Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 022/2019
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 158/2019
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Concede isenção de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS à empresa de transporte coletivo de passageiros"

1. Relatório:

 O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 022/2019 à Câmara Municipal, o qual “Concede isenção de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS à empresa de transporte coletivo de passageiros”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores.

2. Parecer:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, uma vez que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, além de referir-se à competência constitucional de arrecadar os tributos que cabem ao referido ente federativo, entre os quais está o ISSQN, objeto do presente projeto de lei.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 022/2019 propõe a concessão de benefício fiscal específico, matéria para a qual é reconhecida a iniciativa concorrente, nos termos do artigo 61 da CF/88, artigo 59 da CE/RS e artigo 38 da Lei Orgânica Municipal.

A respeito disso, cumpre salientar que, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, cabe ao Município a responsabilidade pela consecução de sua legislação tributária, pertencendo ao Executivo, ao Legislativo e, ainda, à população, através de iniciativa popular, a iniciativa dos referidos projetos de lei, por não haver qualquer restrição expressa à iniciativa para matéria tributária:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA PERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I. A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II. A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III. Agravo Regimental improvido. (STF - RE: 590697 MG, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-171 DIVULG 05-09-2011 PUBLIC 06-09-2011 EMENT VOL-02581-01 PP- 00169).

No caso, o projeto em questão partiu do próprio Poder Executivo, que procura conceder isenção tributária à empresa de transporte coletivo de passageiros de serviço convencional que mantém contrato de concessão com o Poder Executivo, não havendo, pois, qualquer obstáculo constitucional à competência e à iniciativa exercidas na proposta.

A Constituição Federal de 1988 exige lei específica para a concessão de isenção tributária, estando nesse ponto correta a apresentação do projeto de lei:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(…)

6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

(…)

2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.

6º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que a Lei Complementar nº 157/2016, nos termos da Lei Complementar nº 116/2003, a concessão de benefícios fiscais específicos, que reduza o valor do Imposto sobre Serviços, não deverá reduzir a montante inferior ao valor da aplicação da alíquota de 2% sobre a receita bruta, sob pena de tal lei ser considerada nula, exceto nos casos mencionados pelo §1º, do seu art. 8º-A, que dispõe:

Art. 8º-A. A alíquota mínima do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza é de 2% (dois por cento). (Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016)

1º O imposto não será objeto de concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros, inclusive de redução de base de cálculo ou de crédito presumido ou outorgado, ou sob qualquer outra forma que resulte, direta ou indiretamente, em carga tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima estabelecida no caput, exceto para os serviços a que se referem os subitens 7.02, 7.05 e 16.01 da lista anexa a esta Lei Complementar.

2º É nula a lei ou o ato do Município ou do Distrito Federal que não respeite as disposições relativas à alíquota mínima previstas neste artigo no caso de serviço prestado a tomador ou intermediário localizado em Município diverso daquele onde está localizado o prestador do serviço. (Incluído pela Lei Complementar nº 157, de 2016) [...]

O referido item 16.01, da Lista de Serviços anexa à LC nº 116/2003, compreende “16.01 - Serviços de transporte coletivo municipal rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros. (Redação dada pela Lei Complementar nº 157, de 2016)”, vislumbrando-se como viável a isenção do ISS aventada.

Para que a renúncia de receita seja legal e regular, é necessário que seja demonstrado o cumprimento dos requisitos do artigo 14 da LRF:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: (Vide Medida Provisória nº 2.159, de 2001) (Vide Lei nº 10.276, de 2001):

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

Diante disso, se observa que a concessão ou ampliação de incentivos ou benefícios fiscais, dos quais decorram renúncia de receitas, devem respeitas as seguintes normas:

1) apresentação de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar a concessão dos incentivos ou benefícios e nos dois subsequentes (art. 14, caput, da LRF);

2) atender às disposições da Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO, nomeadamente quanto à consideração do impacto orçamentário-financeiro provocado pela concessão dos incentivos na elaboração do Anexo de Metas Fiscais (art. 14, caput, c/c art. 4º, §§ 1º e 2º, V, da LRF).

3) Para que a renúncia de receita seja regular, necessária a demonstração de que tenha sido previamente considerada na proposta orçamentária anual ou que haja medidas de compensação, como exigem os incisos I e II do art. 14 da Lei Complementar Federal nº 101/00.

 

Observa-se que, em regra, a concessão de incentivos ou benefícios fiscais deve ocorrer por meio de lei formal específica, que deve estabelecer as condições e os requisitos exigidos para a concessão, os tributos a que se aplica e, sendo o caso, o prazo de duração do benefício, bem como se fazer acompanhar da estimativa do impacto orçamentário-financeiro para os montantes fiscais renunciados (art. 14, caput, da LRF). Nesse sentido, cita-se a lição do Ministro-substituto do Tribunal de Contas da União Weder de Oliveira:

Assim, qualquer benefício tributário (subsídio, isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão) somente poderá ser concedido mediante lei específica que regule exclusivamente sua concessão, em cujo processo de elaboração e aprovação se observe o disposto no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (...)

