Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 041/2019
PROPONENTE : Ver. Everton da Academia
     
PARECER : Nº 198/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Garante a utilização de vagas de estacionamento, filas de atendimento prioritário e uso de assentos reservados em transportes públicos ou coletivos para portadores de doenças e transtornos mentais graves"

1. Relatório:

O Vereador Everton da Academia apresentou o Projeto de Lei nº 041/19 à Câmara Municipal, objetivando garantir a utilização de vagas de estacionamento, filas de atendimento prioritário e uso de assentos reservados em transportes públicos ou coletivos para portadores de doenças e transtornos mentais graves. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. O parecer jurídico orientou pelo ajuste da proposição. O proponente apresentou substitutivo, que retornou à Procuradoria para nova análise. O parecer opinou pela viabilidade jurídica, tendo a Comissão de Justiça e Redação solicitado substitutivo para que a comprovação da condição seja demonstrada em laudo médico homologado na secretaria municipal competente. Com a apresentação do substitutivo, o projeto retornou à Procuradoria, para parecer.

2. Parecer:

Inicialmente, é preciso destacar que a presente análise jurídica se restringirá, tão somente, ao art. 5º incluído por meio do substitutivo de fls. 32-33, já que os demais dispositivos já foram analisados em momento anterior pelos pareceres jurídicos de fls. 04-12 e 21-22, de autoria do Procurador-Geral da Câmara de Guaíba.

O substitutivo ao Projeto de Lei nº 041/2019 pretende ajustar a redação da proposição ao sugerido pela Comissão de Justiça e Redação à fl. 30, para que o portador de doença grave comprove sua condição através de laudo médico homologado na secretaria municipal competente, a fim de que possa usufruir dos benefícios. Ocorre que tal dispositivo é inconstitucional por criar nova atribuição às secretarias municipais por via parlamentar, esbarrando no princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 5º da CE/RS) e na regra de iniciativa privativa do art. 60, II, “d”, da CE/RS.

Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Vale destacar que o mero fato de gerar novas despesas ao Poder Executivo não obstaculiza a tramitação de projetos de lei. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que “Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos.” (ARE 878.911/RJ, Rel.: Min. Gilmar Mendes, p. em 11/10/2016).

No entanto, em que pese o seu mérito, o art. 5º do substitutivo ao Projeto de Lei nº 041/2019 incide em inconstitucionalidade por criar nova responsabilidade às secretarias municipais através da iniciativa parlamentar, o que é vedado pelo direito brasileiro. De acordo com Hely Lopes Meirelles, não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 5º da CE/RS):

“A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental.” (em "Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 1993, págs. 438/439).

Desse modo, o art. 5º do substitutivo afronta o sistema constitucional de reserva de iniciativas e o princípio da separação dos poderes (art. 60, II, “d”, e art. 5º da CE/RS), devendo ser novamente ajustado, com a sua retirada.

Importante destacar, por fim, a orientação técnica nº 28.653/2019 do IGAM, no sentido de que é conveniente a inclusão da proposta em meio ao Código de Posturas, visto que a matéria já é tratada no referido diploma legal, o que melhor atenderia à técnica legislativa definida pela Lei Complementar nº 95/98.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela necessidade de correção do substitutivo ao Projeto de Lei nº 041/19, pois o art. 5º contém vício de iniciativa e afronta à separação dos poderes, caracterizados com base no art. 2º da CF/88, no art. 5º da CE/RS e no art. 60, II, “d”, da CE/RS. Sugere-se, portanto, a retirada do art. 5º, mantendo-se os demais.

Guaíba, 16 de julho de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS 110.114B



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