Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 029/2019
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 194/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Poder Executivo a contratar operações de crédito com o Badesul Desenvolvimento S.A - Agência de Fomento/RS obras de infraestrutura urbana"

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 029/2019 à Câmara Municipal, o qual o autoriza a contratar operações de crédito com o Badesul Desenvolvimento S.A – Agência de Fomento/RS para obras de infraestrutura urbana. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência e do caráter pessoal da proposição.

Na Exposição de Motivos encaminhada pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo, o proponente expõe os motivos do projeto, aduzindo que os recursos advindos do empréstimo serão investidos em obras de pavimentação viária e restauração de calçamento em área próxima ao Sítio Histórico Gomes Jardim.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

No que diz respeito à iniciativa para a deflagração do processo legislativo, o artigo 119 da Lei Orgânica Municipal atribui ao Prefeito a iniciativa exclusiva de projetos de lei que tratem de matéria orçamentária, organização administrativa e serviços públicos, incluídos aí os que autorizam a abertura de crédito, obtenção de empréstimos e a realização de operações de crédito:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Assim sendo, adequada a proposição quanto à competência municipal e quanto à iniciativa do processo legislativo. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000), um dos mais fortes instrumentos de transparência em relação aos gastos públicos, que em âmbito nacional estabelece parâmetros a serem seguidos em matéria de gestão financeira, traz o conceito de operação de crédito em seu artigo 29, inciso III:

Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:

(...)

III - operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros;

Com efeito, a Constituição Federal exige a aprovação legislativa para as matérias que digam respeito a operações de crédito, norma de repetição obrigatória:

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

I - sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas;

II - plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, operações de crédito, dívida pública e emissões de curso forçado;

Por sua vez, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em seu artigo 52, diante da observância compulsória no texto constitucional estadual de certas normas constitucionais, também estabelece a competência do Poder Legislativo Estadual de dispor sobre operações de crédito:

Art. 52. Compete à Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador, não exigida esta para o especificado no art. 53, dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, especialmente sobre:

(...)

VI - abertura e operações de crédito;

Da mesma forma, a Lei Orgânica Municipal, reproduzindo as normas constitucionais que exigem a autorização legislativa para operações de crédito dos entes, estabelece tal competência em seu artigo 27, inciso X, in verbis, bem como em seu artigo 118, IV:

Art. 27. Compete a Câmara Municipal com a sanção do Prefeito:

(...)

X - deliberar sobre empréstimos e operações de crédito, bem como a forma e os meios de seu pagamento;

Art. 118 Compete à Câmara, com a sanção do Prefeito, dispor sobre as matérias de competência do Município, especialmente:

(...)

IV - autorizar a abertura de operações de crédito;

O ordenamento jurídico pátrio prevê a possibilidade, ademais, da lei orçamentária anual conter dispositivo autorizando a contratação de operações de crédito. É o que estabelece o art. 165 da Carta Magna, ao dispor sobre a contratação de operações de crédito:

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

(...)

§ 8º A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei.

Por sua vez, a Lei Complementar nº 101, de 2000 (LRF), estabelece em seu art. 32 as seguintes considerações sobre operação de crédito, exigindo a prévia e expressa autorização na LOA para a contratação:

Art. 32. O Ministério da Fazenda verificará o cumprimento dos limites e condições relativos à realização de operações de crédito de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles controladas, direta ou indiretamente.

§ 1º O ente interessado formalizará seu pleito fundamentando-o em parecer de seus órgãos técnicos e jurídicos, demonstrando a relação custo-benefício, o interesse econômico e social da operação e o atendimento das seguintes condições:

I – existência de prévia e expressa autorização para a contratação, no texto da lei orçamentária, em créditos adicionais ou lei específica.

[...]

Pode-se constatar que a Lei Orçamentária Anual para o exercício financeiro de 2019 (Lei nº 3743/2019), em seu artigo 4º, autoriza o Poder Executivo Municipal a realizar operações de crédito por antecipação de receita orçamentária no decorrer do exercício, estando assim atendido o disposto no art. 32, inciso I, da LRF, no que diz respeito à existência de prévia e expressa autorização para a contratação, no texto da lei orçamentária, em créditos adicionais ou lei específica.

Deve ser observado pelo ente municipal, quanto à contratação de operação de crédito, o que estabelecem as normas constitucionais e da LOM referidas supra, as regras da Resolução nº 43/01, do Senado Federal, incluída a exigência de autorização legislativa (art. 21, inciso II), estando correto nesse sentido o envio do projeto de lei por parte do Executivo ao Legislativo Municipal.

O IGAM, na orientação técnica nº 27.700/2019, destacou pontos importantes na análise da proposta, que devem ser transcritos, de modo a orientar a atuação das comissões permanentes desta Casa Legislativa:

II. A Lei Complementar nº 101, de 2000 (LRF), no seu art. 32, estabelece as condições e exigências para que os Entes Públicos possam contratar operações de crédito junto as instituições financeiras.

