Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 028/2019
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 206/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Poder Executivo Municipal a contratar financiamento na linha de crédito de Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento - FINISA, junto à Caixa Econômica Federal, a oferecer garantias e dá outras providências"

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 028/2019 à Câmara Municipal, o qual o autoriza a contratar financiamento na linha de crédito de Financiamento à Infraestrutura e ao Saneamento – FINISA junto à Caixa Econômica Federal, com o oferecimento de garantias. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que fosse efetivado o controle da constitucionalidade, da competência e do caráter pessoal da proposição. O parecer orientou pelo ajuste da proposição, para retirada dos arts. 4º e 5º, em respeito ao princípio da exclusividade orçamentária, considerando, inclusive, a orientação técnica nº 27.699/2019 do IGAM. O Executivo apresentou substitutivo, que retornou à Procuradoria para novo parecer jurídico.

2. Parecer:

Inicialmente, ressalta-se que a proposição é de considerável complexidade e importância, visto tratar-se de autorização para realização de operação de crédito na ordem de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), vindo, inclusive, a criar compromisso de amortização para a próxima legislatura, o que não é ilegal, por permissivo do art. 15 da Resolução nº 43/2001 do Senado Federal, mas que precisa ser devidamente ponderado pelos membros desta Casa Legislativa em consideração ao interesse público primário.

Renova-se, também, a recomendação para que as comissões analisem o projeto com a cautela devida, solicitando pareceres técnicos das áreas que tangenciam a proposta, mediante concurso de assessoramento especializado ou colaboração de funcionários habilitados (art. 42 do Regimento Interno), já que a presente proposição não trata unicamente de matéria jurídica, sendo somente esta de responsabilidade da Procuradoria.

2.1 Sobre o art. 2º, caput, do substitutivo ao Projeto de Lei nº 028/2019

No âmbito das atribuições deste setor jurídico, cabe fazer um importante registro sobre a possibilidade, ou não, da vinculação de receita municipal como garantia de pagamento das operações de crédito. Trata-se de ponto com profundas divergências jurídicas na doutrina e na jurisprudência, as quais, todavia, precisam ser ressaltadas para o conhecimento pelos membros da Câmara Municipal.

A Constituição Federal de 1988, no art. 167, inciso IV, prevê a regra da vedação de vinculação de receitas de impostos a órgão, fundo ou despesa, o que a doutrina e a jurisprudência vieram a denominar de princípio orçamentário da não afetação de receitas:

Art. 167. São vedados:

[...]

IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

O próprio dispositivo constitucional referido antevê as exceções à regra da vedação de vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa: a) repartição constitucional de impostos previstos nos arts. 158 e 159 da CF; b) destinação de recursos para a saúde, ensino e administração tributária; c) prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita; d) oferecimento de garantia e contragarantia à União.

O IGAM, em informativo técnico sobre operações de crédito (documento anexo), fez constar a impossibilidade de vinculação de receitas do Fundo de Participação dos Municípios – FPM e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços – ICMS como garantias aos empréstimos firmados pelos Municípios com instituições financeiras, em virtude da vedação contida no art. 167, inciso IV, da CF/88:

Outra garantia que é facilmente encontrada nestes tipos de operações pelos entes Municipais é o desconto no caso de inadimplência do montante das receitas a serem recebidas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ou do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), porém este tipo de garantia encontra vedação imposta pelo inciso IV do art. 167 da Constituição Federal, bem não atende ao que expressa o art. 47 da Resolução nº 43, de 2001, do Senado Federal.

[...]

Assim, perceba que constitucionalmente não haveria a possibilidade de ser inserido dispositivo no Projeto de Lei dando como garantia a retenção no FPM ou ICMS do pagamento de empréstimo, em virtude da sua constituição (impostos). Todavia, sabe-se que as Instituições Financeiras têm exigido essa condição dos Municípios para a efetiva realização da operação de crédito, por isto a existência do dispositivo em questão.

