Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 022/2019
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 180/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Concede isenção de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS à empresa de transporte coletivo de passageiros"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 022/2019 à Câmara Municipal, que concede isenção de ISSQN à empresa de transporte coletivo de passageiros no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno. O parecer jurídico orientou pela inviabilidade da proposta (fls. 08-15), por não atendimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00). A Vereadora Claudinha Jardim protocolou emenda ao projeto de lei, que retornou à Procuradoria para nova análise.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. Parecer:

Inicialmente, é preciso destacar que a presente análise jurídica se restringirá, tão somente, à emenda parlamentar apresentada às fls. 19-20, de autoria da Vereadora Claudinha Jardim, não havendo qualquer discordância em relação ao conteúdo do parecer jurídico juntado pelo Procurador-Geral desta Casa Legislativa às fls. 08-15.

O Projeto de Lei nº 022/2019 foi apresentado pelo Executivo Municipal, no exercício da iniciativa legislativa concorrente (art. 61, CF/88; art. 59, CE/RS; art. 38, LOM), com o objetivo de conceder isenção do imposto sobre serviços de qualquer natureza à empresa delegatária do serviço público de transporte coletivo, que tem caráter essencial, na forma do art. 30, inciso V, da Constituição Federal de 1988.

No que concerne ao poder de emenda, a Constituição Federal e a Constituição Estadual do Rio Grande do Sul permitem a apresentação de emendas às propostas legislativas advindas do Poder Executivo, ainda que de iniciativa privativa, desde que cumpridos alguns requisitos de ordem jurídica. Veja-se o que dispõe a Constituição Federal de 1988:

Art. 63. Não será admitido aumento da despesa prevista:

I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, ressalvado o disposto no art. 166, § 3º e § 4º;

II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público.

Na Constituição Estadual, a matéria é regulada pelo artigo 61, que estabelece:

Art. 61. Não será admitido aumento na despesa prevista:

I - nos projetos de iniciativa privativa do Governador, ressalvado o disposto no art. 152;

II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Assembléia Legislativa, dos Tribunais e do Ministério Público.

Por fim, na esfera municipal, refere o artigo 46-A da Lei Orgânica de Guaíba:

Art. 46-A Não será admitido aumento na despesa prevista:

I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Prefeito;

II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara Municipal. (Redação acrescida pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

O mais importante, portanto, no caso de emendas parlamentares a projetos de iniciativa do Executivo, é que não ocorra o aumento da despesa prevista, uma vez que tal medida é capaz de afetar o erário público por não demonstrar a viabilidade econômico-financeira, interferindo, assim, na independência do Poder Executivo, gestor das contas públicas. Além disso, a jurisprudência pacífica defende que as emendas parlamentares devem guardar o grau de pertinência temática da proposta originária, isto é, não podem veicular matérias diferentes das previstas inicialmente, de modo a não desnaturá-las ou desconfigurá-las. Veja-se o julgado do Supremo Tribunal Federal:

As normas constitucionais de processo legislativo não impossibilitam, em regra, a modificação, por meio de emendas parlamentares, dos projetos de lei enviados pelo chefe do Poder Executivo no exercício de sua iniciativa privativa. Essa atribuição do Poder Legislativo brasileiro esbarra, porém, em duas limitações: a) a impossibilidade de o parlamento veicular matérias diferentes das versadas no projeto de lei, de modo a desfigurá-lo; e b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, ressalvado o disposto no § 3º e no § 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF). [ADI 3.114, rel. min. Ayres Britto, j. 24-8-2005, P, DJ de 7-4-2006.] = ADI 2.583, rel. min. Cármen Lúcia, j. 1º-8-2011, P, DJE de 26-8-2011.

No mesmo sentido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça Gaúcho:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL N.º 4.620/2016, DO MUNICÍPIO DE URUGUAIANA. PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. EMENDAS PARLAMENTARES. IMPOSSIBILIDADE DE AUMENTO DE DESPESA EM PROJETO DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. 1. A Constituição Estadual, em seu art. 60, inc. II, delimita quais são as matérias cujas leis são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, sendo tal dispositivo aplicável aos Municípios, por simetria. É inquestionável o cabimento das emendas parlamentares em projetos de lei de iniciativa reservada, porém, tais emendas devem guardar relação com a temática original da proposição e não podem implicar aumento de despesa, o art. 61, inc. I, da CE, também aplicável aos Municípios por simetria. [...] JULGARAM PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70072358336, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 07/08/2017)