Cabe destacar que a Resolução nº 43, de 2001, do Senado Federal (RSF 43/01), também estabelece as normas a respeito de condições e exigências para a efetivação de operação de crédito, dentre as quais está a necessidade de autorização legislativa. Também deverão ser observados os limites expressos nos arts 6º, 7º, 8º e 9º, todos da RSF 43/2001.

Outro ponto de extrema importância para que se possa realizar, ou não, a operação de crédito, será o balizamento do valor do empréstimo com os juros e prazos de amortização, comparado com a situação financeira local e o interesse público advindo do financiamento.

Orienta-se que o art. 5º e art. 6º do presente projeto sejam suprimidos, pois a autorização para abertura dos créditos adicionais deverá ser realizada somente através de lei específica, em respeito ao princípio da exclusividade orçamentária exposto na Constituição Federal, assim como ao inciso I do art. 7º e ao art. 46 ambas da Lei Federal nº 4.320, de 1964, bem como o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público (MCASP).

Assim, deve-se ratificar a necessidade de supressão das normas previstas nos artigos 5º e 6º da proposição, na forma da orientação técnica nº 27.700/2019 do IGAM, já que o princípio da exclusividade orçamentária exige que tais autorizações sejam realizadas tão somente por meio de lei específica.

A realização da operação de crédito deve ser analisada diante do balizamento do valor do empréstimo com os juros e prazos de amortização comparando-se esse valor com a situação financeira do Município de Guaíba. Cabe, por seu turno, aos vereadores a análise quanto ao interesse público advindo do financiamento, analisando as informações encaminhadas pelo Poder Executivo junto ao projeto.

Destaca-se, ademais, que a realização de operação de crédito é proibida nos últimos 120 dias do final de mandato (art. 15 da Resolução nº 43/2001 do Senado Federal), o que não é o caso, exceto se for operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, cuja proibição se estende por todo o último exercício do mandato (art. 38, inciso IV, “b”, da Lei de Responsabilidade Fiscal). Entretanto, é necessária a previsão da sua amortização nas peças orçamentárias (PPA, LDO e LOA) onde estas despesas se efetivarão e, nesse sentido, o art. 7º do Projeto de Lei nº 029/2019 prevê que “Dos orçamentos anuais do Município constarão as dotações orçamentárias necessárias no atendimento dos encargos decorrentes das operações de crédito autorizadas pela presente Lei”.

Recomenda-se que a Comissão de Finanças e Orçamento solicite parecer técnico ao servidor do setor Contábil e Financeiro quanto ao cumprimento no disposto no art. 167, inciso III da CF/88 (ou art. 12, § 2º da LRF) no que se refere à vedação da realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta, bem como análise geral da proposição no aspecto contábil, visto que, nitidamente, são exigidos subsídios técnicos dessa específica área do conhecimento, que muito superam a análise meramente jurídica.

Por fim, tratando-se de proposição que diz respeito à matéria que autoriza operação de crédito, a Lei Orgânica de Guaíba exige quóruns específicos de presença e de aprovação do empréstimo (presença de 11 vereadores e aprovação de 9 vereadores, respectivamente). É o que se depreende da leitura da norma orgânica prevista no art. 18, § 2º:

Art. 18 (...)

§ 2º Quando se tratar de votação do Plano Diretor, do Orçamento, de empréstimo, de auxilio a empresa, de concessão de privilégios e de matéria que verse interesse particular, o quórum mínimo prescrito é de 2/3 (dois terços) de seus membros, e as deliberações são tomadas pelo voto da maioria absoluta dos Vereadores.

Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 029/19, devendo ser atendidas, entretanto, as recomendações do IGAM (retirada dos artigos 5º e 6º, em respeito ao princípio da exclusividade orçamentária), bem como atendidas as exigências de caráter orçamentário e financeiro da Lei de Responsabilidade Fiscal, da Constituição Federal e da Resolução nº 43/2001 do Senado Federal, que dispõe sobre as operações de crédito interno e externo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive concessão de garantias, seus limites e condições de autorização, e dá outras providências.

Recomenda-se que a Comissão de Finanças e Orçamento solicite parecer técnico ao servidor do setor Contábil e Financeiro quanto à proposição, analisando-a nos aspectos de natureza contábil, para melhor instrução técnica, visto que, nitidamente, são exigidos subsídios dessa específica área do conhecimento, que muito superam a análise meramente jurídica.

Por último, lembra-se a necessidade de serem observados os quóruns previstos no art. 18, § 2º, da Lei Orgânica Municipal: presença de 2/3 e aprovação por maioria absoluta, por se tratar de empréstimo.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 11 de julho de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



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