Como bem referiu o IGAM, as instituições financeiras exigem, como condição para a concessão dos empréstimos, a previsão legal de garantias de pagamento, por meio da vinculação de receitas constitucionalmente destinadas aos entes políticos. Trata-se de prática comum que, no ano passado, repercutiu significativamente na imprensa nacional, pelo fato de o Tribunal de Contas da União ter afirmado que iria apurar por que a Caixa Econômica Federal concedeu empréstimos a Estados e Municípios com a condição de vincular receitas de impostos como garantia. Conforme afirmou a Advocacia-Geral da União,

[...] vale registrar que tramita no Tribunal de Contas da União o processo administrativo TC 005.218/2018-7, instaurado a partir de representação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, para apurar eventual irregularidade em operações de crédito de entes subnacionais tendo como garantia a vinculação de recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).[1]

Em janeiro de 2018, ante a notícia veiculada pelo TCU, “o Conselho de Administração da Caixa, presidido pela secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, decidiu suspender novos empréstimos feitos sem aval da União e usando receitas de impostos como garantia.”[2] Essa suspensão vigorou até meados de abril de 2018, visto que a Advocacia-Geral da União emitiu parecer homologado pela Presidência da República (tornando-o vinculante) no sentido de que é viável juridicamente a vinculação de receitas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) como forma de garantia das operações de crédito. Transcrevem-se os trechos mais relevantes do mencionado parecer vinculante:

18. É fundamental observar que a participação dos Estados, Distrito Federal e Municípios na receita tributária da União e dos Estados por meio dos fundos constitucionais, regulada pelo art. 159 da Constituição, foi ressalvada expressamente da vedação de vinculação das receitas dos impostos prevista no art. 167, inciso IV, da Carta.

19. Essa exceção constitucional se justifica pelo fato de as transferências constitucionais do art. 159 da Constituição não constituírem receitas derivadas do poder impositivo dos Estados, Distrito Federal e Municípios, mas sim produto de repasse constitucional decorrente do federalismo de cooperação.

20. Os valores resultantes da aplicação dos percentuais incidentes sobre o produto da arrecadação dos impostos federais transferidos aos Estados, Distrito Federal e Municípios são recursos próprios desses entes, porém não são receitas oriundas de sua competência tributária.

21. É por essa razão que o inciso IV do art. 167 da Constituição afasta, de forma peremptória, a vedação constitucional de vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa quando se tratar da repartição constitucional de impostos – notadamente a participação nos Fundos – regulada pelo art. 159 da Carta Política.

A jurisprudência do Tribunal de Contas de Minas Gerais já declarou a possibilidade de vinculação das receitas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para a garantia de operações de crédito, como se percebe no julgado a seguir:

“(…) A receita decorrente do FPM é classificada como transferência, o que não se confunde com receita de impostos, esta, sim, impossível de ser vinculada previamente a órgão, fundo ou despesa. (…) Essa transferência é composta por dois impostos – de Renda e Sobre Produtos Industrializados – ambos de competência da União. No entanto, relativamente aos municípios, esses recursos não constituem receita de seus impostos, uma vez que foge à sua competência a respectiva arrecadação, ingressando em sua Receita como transferências intergovernamentais. Dessa forma, desde já, firmo o entendimento de que o inciso IV, do art. 167, da Carta Magna, e, por conseguinte, a Súmula TCMG nº 96, não se aplicam aos recursos do FPM, pois estes recursos, no âmbito do município, não são receitas de impostos, mas sim receitas correntes provenientes de transferências governamentais. Portanto, respondo o primeiro questionamento do Consulente, no sentido de que nada impede que o município vincule percentual do FPM para custear despesa com contribuição devida a Associação de Municípios.” (grifou-se)[3]

Assim, muito embora o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) seja constituído por receitas de impostos – IR e IPI –, relativamente aos entes municipais há a perda dessa natureza ao ingressarem na receita como transferências intergovernamentais, decorrentes do federalismo de cooperação que orienta a repartição das receitas tributárias (arts. 158 e 159 da CF/88).

