Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 062/2019
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 183/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Obriga as empresas contratadas pelo Poder Público para prestação de serviços que utilizem veículos automotores ou equipamentos automotores, para essa finalidade, e que sejam remuneradas por quilômetro rodado, por hora trabalhada ou por roteiro prédeterminado ou estimado a instalar, nesses veículos ou equipamentos, dispositivo de rastreamento e monitoramento via satélite com tecnologia Global Positioning System – GPS –, Global System for Mobile – GSM – ou General Packet Radio Service – GPRS – e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei nº 062/2019 à Câmara Municipal, buscando obrigar as empresas contratadas que operem com veículos ou equipamentos automotores e sejam remuneradas por quilômetro rodado, por hora trabalhada ou roteiro estimado que instalem, nesses veículos, dispositivos de rastreamento e monitoramento via satélite, com tecnologia GPS, GSM ou GPRS. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Parecer:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

[...]

A norma que se pretende editar no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local e na competência municipal, visto que o Projeto de Lei nº 062/2019 objetiva estabelecer mecanismo de controle e fiscalização dos contratos firmados entre o Município de Guaíba e empresas prestadoras de serviços que operem com veículos ou equipamentos automotores. Tais medidas se inserem na competência municipal e estão alinhadas aos objetivos de proteção do patrimônio público e dos princípios constitucionais que vinculam a Administração Pública.

Ocorre que o Projeto de Lei nº 062/2019, embora louvável o seu objeto, contém vício de iniciativa. A proposição esbarra no disposto no art. 61, § 1º, da Constituição Federal, que estabelece a iniciativa privativa para a deflagração do processo legislativo, fixando as disciplinas próprias do Presidente da República, aplicáveis por simetria aos demais entes federados, entre eles o Município de Guaíba:

Art. 61 (...)

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

[...]

O conteúdo normativo do Projeto de Lei nº 062/2019, do Poder Legislativo, invade a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, prevista no aludido art. 61, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, ao criar condicionantes às contratações públicas de serviços por meio de licitação, por dever constar obrigação de que as interessadas comprovem a instalação e operem seus veículos mediante sistema de monitoramento via satélite. A alteração das regras contratuais sobre a prestação do serviço não cabe ao Poder Legislativo, mas apenas ao Executivo, enquanto esfera de poder responsável pela contratação dos serviços úteis à comunidade.

Lembre-se que a medida é uma daquelas que tem aptidão para gerar o desequilíbrio dos contratos administrativos, uma vez que a ordem para a instalação e operação de veículos mediante sistema GPS, GSM ou GPRS gerará custos adicionais não estabelecidos previamente e não contemplados nas precisas propostas ofertadas nas licitações. Considerando isso, eventuais alterações devem ser implementadas por ato exclusivo do Poder Executivo, sendo o Prefeito a única autoridade legitimada para tanto.

O conteúdo do Projeto de Lei nº 062/2019 também vai de encontro ao princípio constitucional da separação dos poderes, disposto no art. 2º da Constituição Federal. A matéria ofende a chamada reserva de administração, insculpida no artigo 61, § 1º, da Constituição Federal e decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes, ao dispor a respeito da organização de serviços municipais, sobre os quais cabe ao Poder Executivo iniciar o processo legislativo ou implementar diretamente.

Não se pode esquecer, por fim, do previsto no artigo 119 da Lei Orgânica Municipal, que, à semelhança dos citados dispositivos constitucionais, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre determinadas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Destarte, apesar de ser honrosa sob o ponto de vista material, a proposta não poderia ter sido apresentada por membro do Legislativo, uma vez que não cabe aos Vereadores a iniciativa para regulamentar a prestação dos serviços contratados pelo Executivo.

A propósito, destaca-se a jurisprudência:

AÇÃO DIRETA DE INCOSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE CANGUÇU. LEI MUNICIPAL 4.073, DE 04 DE JULHO DE 2014. DISPÕE SOBRE A INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ÁGUA E ENERGIA ELÉTRICA POR EMPRESAS CONCESSIONÁRIAS. LEI DE INICIATIVA DO LEGISLATIVO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO FIRMADO ENTRE O MUNICÍPIO E AS EMPRESAS CONCESSIONÁRIAS. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. 1. Existência de vício formal na lei objurgada, de iniciativa do Poder Legislativo, o qual, ao dispor sobre as condições a serem pactuadas pelo Município e pelas empresas concessionárias dos serviços de água e energia elétrica, invadiu matéria de competência reservada ao Chefe do Poder Executivo Municipal, nos termos dos arts. 8º, caput, 60, II, alínea d , e 82, VII, da Constituição Estadual, afrontando, ainda, o princípio da separação dos poderes, previsto no art. 10 da Constituição Estadual. 2. A norma ainda padece de inconstitucionalidade material, pois ensejou a alteração do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos firmados entre o Município e as empresas concessionárias dos serviços de água e energia elétrica, maculando o art. 163, parágrafo 4º, da Constituição Estadual. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70065372211, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Barcelos de Souza Junior, Julgado em 23/11/2015)

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base no artigo 61, § 1º, da CF/88, no artigo 60, II, alínea “d”, da CE/RS e no artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 28 de junho de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 28/06/2019 ás 11:44:58. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 5a8d86000f7fd635624216a12312f4b3.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 70645.