PARECER JURÍDICO |
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"Autoriza o Poder Executivo a contratar operações de crédito com o Badesul Desenvolvimento S.A - Agência de Fomento/RS obras de infraestrutura urbana" 1. Relatório:O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 029/2019 à Câmara Municipal, o qual o autoriza a contratar operações de crédito com o Badesul Desenvolvimento S.A – Agência de Fomento/RS para obras de infraestrutura urbana. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que fosse efetivado o controle da constitucionalidade, da competência e do caráter pessoal da proposição. O parecer orientou pelo ajuste da proposição, para retirada dos arts. 5º e 6º, em respeito ao princípio da exclusividade orçamentária, considerando, inclusive, a orientação técnica nº 27.700/2019 do IGAM. O Executivo apresentou substitutivo, que retornou à Procuradoria para novo parecer jurídico. 2. MÉRITOO substitutivo considerou a orientação jurídica prestada anteriormente por esta Procuradoria e pelo Instituto IGAM, no sentido de que a autorização para a abertura de créditos adicionais até o limite do financiamento deve ser veiculada em lei específica, em respeito ao princípio da exclusividade orçamentária (art. 167, V, da CF/88; arts. 7º, I, e 46 da Lei 4.320/1964). Ressalta-se, novamente, que a proposição é de considerável complexidade e importância, visto tratar-se de autorização para realização de operação de crédito na ordem de R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais), vindo, inclusive, a criar compromisso de amortização para a próxima legislatura, o que não é ilegal, por permissivo do art. 15 da Resolução nº 43/2001 do Senado Federal, mas que precisa ser devidamente ponderado pelos membros desta Casa Legislativa em consideração ao interesse público primário. Renova-se, também, a recomendação para que as comissões analisem o projeto com a cautela devida, solicitando pareceres técnicos das áreas que tangenciam a proposta, mediante concurso de assessoramento especializado ou colaboração de funcionários habilitados (art. 42 do Regimento Interno), já que a presente proposição não trata unicamente de matéria jurídica, sendo somente esta de responsabilidade da Procuradoria. No âmbito das atribuições deste setor jurídico, cabe fazer um importante registro sobre a possibilidade, ou não, da vinculação de receita municipal como garantia de pagamento das operações de crédito. Trata-se de ponto com profundas divergências jurídicas na doutrina e na jurisprudência, as quais, todavia, precisam ser ressaltadas para o conhecimento pelos membros da Câmara Municipal. A Constituição Federal de 1988, no art. 167, inciso IV, prevê a regra da vedação de vinculação de receitas de impostos a órgão, fundo ou despesa, o que a doutrina e a jurisprudência vieram a denominar de princípio orçamentário da não afetação de receitas:
O próprio dispositivo constitucional referido antevê as exceções à regra da vedação de vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa: a) repartição constitucional de impostos previstos nos arts. 158 e 159 da CF; b) destinação de recursos para a saúde, ensino e administração tributária; c) prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita; d) oferecimento de garantia e contragarantia à União. O IGAM, em informativo técnico sobre operações de crédito (documento anexo), fez constar a impossibilidade de vinculação de receitas do Fundo de Participação dos Municípios – FPM e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços – ICMS como garantias aos empréstimos firmados pelos Municípios com instituições financeiras, em virtude da vedação contida no art. 167, inciso IV, da CF/88:
Como bem referiu o IGAM, as instituições financeiras exigem, como condição para a concessão dos empréstimos, a previsão legal de garantias de pagamento, por meio da vinculação de receitas constitucionalmente destinadas aos entes políticos. Trata-se de prática comum que, no ano passado, repercutiu significativamente na imprensa nacional, pelo fato de o Tribunal de Contas da União ter afirmado que iria apurar por que a Caixa Econômica Federal concedeu empréstimos a Estados e Municípios com a condição de vincular receitas de impostos como garantia. Conforme afirmou a Advocacia-Geral da União,