Dessa forma, como conclui o Parecer nº 2/2018/GAB/CGU/AGU, “nos termos do art. 167, IV e § 4º, da CF, os recursos vinculados a fundos de participação, ofertados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, podem ser aceitos como garantia nas operações celebradas por entes subnacionais com as instituições financeiras federais”.

Em relação à vinculação de receitas decorrentes de transferências constitucionais para a prestação de garantia à operação de crédito (art. 158 da CF), há profunda divergência jurídica acerca da interpretação do art. 167, inciso IV, da Constituição Federal, existindo duas interpretações possíveis.

A primeira delas, que pugna pela possibilidade da vinculação, tem fundamentos semelhantes à interpretação exarada quanto à receita do Fundo de Participação dos Municípios. Segundo tal corrente, as receitas oriundas de transferências constitucionais aos Municípios (art. 158 da CF/88) não possuem natureza de receitas de impostos, mas de receitas de transferências, ingressando no erário municipal como transferências correntes, que não se confundem com a receita tributária (art. 11, § 4º, da Lei 4.320/1964). Desse modo, perderiam a natureza de receitas de impostos, não incidindo na vedação do art. 167, inciso IV, da Constituição Federal. Essa é a interpretação da Procuradoria-Geral do Município de São Paulo, a qual, no Parecer nº 11.776/2017[4], assim explanou:

Nenhuma das interpretações é despida de lógica, mas a primeira continua nos parecendo melhor. Para os entes que recebem transferências, a receita em questão não se trata de receita de impostos ou mesmo tributária, pois não foram arrecadadas pelo ente por meio de tributos. Trata-se de ingresso corrente derivada da repartição constitucional de receitas prevista na Constituição -- mais especificamente, de transferências correntes, cf. art. 11 da Lei federal nº 4.320. Portanto, se para o Estado a receita derivada da arrecadação de ICMS seria uma 'receita de impostos' (não passível de vinculação, portanto), para os Municípios recebedores da transferência constitucional seria uma receita não-tributária. Ela perderia, portanto, a qualidade de' receita de impostos'.

[...]

Ademais, parece-nos que, se o constituinte pretendesse incluir na vedação de vinculação a receita oriunda das transferências constitucionais, ele poderia tê-lo feito de forma expressa, proibindo a vinculação da receita de impostos e da receita oriunda de transferências derivadas da repartição da receita de impostos. Ou poderia ter proibido a vinculação de qualquer receita tributária, salvo as receitas dos tributos naturalmente vinculados (taxas e contribuições). Vale ressaltar que a repartição das receitas tributárias é tratada, na Constituição, em seção diversa das seções referentes aos impostos dos entes federativos.

A segunda interpretação, contudo, é no sentido de que, como a Constituição Federal não faz restrição, apenas mencionando “vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa”, a proibição alcançaria tanto as receitas de impostos da competência do ente político como as decorrentes de transferências constitucionais de impostos da União e dos Estados. A Procuradoria-Geral de São Paulo adotou o primeiro entendimento, conforme o parecer em anexo, mas não deixou de registrar que se trata de matéria divergente na jurisprudência e que, portanto, implica risco jurídico a ser avaliado pelo gestor público quando da opção pela forma de garantia.

