Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 021/2019
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 163/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Revoga o Art. 4.º da Lei Municipal n.º 3.385, de 28 de dezembro de 2015, que estabelece a isenção do pagamento de tarifas de Transporte Coletivo do Município de Guaíba para pessoas com mais de 60 (sessenta) anos e menos de 65 (sessenta e cinco) anos, fixando disposição transitória para os atuais beneficiários de referida isenção"

1. Relatório:

O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 021/2019 à Câmara Municipal, que revoga o art. 4º da Lei Municipal nº 3.385/15, que estabelece a isenção do pagamento de tarifas de transporte coletivo do Município de Guaíba para pessoas com mais de 60 (sessenta) anos e menos de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, fixando disposição transitória para os atuais beneficiários da isenção. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno. O parecer jurídico orientou pela viabilidade da proposta, advertindo, contudo, a possibilidade remota de que a futura lei venha a ser declarada materialmente inconstitucional com fundamento no princípio da vedação ao retrocesso. O Vereador Miguel Crizel protocolou emenda ao projeto de lei, que retornou à Procuradoria para nova análise.

2. Parecer:

O Projeto de Lei nº 021/2019 foi apresentado pelo Executivo Municipal, de sua iniciativa privativa, por relacionar-se à organização do serviço público de transporte coletivo, com fundamento no art. 30, inciso V, da Constituição Federal de 1988. No entanto, apesar da reserva de iniciativa, a Constituição Federal e a Constituição Estadual permitem, sim, a apresentação de emendas a tais propostas, desde que cumpridos alguns requisitos de ordem jurídica. Veja-se o que dispõe a CF/88:

Art. 63. Não será admitido aumento da despesa prevista:

I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, ressalvado o disposto no art. 166, § 3º e § 4º;

II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público.

Na Constituição Estadual, a matéria é regulada pelo artigo 61, que estabelece:

Art. 61.  Não será admitido aumento na despesa prevista:

I - nos projetos de iniciativa privativa do Governador, ressalvado o disposto no art. 152;

II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Assembléia Legislativa, dos Tribunais e do Ministério Público.

Por fim, na esfera municipal, refere o artigo 46-A da Lei Orgânica de Guaíba:

Art. 46-A Não será admitido aumento na despesa prevista:

I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Prefeito;

II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara Municipal. (Redação acrescida pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

O mais importante, portanto, no caso de emendas parlamentares a projetos de iniciativa do Executivo, é que não ocorra o aumento da despesa prevista, uma vez que tal medida é capaz de afetar o erário público por não demonstrar a viabilidade econômico-financeira, interferindo, assim, na independência do Poder Executivo, gestor das contas públicas. Além disso, a jurisprudência pacífica defende que as emendas parlamentares devem guardar o grau de pertinência temática da proposta originária, isto é, não podem veicular matérias diferentes das previstas inicialmente, de modo a não desnaturá-las ou desconfigurá-las. Veja-se o julgado do Supremo Tribunal Federal:

As normas constitucionais de processo legislativo não impossibilitam, em regra, a modificação, por meio de emendas parlamentares, dos projetos de lei enviados pelo chefe do Poder Executivo no exercício de sua iniciativa privativa. Essa atribuição do Poder Legislativo brasileiro esbarra, porém, em duas limitações: a) a impossibilidade de o parlamento veicular matérias diferentes das versadas no projeto de lei, de modo a desfigurá-lo; e b) a impossibilidade de as emendas parlamentares aos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, ressalvado o disposto no § 3º e no § 4º do art. 166, implicarem aumento de despesa pública (inciso I do art. 63 da CF). [ADI 3.114, rel. min. Ayres Britto, j. 24-8-2005, P, DJ de 7-4-2006.] = ADI 2.583, rel. min. Cármen Lúcia, j. 1º-8-2011, P, DJE de 26-8-2011.