Em janeiro de 2018, ante a notícia veiculada pelo TCU, “o Conselho de Administração da Caixa, presidido pela secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, decidiu suspender novos empréstimos feitos sem aval da União e usando receitas de impostos como garantia.”[2] Essa suspensão vigorou até meados de abril de 2018, visto que a Advocacia-Geral da União emitiu parecer homologado pela Presidência da República (tornando-o vinculante) no sentido de que é viável juridicamente a vinculação de receitas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) como forma de garantia das operações de crédito. Transcrevem-se os trechos mais relevantes do mencionado parecer vinculante:
A jurisprudência do Tribunal de Contas de Minas Gerais já declarou a possibilidade de vinculação das receitas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para a garantia de operações de crédito, como se percebe no julgado a seguir:
Assim, muito embora o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) seja constituído por receitas de impostos – IR e IPI –, relativamente aos entes municipais há a perda dessa natureza ao ingressarem na receita como transferências intergovernamentais, decorrentes do federalismo de cooperação que orienta a repartição das receitas tributárias (arts. 158 e 159 da CF/88). Dessa forma, como conclui o Parecer nº 2/2018/GAB/CGU/AGU, “nos termos do art. 167, IV e § 4º, da CF, os recursos vinculados a fundos de participação, ofertados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, podem ser aceitos como garantia nas operações celebradas por entes subnacionais com as instituições financeiras federais”. Em relação à vinculação das quotas-parte do ICMS para a prestação da garantia à operação de crédito, há profunda divergência jurídica acerca da interpretação do art. 167, inciso IV, da Constituição Federal, existindo duas interpretações possíveis. A primeira delas, que pugna pela possibilidade da vinculação, tem fundamentos semelhantes à interpretação exarada quanto à receita do Fundo de Participação dos Municípios. Segundo tal corrente, as receitas oriundas de transferências constitucionais aos Municípios (art. 158 da CF/88) não possuem natureza de receitas de impostos, mas de receitas de transferências, ingressando no erário municipal como transferências correntes, que não se confundem com a receita tributária (art. 11, § 4º, da Lei 4.320/1964). Desse modo, perderiam a natureza de receitas de impostos, não incidindo na vedação do art. 167, inciso IV, da Constituição Federal. Essa é a interpretação da Procuradoria-Geral do Município de São Paulo, a qual, no Parecer nº 11.776/2017[4], assim explanou:
A segunda interpretação, contudo, é no sentido de que, como a Constituição Federal não faz restrição, apenas mencionando “vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa”, a proibição alcançaria tanto as receitas de impostos da competência do ente político como as decorrentes de transferências constitucionais de impostos da União e dos Estados. A Procuradoria-Geral de São Paulo adotou o primeiro entendimento, conforme o parecer em anexo, mas não deixou de registrar que se trata de matéria divergente na jurisprudência e que, portanto, implica risco jurídico a ser avaliado pelo gestor público quando da opção pela forma de garantia. Vejam-se alguns precedentes no sentido da impossibilidade de vinculação de receitas de transferências constitucionais para a garantia de operações de crédito:
Em sentido contrário, a jurisprudência do mesmo Tribunal já admitiu a vinculação das receitas de transferências constitucionais:
No Supremo Tribunal Federal, houve interpretação pela impossibilidade:
No entanto, também há precedente afirmando que a vedação do art. 167, inciso IV, da Constituição Federal só alcança os tributos da competência própria do ente político, já que as receitas decorrentes de transferências constitucionais não teriam natureza de receitas de impostos:
Portanto, como bem delineado no Parecer nº 11.776/2017, da Procuradoria do Município de São Paulo, há profunda divergência jurisprudencial acerca da possibilidade de vinculação das quotas-parte de ICMS pertencentes aos Municípios como garantias às operações de crédito, por não existir consenso quanto à extensão da vedação contida no inciso IV do art. 167 da CF/88, notadamente sobre o alcance da proibição também às receitas decorrentes de transferências constitucionais, como é o caso do ICMS (art. 158, IV, da CF/88). De qualquer forma, dúvida não há acerca da proibição de vinculação das receitas de impostos de competência legislativa do próprio ente político – no caso dos Municípios, sobre o IPTU, o ITBI e o ISSQN –, de modo que o art. 3º do substitutivo, ao vincular de modo geral “os recebíveis que se fizerem necessários, provenientes da arrecadação tributária municipal”, para a garantia de quitação