Vejam-se alguns precedentes no sentido da impossibilidade de vinculação de receitas de transferências constitucionais para a garantia de operações de crédito:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Artigo 5º, inciso V, da Lei nº 5.143, de 1º de fevereiro de 2011, do Município de Americana. Dispositivo que institui incentivo fiscal consistente no reembolso (em favor do beneficiário) de parte do ICMS transferido ao município. Alegação de ofensa ao princípio da não afetação das receitas. Reconhecimento. Em que pese a louvável intenção do legislador de Americana no sentido de promover o desenvolvimento do município por meio de incentivos fiscais, a solução adotada, nessa parte (referente à previsão de reembolso de parte do ICMS em favor do beneficiário), é totalmente incompatível e ofensiva à disposição do artígo 176, inciso IV, da Constítuição Estadual. Inconstitucionalidade manifesta. Ação julgada procedente. (ADI nº 2077592-67.2015.8.26.0000, Órgão Especial, Relator Des. Ferreira Rodrigues, 18/11/2015).

AÇÃO DIRETA DE INCONTITUCIONALIDADE - Lei nº 1.638, de 19 de dezembro de 2006, do Município de Itirapuã, que "autoriza o Executivo a devolver 25% (vinte e cinco por cento) do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e dá outras providências" - A regra constitucional é de não afetação da receita tributária, impossibilitando a vinculação da receita de impostos a órgãos, fundos ou despesas, salvo exceções expressamente constantes na Constituição Federal (art. 167, IV, da CF; e art. 176, IV, da CE, aplicável aos Municípios por força do art. 144) - A lei impugnada viola o princípio da não afetação da receita tributária às despesas públicas, vinculando receita a despesa pública ao autorizar o Poder Executivo a devolver 25% do IPVA recolhido pelo contribuinte que transferir veículos automotores registrados em outros municípios para o Município de Itirapuã -Violados os artigos 176, IV, e 144 da CE e 167, IV, da CF) - Inconstitucionalidade configurada. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2270832-21.2015.8.26.0000; Relator (a): João Carlos SaleW; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 14/09/2016; Data de Registro: 20/09/2016)

Em sentido contrário, a jurisprudência do mesmo Tribunal já admitiu a vinculação das receitas de transferências constitucionais:

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - NORMA MUNICIPAL AUTORIZANDO O PODER EXECUTIVO A VINCULAR REPASSE DE ICMS AO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CELEBRADA COM CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO - VEDAÇÃO DO ART. 167, IV, CF - INAPLICABILIDADE - NORMA QUE SE APLICA APENAS AOS TRIBUTOS PRÓPRIOS E NÃO AOS REPASSES - ORIENTAÇÃO SEDIMENTADA PELO PRETÓRIO EXCELSO. 1. O e. Supremo Tribunal Federal, a quem compete em última instância consolidar exegese sobre o conteúdo de norma constitucional, sedimentou entendimento no sentido de que a vedação de que trata o inciso IV, do art 167, da lei maior, não se aplica aos repasses de ICMS. Destarte, como o art. 160, da Constituição Federal, trata de limitação imposta ao ente responsável pela realização da transferência, e não àquele por ela beneficiada, constitucional a norma municipal que autoriza o Poder Executivo a vincular transferências de ICMS ao cumprimento de obrigação celebrada com concessionária de serviço público. 2. Arguição julgada improcedente. (Arguição de Inconstitucionalidade n° 0142749-60.2011.8.26.0000, Órgão Especial, data do julgamento 14/09/2011, Relator Artur Marques)

No Supremo Tribunal Federal, houve interpretação pela impossibilidade:

DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL N° 923/2009. VINCULAÇÃO DE RECEITA DE ICMS A FUNDO. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DA LEI EVIDENCIADA. NORMA DE REPRODUÇÃO OBRIGATÓRIA. AFRONTA AO ART. 167, IV, DA CRFB/88, E AO ART. 154, IV, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. Nos termos da jurisprudência da Corte, é inconstitucional a destinação de receitas de impostos a fundos ou despesas, ante o princípio da não afetação aplicado às receitas provenientes de impostos. 2. Pretensão de, por vias indiretas, utilizar-se dos recursos originados do repasse do ICMS para viabilizar a concessão de incentivos a empresas. 3. Agravo regimental a que se nega provimento" (AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 665.291/RS, Primeira Turma, Relator Min. Roberto Barroso, 16/02/2016)