Assim, o Poder Executivo Municipal, por força do disposto no artigo 14 da LRF, juntou aos autos do PL 022/2019 estimativa do impacto orçamentário-financeiro, porém sem a estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes. Deve-se demonstrar, ademais, que a renúncia não afetará as metas da LDO (Anexo de Metas Fiscais - LDO (terá demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia)), o que não se observa do PL 022/2019 e que não afetará as metas fiscais.

Na isenção em caráter específico, o contribuinte deve preencher os requisitos preestabelecidos na lei, ou seja, é analisado caso a caso, ao passo que na isenção de caráter geral não há necessidade de requerimento por parte do contribuinte, nem de despacho da autoridade administrativa, pois decorre diretamente da lei. Sobre o tema, vale os ensinamentos de Hugo de Brito Machado, in verbis:

“[...] Pode a isenção ser concedida em caráter geral ou específico. Na primeira hipótese, decorre diretamente da lei. Não depende de requerimento do interessado nem de qualquer ato administrativo. Na segunda hipótese, a isenção se efetiva mediante despacho da autoridade administrativa em requerimento do interessado, com o qual este comprove o preenchimento das condições e requisitos previstos em lei [...]”.”. 

No caso, trata-se de espécie de isenção específica, porquanto concedida para uma pessoa jurídica singular, ocorre que tal isenção não está sendo concedida pela autoridade administrativa após tal autoridade verificar o cumprimento dos requisitos e critérios dispostos no texto legal.

Quanto ao teor do artigo 2º do projeto em análise, que pretende alterar a Lei Orçamentária Anual, a doutrina e a jurisprudência dos Tribunais de Contas aponta pela impossibilidade de alteração dos limites de incentivos ou benefícios fiscais já previstos na LDO e na LOA em curso:

TCE-SC. Prejulgado nº 1894 (…) 4. De acordo com o art. 165, § 2º, da Constituição Federal (CF) e no art. 14 da Lei Complementar n. 101/2000 (LRF), a concessão de benefícios de natureza tributária, da qual decorra renúncia de receita, não poderá ser realizada após a LDO, pois a referida norma deverá dispor sobre as alterações na legislação tributária, tais como a isenção de caráter não geral.

 

TCE-MT. PROCESSO Nº: 24.004-4/2015. INTERESSADO: SECRETARIA DE ESTADOS DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DE MATO GROSSO – SEDEC-MT. ASSUNTO: CONSULTA RELATOR: CONSELHEIRO JOSÉ CARLOS NOVELLI PARECER Nº: 69/2015.

Da mesma forma, considerando-se a inter-relação direta e consequente entre a LDO e a LOA, por força das disposições contidas no § 2º do artigo 165 da CF/888 e também das disposições apresentadas pela LRF, entende-se pela impossibilidade de alteração dos limites de incentivos ou benefícios fiscais já contemplado no Anexo de Metas Fiscais de uma LDO em vigência.

(...)

Assim, em conformidade com os argumentos apresentados, afirma-se que não é possível a alteração dos limites de incentivos ou benefícios fiscais já constantes de LDO e de LOA do exercício em curso.

Desse modo, considerando-se que os benefícios concedidos já atingiram os limites para renúncia de receita previstos nas peças de planejamento para o exercício corrente e que esses limites não podem ser majorados no decorrer do exercício em curso, sua posterior ampliação recairá, necessariamente, na observância da “condição alternativa” inserta no inciso II do artigo 14 da LRF, ou seja, essa ampliação deve ser suportada por medidas compensatórias que provoquem o aumento da receita mediante a elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

Isso posto, e em resposta ao consulente, conclui-se que, atingidos os limites de renúncia de receitas fixados na LDO e na LOA para um exercício financeiro, estes não poderão ser ampliados dentro desse mesmo exercício, tendo em vista que não é possível ampliar esses limites mediante alterações das peças de planejamento do exercício em curso e que a implementação da condição alternativa prevista no inciso II do artigo 14 da LRF submete-se ao princípio constitucional da anterioridade tributária consignado no artigo 150, III, b, da CF/88.

Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela inviabilidade do Projeto de Lei nº 022/2019, de autoria do Poder Executivo Municipal, quanto ao previsto no art. 165, § 2º da CF/88 e aos ditames do art. 14 da LRF, cabendo às Comissões e ao Plenário adentrarem no mérito da proposta e analisar minuciosamente o interesse público envolvido, sendo matéria de renúncia de receita (LRF, art. 14, §1º).

É o parecer.

Guaíba, 06 de junho de 2019.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136



O Documento ainda não recebeu assinaturas digitais no padrão ICP-Brasil.
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 06/06/2019 ás 17:13:18. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 97a15f620379a4956f77b477ecc21d86.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 69761.