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO. LIMITES AO PODER DE EMENDA DO PODER LEGISLATIVO. Em matérias de iniciativa privativa ou reservada ao Poder Executivo, o Poder Legislativo tem limites ao seu poder de emenda. Tais limites são a inviabilidade de aumentar despesas e a pertinência temática em relação ao projeto original. Precedentes do STF. Lição doutrinária. No presente caso, a matéria objeto do projeto de lei é de iniciativa privativa do Executivo. E o projeto de lei foi elaborado pelo próprio Executivo, não tendo ocorrido, na hipótese, vício de iniciativa. Contudo, ao longo da tramitação do processo legislativo, o Legislativo municipal emendou o projeto originário, acrescendo 02 artigos e alterando a redação de 01 artigo. Com tais emendas, considerando os seus respectivos teores, o Legislativo transcendeu seu poder de emenda, ao aumentar despesas para a Administração, ao acrescentar no projeto originário disposições que com ele não guardam pertinência temática estrita; e ao determinar a retroação dos efeitos da lei para antes da sua vigência, o que não é viável na hipótese tanto por gerar aumento de despesas, quanto por impor retroação de lei com efeito punitivo. Decreta-se a inconstitucionalidade integral dos artigos 3º e 4º da Lei Municipal n.º 4.439/2016; e a inconstitucionalidade parcial do art. 5º da mesma lei, com redução de texto. JULGARAM PARCIALMENTE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70068690429, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 01/08/2016)

Leia-se, por outro lado, hipótese em que não cabe emenda parlamentar:

ADIN. REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES MUNICIPAIS. ADICIONAIS POR TEMPO DE SERVIÇO. INICIATIVA PRIVATIVA DO EXECUTIVO. É vedado ao Legislativo propor emendas que importem em aumento de despesa nos projetos que versam matérias de iniciativa privativa do Executivo, o que implicaria afronta ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes. Ação julgada procedente. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70008897647, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 29/11/2004)

Trata-se de evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal em matéria de emendas parlamentares aos projetos de iniciativa privativa, uma vez que, antigamente, entendia-se inadmissível qualquer emenda de autoridade alheia àquela competente para deflagrar o processo legislativo, pois onde faltaria poder de iniciativa, faltaria a competência para emendar (STF, RDA 28/51; 42/240; 47/238 e TASP RT 274/748). Porém, como já referido anteriormente, a interpretação hoje pacífica é da possibilidade da apresentação de emendas, desde que delas não decorra aumento de despesas nem haja desconfiguração total pelo acréscimo de matérias estranhas ou supressão de todo o seu conteúdo.

No presente caso, a emenda apresentada pela Vereadora Claudinha Jardim busca condicionar a outorga inicial e a manutenção da isenção tributária à comprovação mensal, por parte da empresa beneficiária, da regularidade “em relação a tributos federais, estaduais, municipais, contribuições previdenciárias, FGTS e quitação das obrigações e benefícios trabalhistas de seus funcionários e empregados.”

Sem ingressar no mérito da mudança pretendida pela emenda – já que o exame desta Procuradoria se circunscreve aos aspectos jurídicos –, tem-se que a emenda não provoca aumento de despesas, nem desconfigura completamente a proposição originária, porque apenas acrescenta condicionante à outorga da isenção tributária, não se desviando da matéria tratada, nem dos objetivos do projeto de lei.

Nesses termos, é válido transcrever trecho da análise efetuada pelo IGAM, órgão de assessoramento técnico contratado por esta Câmara Municipal (Orientação Técnica IGAM nº 25.964/2019):

No caso concreto, verifica-se que a emenda referida pelo consulente é no sentido de acrescer ao projeto de lei de iniciativa do Prefeito dispositivo estabelecendo exigência que os contribuintes apresentem documentos de regularidade fiscal e trabalhista como necessários à obtenção da isenção com a isenção (sic) do tributo.

Nesse contexto, tem-se que a emenda pretendida guarda pertinência temática com a proposição originária, não altera substancialmente o texto e tampouco determina o aumento de despesa, razão pela qual opina-se pela viabilidade jurídica de apresentação de emenda parlamentar à proposição analisada, nos moldes declinados pelo consulente.

Assim, a emenda parlamentar apresentada às fls. 19-20, salvo melhor juízo, é juridicamente viável, por ter respeitado os limites constitucionais ao poder de emenda previstos no art. 63 da CF/88, no art. 61 da CE/RS e no art. 46-A da LOM. No entanto, ressalta-se novamente que, na forma do parecer jurídico de fls. 08-15, a proposição originária contém vício jurídico por não atender aos ditames do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e, em última análise, do art. 165, § 2º, da Constituição Federal de 1988, merecendo detida análise por parte das comissões permanentes e dos vereadores desta Câmara Municipal.

4. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela viabilidade jurídica da emenda parlamentar protocolada pela Vereadora Claudinha Jardim, por ter respeitado os limites constitucionais ao poder de emenda previstos no art. 63 da CF/88, no art. 61 da CE/RS e no art. 46-A da LOM. Por outro lado, quanto à proposição originária, acompanha-se o parecer jurídico de fls. 08-15.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 27 de junho de 2019.

 

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B



O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.
Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 27/06/2019 ás 10:31:02. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação c21102b9317491f3c0cfa1f80df4e9c5.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 70541.