No entanto, também há precedente afirmando que a vedação do art. 167, inciso IV, da Constituição Federal só alcança os tributos da competência própria do ente político, já que as receitas decorrentes de transferências constitucionais não teriam natureza de receitas de impostos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MOLDURA FÁTICA. Na apreciação do enquadramento do recurso extraordinário em um dos permissivos constitucionais, parte-se da moldura fática delineada pela Corte de origem. Impossível é pretender substituí-la para, a partir de fundamentos diversos, chegar-se a conclusão sobre o desrespeito a dispositivo da Lei Básica Federal. CONDENAÇÃO JUDICIAL - ACORDO - PARCELAMENTO. Em se tratando de acordo relativo a parcelamento de débito previsto em sentença judicial, possível é a dispensa do precatório uma vez não ocorrida a preterição. ACORDO - DÉBITO - ICMS - PARTICIPAÇÃO DO MUNICÍPIO. Inexiste ofensa ao inciso IV do artigo 167 da Constituição Federal, no que utilizado o produto da participação do município no ICMS para liquidação de débito. A vinculação vedada pelo Texto Constitucional está ligada a tributos próprios. (RE 184116, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 07/11/2000, DJ 16-022001 PP-00139 EMENT VOL-02019-02 PP-00419)

Portanto, como bem delineado no Parecer nº 11.776/2017, da Procuradoria do Município de São Paulo, há profunda divergência jurisprudencial acerca da possibilidade de vinculação das receitas decorrentes de transferências constitucionais, pertencentes aos Municípios, como garantia às operações de crédito, por não existir consenso quanto à extensão da vedação contida no inciso IV do art. 167 da CF/88, notadamente sobre o alcance da proibição também às receitas decorrentes de transferências constitucionais (art. 158 da CF/88).

De qualquer forma, dúvida não há acerca da proibição de vinculação das receitas de impostos de competência legislativa do próprio ente político – no caso dos Municípios, sobre o IPTU, o ITBI e o ISSQN –, o que não teve previsão no Projeto de Lei nº 028/2019 e, portanto, não o prejudicou no referido ponto.

Quanto à receita proveniente do Fundo de Participação dos Municípios, ressalta-se, não há proibição de sua vinculação por haver parecer vinculante exarado pela AGU nesse sentido e, quanto às receitas decorrentes de transferências constitucionais (art. 158 da CF), há profunda divergência jurisprudencial, existindo, todavia, razoável interpretação pela viabilidade dessa vinculação.

2.2 Sobre o § 4º do art. 2º do substitutivo ao Projeto de Lei nº 028/2019

No que diz respeito ao § 4º do art. 2º, importante reproduzir o alerta do IGAM, realizado na orientação técnica nº 27.699/2019:

Salienta-se que o § 4º do art. 2º merece ser revisto em virtude da forma de pagamento através de débito em conta corrente, pois, em havendo atraso nos pagamentos das contas (qualquer conta) há a ocorrência de privilégio ao fornecedor, no caso, a Caixa Econômica Federal, fato este vedado pelo Decreto-Lei nº 201, de 1967, e Lei nº 8.666, de 1993, art. 5º.

Isso se deve ao fato de que, em regra, os pagamentos devidos pela Administração Pública devem seguir a ordem de suas exigibilidades, considerando todos os credores do Município, de modo que a autorização para débito em conta-corrente pode caracterizar situação de privilégio a fornecedor específico (Caixa Econômica Federal), a contrario sensu do art. 1º, inciso XII, do Decreto-Lei nº 201/67.

2.3 Sobre o art. 5º do substitutivo ao Projeto de Lei nº 028/2019

O art. 5º do substitutivo manteve a autorização para o Poder Executivo abrir créditos adicionais destinados a fazer face aos pagamentos das obrigações resultantes da operação de crédito, o que já havia sido apontado anteriormente pelo IGAM como irregular (fl. 09), pois a abertura de crédito adicional depende de lei específica, em respeito ao princípio da exclusividade orçamentária. A esse respeito, reitera-se a recomendação apresentada.