do empréstimo, acaba também por sujeitar as receitas de impostos municipais ao pagamento, o que é vedado pelo art. 167, IV, da CF/88. Quanto à receita proveniente do Fundo de Participação dos Municípios, ressalta-se, não há proibição de sua vinculação por haver parecer vinculante exarado pela AGU nesse sentido e, quanto à quota-parte do ICMS destinada ao Município de Guaíba, há profunda divergência jurisprudencial, existindo, todavia, razoável interpretação pela viabilidade dessa vinculação. É preciso destacar, novamente, que o próprio IGAM reconheceu, em seu informativo técnico, que as instituições financeiras exigem essa condição dos Municípios para a efetiva realização da operação de crédito, pois, do contrário, não haveria disposição da mutuante à pactuação do empréstimo. Todavia, o alerta acerca das discussões doutrinárias e jurisprudenciais é necessário para esclarecer a todos sobre os impactos da proposta. No mais, renova-se o lembrete de que, segundo a Lei Orgânica de Guaíba, a proposição que diga respeito a operações de crédito exige quóruns específicos de presença e de aprovação do empréstimo (presença de 11 vereadores e aprovação de 9 vereadores, respectivamente). É o que se depreende da leitura da norma orgânica prevista no art. 18, § 2º. [1] Advocacia-Geral da União. Parecer nº 2/2018/GAB/CGU/AGU. [2] http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2018/02/tcu-vai-investigar-emprestimos-da-caixa-para-estados-e-municipios.html [3] TCE/MG, Processo nº 809502, Consulta. Conselheiro Relator: Antônio Carlos Andrada. [4] http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/parecer-procuradoria-geral-do-municipio-pgm-11776-de-21-de-agosto-de-2017 Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria Jurídica, em conclusão, tece as seguintes considerações sobre o Projeto de Lei nº 029/2019: a) a partir do Parecer nº 2/2018/GAB/CGU/AGU, da Advocacia-Geral da União, homologado pela Presidência da República (o que o tornou vinculante à Administração Federal), tem-se por segura a interpretação de que é possível vincular a receita do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) como garantia das operações de crédito pactuadas entre os Municípios e as instituições financeiras, por não ter a natureza de receita de impostos, já que decorre de transferência constitucional da União, tendo natureza diversa da tributária; b) quanto às quotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) pertencentes aos Municípios, há profunda divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de vinculação como garantia de operações de crédito, existindo, contudo, razoável interpretação já adotada pela Procuradoria-Geral do Município de São Paulo no sentido de que também não possuem natureza jurídica de receita de impostos, mas de transferências correntes, que não se confundem com a receita tributária (art. 11, § 4º, da Lei 4.320/1964), por não terem origem na competência tributária do ente municipal, o que permitiria a sua vinculação; c) em relação aos impostos da competência própria do Município – IPTU, ITBI e ISSQN –, não há dúvida acerca da proibição de sua vinculação como garantia de quitação de empréstimos, de modo que o art. 3º do substitutivo, ao vincular de modo geral “os recebíveis que se fizerem necessários, provenientes da arrecadação tributária municipal”, para a garantia de quitação do empréstimo, acaba também por sujeitar as receitas de impostos municipais ao pagamento, o que é vedado pelo art. 167, IV, da CF/88; d) destaca-se novamente que o próprio IGAM reconheceu, em seu informativo técnico, que as instituições financeiras exigem essa condição dos Municípios para a efetiva realização da operação de crédito, pois, do contrário, não haveria disposição da mutuante à pactuação do empréstimo. Trata-se, notadamente, de fator a ponderar na apreciação do projeto de lei, por ser crucial ao êxito da operação de crédito pretendida; e) por último, lembra-se a necessidade de serem observados os quóruns previstos no art. 18, § 2º, da Lei Orgânica Municipal: presença de 2/3 e aprovação por maioria absoluta, por se tratar de empréstimo. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 26 de julho de 2019. GUSTAVO DOBLER JULIA ZANATA DAL OSTO Procurador Procuradora OAB/RS nº 110.114B OAB/RS nº 108.241 O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil. |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 29/07/2019 ás 16:38:24. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 91c49a8403e263ba6b91ef5c1711017e.
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