário, manifestou-se pela constitucionalidade da Lei Municipal nº 7.281/11, por estar compreendida no campo da competência legislativa municipal e por não ser matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. Nesses termos, a Procuradora-Geral da República, Dra. Raquel Elias Ferreira Dodge, salientou que o próprio STF, em outros precedentes, manifestou-se pela constitucionalidade de leis com o mesmo propósito (RE nºs 729.726, 730.721, 729.731 e 901.444). Propôs, ao final, a fixação da seguinte tese:

É constitucional lei municipal, decorrente de iniciativa parlamentar, que determina a substituição de sacos e sacolas plásticas por embalagens ecológicas, produzidas com materiais considerados menos prejudiciais ao meio ambiente, e atribui ao Poder Executivo a competência para fiscalizar o cumprimento da norma e aplicar as respectivas sanções, uma vez que tal matéria não se inclui dentre aquelas sujeitas à iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, da Constituição Federal), e, ainda, insere-se na competência constitucional do município para legislar sobre o meio ambiente no limite de seu interesse local e em harmonia com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (arts. 24, VI c/c 30, I e II, da Constituição Federal).

Sob o ponto de vista material, a questão, portanto, ainda suscita dúvidas por representar eventual afronta aos princípios constitucionais da ordem econômica (art. 170, “caput”, da CF/88). Os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência asseguram, em seu núcleo, a prerrogativa de que todos podem exercer atividades empresariais livremente, desde que atendam às condições estabelecidas em lei. Trata-se, portanto, de uma garantia ligada à liberdade, direito fundamental de primeira dimensão que obriga o Estado a adotar uma posição de inércia sobre os cidadãos, que se autodeterminam conforme a própria vontade.

Como todo e qualquer princípio constitucional, não há absolutismos. Se, por um lado, o livre exercício do trabalho não admite interferências estatais graves, por outro a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, de acordo com os ditames da justiça social, observados os princípios de defesa do consumidor e defesa do meio ambiente (art. 170, inc. V e VI, da CF/88).

É por tal motivo que os julgamentos em sede de controle de constitucionalidade são complexos e por vezes geram decisões contraditórias. O julgador precisa fazer um exercício de ponderação de valores e princípios constitucionais para decidir se certa norma merece ou não prosperar no ordenamento jurídico, valendo-se, para tanto, do princípio da proporcionalidade. Faz um verdadeiro juízo de valor sobre a norma à luz dos princípios ou direitos fundamentais conflitantes, optando, ao final, por uma das soluções que considera prevalente e buscando, sempre que possível, causar o menor grau de dano possível aos princípios ou direitos minimizados.

Assim, tramita atualmente no STF o RE nº 732.686, a partir do qual será definido se leis municipais podem proibir o uso de sacolas plásticas, sendo que a análise ocorrerá no aspecto formal – possibilidade de o Município legislar sobre meio ambiente – e no aspecto material – se há ofensa aos princípios da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente, bem como do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no tocante ao controle da produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

Não há inconstitucionalidade manifesta, porém, a medida mais prudente e cautelosa, no caso, é aguardar o julgamento do Recurso Extraordinário nº 732.686, a fim de que o STF defina sobre a constitucionalidade de tal restrição pela via legislativa de iniciativa parlamentar. De qualquer modo, a prerrogativa conferida ao Presidente pelo art. 105 do Regimento Interno só autoriza a devolução das proposições manifestamente inconstitucionais, não cabendo juízo de mera legalidade pelo titular do Poder Legislativo. Tal análise cabe, regimentalmente, à Comissão de Justiça e Redação, já que a formação do Poder Legislativo como órgão colegiado e democrático referenda a premissa de ser coletiva a apreciação final da constitucionalidade das proposições. É por esse motivo que o servidor que subscreve somente emite parecer desfavorável, à luz do art. 105 do Regimento, quando a inconstitucionalidade for inquestionável, remetendo as demais proposições à análise das comissões competentes mesmo quando exista dúvida ou falta de total clareza sobre a viabilidade jurídica.

Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria Jurídica opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta na proposição. No entanto, salienta-se que não há total segurança jurídica da constitucionalidade do projeto, pelo fato de tramitar, no STF, o RE nº 732.686, que definirá se o Município é competente – e em que medida – para legislar sobre meio ambiente. Alerta-se, por fim, para a possibilidade de que, em eventual ação direta de inconstitucionalidade, o Tribunal de Justiça venha a reconhecer inconstitucionalidade formal ou material, por adoção de entendimento diverso, pelo menos até que venha a ser decidida a questão no STF.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 9 de agosto de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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