É preciso destacar, por fim, que o próprio IGAM reconheceu, em seu informativo técnico, que as instituições financeiras exigem essas condições dos Municípios para a efetiva realização de operações de crédito, pois, do contrário, não haveria disposição da mutuante à pactuação do empréstimo. Todavia, os alertas acerca dos pontos apresentados são necessários para esclarecer a todos sobre os impactos da proposta.

No mais, renova-se o lembrete de que, segundo a Lei Orgânica de Guaíba, a proposição que diga respeito a operações de crédito exige quóruns específicos de presença e de aprovação do empréstimo (presença de 11 vereadores e aprovação de 9 vereadores, respectivamente). É o que se depreende da leitura da norma orgânica prevista no art. 18, § 2º.

[1] Advocacia-Geral da União. Parecer nº 2/2018/GAB/CGU/AGU.

[2] http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/02/tcu-vai-investigar-emprestimos-da-caixa-para-estados-e-municipios.html

[3] TCE/MG, Processo nº 809502, Consulta. Conselheiro Relator: Antônio Carlos Andrada.

[4] http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/parecer-procuradoria-geral-do-municipio-pgm-11776-de-21-de-agosto-de-2017

Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria Jurídica, em conclusão, tece as seguintes considerações sobre o substitutivo ao Projeto de Lei nº 028/2019:

a) a partir do Parecer nº 2/2018/GAB/CGU/AGU, da Advocacia-Geral da União, homologado pela Presidência da República (o que o tornou vinculante à Administração Federal), tem-se por segura a interpretação de que é possível vincular a receita do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) como garantia das operações de crédito pactuadas entre os Municípios e as instituições financeiras (art. 159, inciso I, alínea “b”, da CF), por não ter a natureza de receita de impostos, já que decorre de transferência constitucional da União, tendo natureza diversa da tributária;

b) quanto às demais receitas decorrentes de transferências constitucionais pertencentes aos Municípios (art. 158 da CF/88), há profunda divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de vinculação como garantia de operações de crédito, existindo, contudo, razoável interpretação já adotada pela Procuradoria-Geral do Município de São Paulo no sentido de que também não possuem natureza jurídica de receita de impostos, mas de transferências correntes, que não se confundem com a receita tributária (art. 11, § 4º, da Lei 4.320/1964), por não terem origem na competência tributária do ente municipal, o que permitiria a sua vinculação;

c) renovam-se os alertas feitos anteriormente pelo IGAM (orientação técnica nº 27.699/2019) quanto a possíveis impropriedades no § 4º do art. 2º e no art. 5º do substitutivo, cabendo, se for o caso, a sua revisão;

d) destaca-se novamente que o próprio IGAM reconheceu, em seu informativo técnico, que as instituições financeiras exigem essas condições dos Municípios para a efetiva realização da operação de crédito, pois, do contrário, não haveria disposição da mutuante à pactuação do empréstimo. Trata-se, notadamente, de fator a ponderar na apreciação do projeto de lei, por ser crucial ao êxito da operação de crédito pretendida;

e) lembra-se a necessidade de serem observados os quóruns previstos no art. 18, § 2º, da Lei Orgânica (presença de 2/3 e aprovação por maioria absoluta), por se tratar de empréstimo, bem como a obrigação de o Presidente votar nesta proposição e no Projeto de Lei nº 029/2019 (art. 18, § 1º, da Lei Orgânica).

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 29 de julho de 2019.

GUSTAVO DOBLER                                                                               JULIA ZANATA DAL OSTO

       Procurador                                                                                                    Procuradora

OAB/RS nº 110.114B                                                                                     OAB/RS nº 108.241



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