No mesmo sentido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça Gaúcho:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL N.º 4.620/2016, DO MUNICÍPIO DE URUGUAIANA. PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO. EMENDAS PARLAMENTARES. IMPOSSIBILIDADE DE AUMENTO DE DESPESA EM PROJETO DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. 1. A Constituição Estadual, em seu art. 60, inc. II, delimita quais são as matérias cujas leis são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, sendo tal dispositivo aplicável aos Municípios, por simetria. É inquestionável o cabimento das emendas parlamentares em projetos de lei de iniciativa reservada, porém, tais emendas devem guardar relação com a temática original da proposição e não podem implicar aumento de despesa, o art. 61, inc. I, da CE, também aplicável aos Municípios por simetria. [...] JULGARAM PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO FORMULADO NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70072358336, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 07/08/2017)

AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO. LIMITES AO PODER DE EMENDA DO PODER LEGISLATIVO. Em matérias de iniciativa privativa ou reservada ao Poder Executivo, o Poder Legislativo tem limites ao seu poder de emenda. Tais limites são a inviabilidade de aumentar despesas e a pertinência temática em relação ao projeto original. Precedentes do STF. Lição doutrinária. No presente caso, a matéria objeto do projeto de lei é de iniciativa privativa do Executivo. E o projeto de lei foi elaborado pelo próprio Executivo, não tendo ocorrido, na hipótese, vício de iniciativa. Contudo, ao longo da tramitação do processo legislativo, o Legislativo municipal emendou o projeto originário, acrescendo 02 artigos e alterando a redação de 01 artigo. Com tais emendas, considerando os seus respectivos teores, o Legislativo transcendeu seu poder de emenda, ao aumentar despesas para a Administração, ao acrescentar no projeto originário disposições que com ele não guardam pertinência temática estrita; e ao determinar a retroação dos efeitos da lei para antes da sua vigência, o que não é viável na hipótese tanto por gerar aumento de despesas, quanto por impor retroação de lei com efeito punitivo. Decreta-se a inconstitucionalidade integral dos artigos 3º e 4º da Lei Municipal n.º 4.439/2016; e a inconstitucionalidade parcial do art. 5º da mesma lei, com redução de texto. JULGARAM PARCIALMENTE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70068690429, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 01/08/2016)

Leia-se, por outro lado, hipótese em que não cabe emenda parlamentar:

ADIN. REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES MUNICIPAIS. ADICIONAIS POR TEMPO DE SERVIÇO. INICIATIVA PRIVATIVA DO EXECUTIVO. É vedado ao Legislativo propor emendas que importem em aumento de despesa nos projetos que versam matérias de iniciativa privativa do Executivo, o que implicaria afronta ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes. Ação julgada procedente. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70008897647, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 29/11/2004)

Em que pese o mérito da emenda parlamentar, que objetiva garantir dez vales-transporte por mês aos munícipes que tenham idade entre 60 e 65 anos e comprovem renda inferior a dois salários mínimos mensais, verifica-se o aumento da despesa do Poder Executivo, pois o direito previsto tem repercussão sobre o equilíbrio econômico-financeiro da relação contratual com a delegatária do serviço público de transporte coletivo, em parâmetro não calculado nem mesmo avaliado pelas partes, que implica afronta ao princípio da separação dos poderes por invasão da esfera de reserva administrativa. Além disso, a emenda parlamentar, de certa forma, distorce o conteúdo do art. 2º do PL 021/2019, uma vez que esse dispositivo institui regra de transição que já assegura aos titulares atuais da isenção a manutenção do benefício tarifário, o que atende aos fins da emenda apresentada.

Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela inviabilidade jurídica da emenda parlamentar apresentada pelo Vereador Miguel Crizel, por implicar aumento da despesa vedado pelo art. 63, inciso I, da CF/88, art. 61, inciso I, da CE/RS e art. 46-A, inciso I, da LOM.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 11 de junho de 2019.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS n.º 110.114B



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